As mais de mil mortes já registadas nas províncias congolesas do Kivu Norte e Ituri, e 1.800 casos de contaminação confirmados laboratorialmente, em cerca de 10 meses, fazem desta a 2ª mais grave epidemia de Ébola desde que o vírus foi detectado pela primeira vez em humanos, decorria o ano de 1976, na província do Equador, também na RDC.
De 1976 até hoje, o mundo já se deparou com 10 epidemias de Ébola, a mais letal das febres hemorrágicas provocadas por vírus que a humanidade conhece, e a gravidade e dimensão de cada uma delas tem vindo a aumentar, temendo os especialistas que esta possa revelar-se ainda mais grave que a que varreu a Libéria, a Serra Leoa e a Guiné-Conacri, na África Ocidental, entre 2013 e 2014, que, para além dos 11 mil mortos, deixou um rasto de devastação económica e desestruturação das comunidades devido à fuga de milhões de pessoas para os países vizinhos, como a Nigéria.
O número de casos confirmados e mortes provocadas pelo vírus do Ébola tem vindo a surpreender as equipas que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e os técnicos do Ministério da Saúde congolês têm no terreno, somando-se, em alguns dias, dezenas, entre mortes e novas confirmações, num ritmo que se tem revelado imparável.
Por detrás desta dificuldade crescente em conter a epidemia nas províncias onde esta teve origem, no leste da RDC, junto às fronteiras com o Ruanda e o Uganda, estão factores como a descrença das populações na eficácia dos médicos e técnicos estrangeiros, a quem acusam de terem levado a doença para as suas comunidades.
Mas também devido à acção dos curandeiros (kimbandeiros) tradicionais, que prometem curar as pessoas com poções mágicas e feitiços por encomenda, à pobreza, à fragilidade do sistema de saúde local - simplesmente inexistente - e, não menos importante, devido à presença de dezenas de guerrilhas e milícias que se batem entre si, atacam campos de refugiados, aldeias e postos médicos, fazendo já dezenas de vítimas, entre mortos e feridos, no seio das equipas sanitárias que, com risco das próprias vidas, tentam travar o avanço da epidemia, especialmente para os países vizinhos, cuja densidade populacional elevada representam um séria ameaça.
Citado pelo The Guardian, Jeremy Farrar, líder da Wellcome Trust, uma das mais especializadas ONG"s em matéria de doenças infecciosas epidémicas, disse estar "o mais preocupado possível" porque "esta epidemia é massiva quando comparada com qualquer uma outra já registada à excepção da que varreu a África Ocidental e continua em forte expansão".
Este especialista considera mesmo uma espécie de "milagre" que o vírus não tenha ainda coberto uma maior área geográfica, sublinhando que os números de vítimas diárias é "aterrador" e num "muito inquietante crescendo".
Farrar considera ainda que sem um cessar-fogo efectivo de pelo menos nove meses, envolvendo as milícias e as guerrilhas, cumprido escrupulosamente, o mundo pode estar perante aquilo que considera a maior tragédia de sempre gerada por um vírus, sendo que esta ostenta ainda outro dado perigoso que é a taxa de letalidade muito superior a todas as outras, na ordem dos 70 por cento.
A par do vírus que corre entre as comunidades, paralelamente sucede outra corrida que é a da saída de muitos dos técnicos e pessoal médico que se encontra na região devido aos constantes ataques das guerrilhas e milícias, como já sucedeu com os Médicos Sem Fronteiras, ou os norte-americanos do Centro de Controlo de Doenças Infecciosas (CDC).
Entre os locais atacados não escaparam as maiores unidades hospitalares, como o Hospital Geral de Katwa, ou Hospital Universitário de Butembo, que são das maiores cidades do Kivu Norte e situadas no centro do território afectado pela epidemia, que já foram invadidos por homens armadas por duas vezes, tendo, numa delas, em Butembo, sido morto Richard Valery Mouzoko Kiboung, um médico camaronês, epidemiologista, que ali estava voluntariamente ao serviço da OMS.
"A situação actual é muito mais grave do que aquilo que a estatística das mil mortes podem deixar perceber, sendo a segunda maior de sempre, estando ainda a acontecer uma suspensão de serviços que são fundamentais para travar a epidemia, o que pode abrir portas a uma nova e grave fase de crescimento da epidemia, seja em número de vítimas, seja em área geográfica abrangida", disse, ainda citado pelo Guardian, David Miliband, chefe do Comité Internacional de Salvamento (IRC, na sigla em inglês), que está na região para reorganizar a resposta sanitária.
Milliband sugere mesmo que a volatilidade da situação no Kivu Norte pode já ser considerada, devido à violência das guerrilhas, razão para considerar que "quaisquer progressos no combate à doença são agora impossíveis e assim vai continuar se não ocorrer uma mudança drástica na situação", especialmente os ataques armados dirigidos aos centros e postos médicos erguidos na linha da frente do combate à infecção.
Estes ataques sucedem porque as comunidades desconfiam cada vez mais dos técnicos que chegam de fora, especialmente devido à letalidade da doença, sublinhada pelo facto de as pessoas estarem a ver os doentes a entrar nos postos médicos e só dali saírem em sacos de cadáver hermeticamente fechados.
E, devido a isso, estão a optar por não irem a estes locais criados pela OMS e outros organismos, escolhendo as suas casas e aldeias logo que sentem os sintomas da doença, o que está a ajudar a espalhar o vírus, que se transmite facilmente de pessoas para pessoas através dos diversos fluídos corporais.
Estas preocupações já foram igualmente manifestadas pelo director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que se mostrou profundamente inquieto com a forma como a doença está a evoluir e a crescer "por causa da violência dos grupos armados" e das crenças ancestrais que dificultam o combate à infecção.
É já aceite de forma generalizada que, tal como sucedeu na África Ocidental, também esta epidemia vai exigir uma resposta de largo alcance mundial, de reunião de esforços regionais e planetários, por forma a evitar que este "monstro" se agigante e engula uma vasta região da África Central, podendo potencialmente fazer centenas de milhares de vítimas.
A RDC tem fronteiras com nove países, incluído Angola, com quem partilha mais de 2.000 km"s de fronteira, embora situada na parte sul, a mais distante do epicentro da epidemia, o que pode ser considerado um factor de minimização de risco mas não pode ser visto como uma garantia de segurança absoluta, como as autoridades sanitárias nacionais já admitiram.