Entretanto, desviar-nos-emos dessa discussão que, apesar de ser a questão de proa, porém, achamos que a sua análise se encontra já inflacionada, remetendo-nos para outro ângulo de observação das autarquias, fazendo assim uma previsão da imprevisibilidade.

A verdade é que os angolanos tiveram por cerca de três décadas um conflito armado entre filhos da mesma pátria cuja avaliação, hoje por hoje, é mais que evidente, derivada de influências externalistas, advindas de países então com interesses subterrâneos em delapidar as suas riquezas e na inocência da vida, conseguiram baralhar a mente de alguns precursores, autóctones mais fracos nas suas convicções, quiçá, mergulhados de ambições destemperadas, basta observar que o conflito armado terminou sem qualquer intervenção externa, depois de várias tentativas de acordos de paz sob a égide de países e instituições internacionais.

Caracterizamos por inocência da vida, tendo em conta que a guerra fratricida entre os angolanos, foi imediatamente subsequente ao fim do processo de colonização que perdurou por quinhentos anos e, sendo assim, não houve um tempo necessário para que se pudesse criar ou afirmar uma identidade própria, uma estrutura mental alicerçada em valores intrínsecos e reais de nacionalismo, patriotismo e, em via de consequência, este factor contribuiu para a deformação do inconsciente colectivo.

Indubitavelmente, o prefácio das autarquias responde aos recados da modernidade, do desenvolvimento social a partir de matrizes sólidas dos princípios da governabilidade, ancorada na desburocratização e autonomia administrativa dos serviços, no equilíbrio social e desenvolvimento das regiões, na gestão transparente.

Felizmente, o contexto costumeiro angolano é caracterizado por uma cultura de reconhecida grandeza ética e moral, na sua narrativa ressalta a miscigenação simplista e de grande valorabilidade em que o homem do Sul é casado com a mulher do Norte, o do Este é casado com o indivíduo do Nordeste, etc.

Portanto, inexistem resquícios assinaláveis de tribalismo e/ou regionalismo a ponto de despoletar guerras entre tribos, como se assiste noutras latitudes cá em África.

Todavia, o bom senso recomenda que a observação unívoca de determinado assunto é ingenuidade e/ou imprudência, é preciso rastrear a evolução, tendências e fragilidades das sociedades.

As autarquias traduzem a penetração de uma estrutura racionalista exógena sobre a idiossincrasia local, mergulhada no encadeamento de hábitos e costumes, nomeadamente o modo de vestir, de falar, de comer, de dançar, ou seja, à uma codificação hermética do modus vivendi dos aldeões, um questionamento surge:

Os desígnios do progresso e desenvolvimento colocaram em risco a existência da tribo?

Engana-se quem prevê o sucesso das autarquias em todos os municípios, com referência a partir de indicadores da capital do país; Luanda é uma metrópole, cidade cosmopolita, onde enfaticamente existem habitantes de todos os cantos de Angola e, por este facto, facilmente haverá maior aceitação para o cargo de autarca qualquer indivíduo, não obstante a sua procedência.

Pouco ou nada se fala sobre o pendor cultural para o êxito das autarquias, é fundamental abordar o tema com profundidade e pedagogia, elevar a consciencialização do cidadão lá nos recônditos dos municípios, fazendo ver que o mais importante é encontrar responsáveis com disponibilidade de trabalhar para o bem da comunidade, deixar claro que, para se ser um autarca, o mais importante é ter espírito de missão e responsabilidade com a coisa pública. A construção do desenvolvimento local dependerá da sinergia de todos os munícipes, o foco deve-se fundar, aprioristicamente, na busca da melhoria das condições de vida, naturalmente não pondo de parte determinados requisitos, como a fixação residencial local por tempo respeitavelmente definido e a angolanidade, sem necessariamente a rotulação deste ou aquele, como Mucuaquiza, Mucua-Mbalundu ou Mona-Bata.

As autarquias e consequentemente o consuetudinarismo não podem ser reféns do passado ou de concepções normativas tidas como irrevogáveis, devendo em alternativa cultivar uma ambiência resiliente e equilibrada perante a evolução natural dos tempos.

A vista disso, a interrogação e a refutação da realidade, contribuirão para aferição de achados incalculáveis, susceptíveis de fundar ou destruir impérios, sedimentar correntes de pensamento, moldar hábitos, perspectivando abrir horizontes até então inacessíveis por dogmas e convicções enraizadas, alumiando assim o caminho do progresso.

A máxima "De Cabinda ao Cunene, do mar ao Leste, um só povo e uma só nação" constitui, sem sombras de dúvida, uma profecia inigualável, intemporal e de profunda magnitude, dificilmente encontrada em muitos países africanos, auguramos que esta continue a imperar as almas dos angolanos contornando quaisquer tendências geradoras de conflitos desnecessários, numa terra que precisa de se ajustar aos ditames da paz, do progresso e bem-estar para todos.

Somente a reflexão da realidade e a procura incessantemente por uma verdade mais verdadeira permitirá distinguir o que está certo do que está errado e compreender o que pode ainda ser feito de melhor.