O bairro do Paraíso, situado num morro alto, tem os acessos constituídos por becos engolidos pelas construções desordenadas, e é igual a tantos outros que existem na capital: ruas com lombas e buracos, em que mal se vê o chão por estar cheio de lixo, latas, garrafas, sacos de plástico e papéis.

Uma imagem clara de subúrbio pobre e desordenado, como dizem os moradores, onde as valas de drenagem, depois das chuvas, são transformadas em "depósitos de lixo".

No Paraíso, os índices de criminalidade são tão elevados que a polícia aconselhou os moradores a velarem pela sua própria segurança, por alegada falta de efectivos na única esquadra policial da zona, disseram ao Novo jornal alguns moradores.

A recolha do lixo é uma miragem. O cheiro nauseabundo, charcos de água parada com vermes e moscas e o lixo é o cenário onde se ergue este jogo de morte no Paraíso, como se quem nele participa tivesse a consciência de que o futuro não tem nada de bom para lhes oferecer e crescer é mais uma condenação que uma esperança.

É o "wowo", um novo fenómeno que invadiu as ruas sujas do bairro do Paraíso, um grito de guerra que passou a designar estes ataques e que pode ser resumido a uma luta feroz e, por vezes, letal, entre grupos rivais ou gangues organizados. Um estranho jogo de morte protagonizado por menores que, "além de se dedicarem a assaltar residências, lutam entre eles com o que tiverem à mão: catanas, pedras, paus, ferros, armas de fogo...".

"Há três semanas, dois adolescentes foram mortos por um grupo rival com blocos na cabeça e ferros durante uma luta entre dois grupos", revelou uma mulher que o Novo Jornal encontrou a varrer o seu quintal.

A origem do "wowo", o jogo de morte que invadiu os bairros da capital, pode ter várias origens mas em todas elas a pobreza extrema está presente.

A desestruturação familiar, as crianças que vão passando cada vez mais tempo na rua, as que são postas na rua pelas próprias famílias, as que fogem das famílias pois a ameaça vem de quem deveria protegê-las determinam muitas vezes o destino destas crianças.

As crianças vão escolhendo a rua e a rua vai-se tornando a sua casa. Começam por deambular, mendigando. O passo seguinte é o pequeno delito: o roubo da botija de gás ou daquilo que houver à mão nos quintais e que sirva para trocar por alguns kwanzas.

A rua passa a ser a sua casa e ficam por sua conta. Vão-se juntando a outras crianças com os mesmos problemas, o mesmo desalento, e é nos gangues do bairro que encontram "protecção" e "poder", que conquistam através da demonstração da violência. Afinal de contas, para estes jovens, tudo se resolve com violência, porque essa é a linguagem que conhecem e a única referência que têm.

Entrados no gangue, muitas vezes há que passar por rituais de iniciação decididos pelos "donos" do gangue, jovens mais velhos, e, sobretudo, mais antigos no grupo.

As violações de meninas e adolescentes também têm aumentado nos bairros periféricos da capital, tal como os assaltos. Os mais velhos continuarão a "treinar" os mais jovens. Em muitos casos deixando-os confrontar-se com gangues rivais, enquanto eles ficam apenas a controlar.

E, de acordo com os preceitos dos gangues e das ruas, se a violência cresce, o "poder" também.

No périplo que o Novo Jornal fez pelo bairro, percebeu isso mesmo em tudo quanto viu e ouviu.

Três mulheres, que partilham o mesmo quintal, descreveram ao Novo Jornal o terror em que vivem quase todos os dias, por causa das lutas de gangues: roubos à mão armada que tanto podem acontecer na calada da noite como à luz do dia.

"Na semana passada, perto de dez residências foram assaltadas com extrema violência", disse uma das senhoras, salientando que os delinquentes deixaram dois moradores feridos com gravidade.

Denúncias de outros moradores ao NJ dão conta de que as autoridades terão aconselhado os populares a velarem pela sua própria segurança, por alegada falta de número suficiente de efectivos na única esquadra policial.

"Muitos moradores são assaltados e baleados pelos delinquentes. A zona é muito escura e insegura, até parece um paraíso do pecado", acrescenta um dos moradores que preferiu falar em anonimato por medo de sofrer represálias.

O homem revelou que o único Posto Policial existente na zona possui apenas dois agentes, número que considera insuficiente para contrapor a onda de delinquência que se faz sentir naquele bairro.

Hitler Samussuku, activista e licenciado em Ciência Política pela Universidade Agostinho Neto, em entrevista ao Novo Jornal, disse que durante uma pesquisa que fez, concluiu que o famoso jogo do "Wowo" está a espalhar-se por toda cidade de Luanda.

"As autoridades devem redobrar a atenção nos bairros, a falta de ocupação, a pobreza, o desemprego, têm permitido que fenómenos como este comecem a surgir em diversos pontos da cidade de Luanda", referiu.

O Novo Jornal tentou sem sucesso falar também com a comissão de moradores do bairro Paraíso.

Já o director do gabinete de comunicação do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, inspector-chefe Nestor Goubel, garantiu que "devido às informações que chegaram sobre essas lutas de grupos rivais, a corporação aumentou o patrulhamento no bairro Paraíso".

"A Polícia Nacional reforçou o patrulhamento no bairro do Paraíso. E deteve recentemente três cabecilhas desses grupos para desencorajar os outros adolescentes envolvidos nesta prática de crime", afirmou, revelando que o novo comandante da polícia em Cacuaco recebeu ordem para dar maior atenção à zona do Paraíso.