O fundador da ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente considera que "o assunto deve ser mais ponderado para que as gerações futuras não venham a acusar-nos de mais uma herança pecaminosa".

O engenheiro agrónomo defende que "o caminho deveria ser, inequivocamente, o estudo e o debate científico, não político ou económico, das razões que levam os países que ainda não aderiram aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM).

Fernando Pacheco recua a 2004, quando o governo decidiu ilegalizar as sementes geneticamente modificadas, "tendo sido bastante criticado pelas agências internacionais de ajuda humanitária de apoio ao desenvolvimento devido às necessidades alimentares provocadas pelos efeitos da guerra. Contudo, a importação de alimentos produzidos em países onde se utilizam OGM (como a África do Sul ou o Brasil - um dos maiores utilizadores deste tipo de sementes a seguir aos EUA, Canadá e China), assim como as dinâmicas do conflito armado já haviam permitido a introdução desses organismos em Angola através da contaminação".

"As populações deslocadas que necessitavam de ajuda alimentar utilizaram naturalmente parte do milho também da ajuda alimentar recebida como semente, o que terá o cruzamento com plantas nativas", lembra o engenheiro agrónomo.

"Contra a decisão também se insurgiram alguns representantes do agronegócio que na altura começava a emergir, com o argumento de que Angola precisa de incentivar a produção e combater a fome e para isso precisava de sementes geneticamente modificadas capazes de permitir o combate a pragas e doenças com menor recurso a agrotóxicos. Ao longo dos anos foram feitas muitas pressões nesse sentido", acrescenta.

Em sentido oposto, recorda Fernando Pacheco, "manifestaram-se algumas vozes apoiando a medida governamental, entre as quais a da Dra Elizabeth Matos, então responsável pelo Centro de Recursos Fitogenéticos da Universidade Agostinho Neto, onde se encontra uma preciosa colecção de amostras e sementes nativas angolanas, devidamente catalogadas e caracterizadas, desde os anos 80".

O Comité de Sementes Geneticamente Modificadas vai ser coordenado pelo ministro da Agricultura e Florestas e integra os ministros da Saúde, do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, do Ambiente, e da Indústria e Comércio, e deverá estabelecer normas e mecanismos de fiscalização para a autorização de importação, cultivo, trânsito, investigação, libertação para o ambiente, manuseamento e uso de sementes geneticamente modificadas, assim como contribuir para a garantia da protecção da saúde humana, ambiente, e conservação da diversidade biológica.

Em Angola, afirma o fundador da ADRA, "são conhecidas cerca de 1200 variedades de milho com características específicas que se foram adaptando ao longo dos tempos, depois da sua introdução possivelmente no século XVII, ao ambiente e ao clima. Os genes preservados podem ser úteis para todo o mundo científico e a Dra Matos defende mesmo que deveriam ser património mundial".

O engenheiro agrónomo explica: "O respeito pela biodiversidade e pelo conhecimento acumulado ao longo de mais de 10 mil anos de domesticação das plantas e do início da actividade agrícola é hoje uma questão científica fundamental. O avanço da ciência e da técnica a partir da revolução industrial fez com que nos países considerados desenvolvidos se passasse a menosprezar o chamado conhecimento endógeno, nativo ou indígena (indigenous technical knowledge), transmitido através dos tempos e das gerações. Há algumas dezenas de anos o conhecimento endógeno passou a ser reconhecido e investigadores de diferentes ciências vão descobrindo a importância da diversidade de conhecimentos e saberes, contribuindo positivamente para novas descobertas e relativizando os conhecimentos científicos nascidos na cultura ocidental".

"No mundo empresarial, inclusive, o aproveitamento desta forma de conhecimento começa a fazer parte da estratégia de inovação e concorrência ou a conduzir ao abusivo registo de patentes de conhecimentos e práticas que constituíram o património milenar dos povos. O conhecimento endógeno começa a atrair a atenção no campo da investigação dado que se conhece ainda pouco sobre a matéria", afirma, para defender que "nós, em Angola, passámos ao lado destas novidades devido ao atraso da nossa academia e da nossa investigação científica".

O especialista em agronomia defende que é um facto indesmentível que as sementes geneticamente modificadas permitem produtividades muito superiores às das variedades tradicionais, incluindo as sementes híbridas. Contudo, lembra, "a sua adopção por Angola tem de ter em conta os riscos inerentes".

E porquê?, perguntarão os leitores.

"Em primeiro lugar a forte possibilidade de contaminação das variedades locais e a destruição dos seus genes. Em segundo lugar, o facto de termos instituições muito debilitadas por ausência de visão estratégica e de recursos humanos e financeiros, logo, pouco capazes de liderarem o processo de introdução e de mitigação dos riscos. Em terceiro lugar, o facto de o número de empresas capazes de suportar os custos de importação e utilização de OGM ser muito pequeno, estima-se serem cerca de 30 o que faz supor uma área total que nos próximos anos não deve ultrapassar os 150 mil hectares de milho com uma produção de 1,5 milhões de toneladas", justifica Fernando Pacheco. E acrescenta: "Em quarto lugar, o argumento de que o levantamento da interdição que vigorou até agora permitirá a atracção de investimento estrangeiro não colhe, pois, o deficiente ambiente de negócios e a ausência ou precariedade de infraestruturas continuarão a ser o maior obstáculo para a captação do interesse de investidores".

O engenheiro agrónomo conclui: "Por outro lado, não podemos ignorar o gigantesco lóbi das empresas que vão assumindo o controlo da produção e comercialização, quase em situação de oligopólio. Não é por acaso que o nome Monsanto se apresenta pouco simpático em diversas latitudes".

Os produtos transgénicos mais conhecidos e comercializados no mundo são o milho, a soja, o feijão e o algodão.

E, se os Estados Unidos da América, a China e o Brasil são já grandes produtores de alimentos transgénicos, a Europa tem sido mais reticente quanto à utilização das "milagrosas" sementes que fazem com que as plantas sejam mais produtivas, uniformes, com frutos que são produzidos mais rapidamente.

Os defensores destas sementes garantem que podem resistir melhor a doenças, pragas ou a fatores externos, como pouca água, mas são vários os especialistas que defendem que os alimentos transgénicos são mais resistentes, o que acaba por promover também mais resistência das ervas daninhas, e, para combatê-las, muitas vezes, é preciso usar mais pesticidas, que afectam a água e o solo.

Além disso, o uso excessivo destes produtos também pode acabar com espécies benéficas e aliadas da polinização e produção de alimentos, como minhocas, abelhas e outras espécies de vegetais.

Alguns especialistas apontam, também, o perigo de reduzir a diversidade de sementes, já que a chuva, o vento, os insectos e os pássaros levam o pólen de plantas transgénicas para as lavras tradicionais, e, com isso, as sementes convencionais podem desaparecer.

Os transgénicos normalmente são cultivados em "monoculturas em grande escala", dentro de latifúndios, um tipo de cultivo que requer grandes quantidades de fertilizantes artificiais, pesticidas e irrigação.

Os impactos destas sementes podem significar o empobrecimento dos solos, mas, apesar de tudo o que tem sido escrito sobre os transgénicos, ainda não há estudos conclusivos que comprovem que prejudiquem a saúde ou o meio ambiente, da mesma forma que nada aponta que no futuro eles sejam inofensivos.

O certo é que a biossegurança é fundamental para evitar ou minimizar os riscos para a saúde das pessoas e do Planeta, e, como lembra o engenheiro agrónomo, no País subsistem "instituições muito debilitadas por ausência de visão estratégica e de recursos humanos e financeiros, logo, pouco capazes de liderarem o processo de introdução e de mitigação dos riscos".

No continente africano, apenas 11 países aderiram aos OGM: África do Sul, Sudão, Egipto, Burkina Faso, Quénia, Essuatíni, Etiópia, Malawi, Nigéria, Gana e Zâmbia.