Neste trabalho jornalístico, que vem trazer uma nova luz sobre aquele período histórico, onde o Brasil é comummente visto como se tendo posicionado ao lado do MPLA ao ter sido o primeiro país a reconhecer a independência de Angola a 11 de Novembro de 1975, o Estadão revolveu a história para reposicionar a verdade histórica brasileira face à guerra civil que emergiu no pós-Dipanda.
De facto, naquela altura, o regime da ditadura militar que tinha como Presidente Ernesto Geisel, enviou para Angola um grupo alargado de assessores militares ou com funções militares para apoiar a ofensiva da Frente de Libertação Nacional de Angola, de Holden Roberto, que, no norte, procurava derrotar o Movimento Popular de Libertação de Angola, de Agostinho Neto.
Isto, num contexto internacional em que o Brasil da ditadura militar, que entre 1964 e 1985 governou com punho de ferro o maior país da América Latina, era um dos principais pilares globais anti-comunistas e se posicionava claramente ao lado dos Estados Unidos da América no âmbito da Guerra Fria.
Guerra Fria que em Angola também tinha dois lados claramente opostos, onde do lado pró-soviético estava o MPLA (na altura com o controlo territorial delimitado à capital e proximidades) e do lado pró-americano estava a FNLA, com a UNITA a constituir-se com uma menos intensa acção anti-comunista devido a uma estratégica aproximação à China.
Nesta investigação do Estadão, o jornalista Marcelo Godoy nota que a ideia subjacente ao envio dos assessores para Angola pelo regime brasileiro era que estes fossem os percursores de um posterior envio de forças militares para, ao lado de Holden Roberto, suster eventuais contra-ofensivas das forças militares que apoiavam o MPLA, nomeadamente as cubanas e outras com apoio de Moscovo.
Como se sabe, não foi esse o desfecho histórico e o MPLA acabou por impor a sua força com o apoio das forças enviadas de Havana por Fidel Castro e dos assessores militares posicionados em África por Moscovo, que tinham em Angola um campo de batalha decisivo no âmbito da Guerra Fria que inundava o Globo de conflitos estratégicos para ganhar terreno e influência geográfica.
Face a este desfecho, o Presidente Ernesto Geisel e os generais que constituíam o seu Conselho, alicerçados no factor histórico em que a língua unia Luanda e Brasília, resolveram inverter o bico ao prego e tomaram a dianteira para surgirem estrategicamente como o primeiro país a reconhecer Angola independente.
Este episódio histórico, onde o Brasil esteve, juntamente com a África do Sul do apartheid, o Zaire, de Mobutu Sese Seko, e os EUA, ao lado da FNLA, ficou, segundo o jornal brasileiro, escondido por décadas.
O jornal vai ainda mais longe no pormenor, notando que os 12 especialistas brasileiros, que davam instrução na área dos explosivos aos homens da FNLA, foram recrutados pela secreta brasileira do SNI e seis deles estiveram até ao último minuto no tereno de batalha, inclusive na decisiva e histórica Batalha de Quifangondo.
Esta parte da história angolana e brasileira foi posta a nu pela investigadora GIsele Lobato, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, que encontrou o único documento que sobreviveu a uma natural "limpeza" que atesta este posicionamento brasileiro no arquivo público do Rio de Janeiro.
Foi ao seguir as pisadas da investigadora que o Estadão encontrou três agentes da "secreta" brasileira à época e José Paulo Boneschi (na foto publicada pelo Estadão, ao lado de um major português, Alves Cardoso, ao serviço da FNLA, no Ambriz, em 1975), um dos 12 assessores que confirmou de viva voz os dados históricos revelados entretanto.
O Brasil chegou mesmo a negar este facto por diversas vezes, inclusive depois de um agente da CIA, John Stockwell, ter, em tempos, publicado uma fotografia onde mostra um alegado Major do Exército brasileiro em Angola ao lado de Holden Roberto.
E, segundo esta investigação, essa negação fazia sentido porque a fotografia mostra José Paulo Boneschi e este não é um oficial do Exército brasileiro mas sim um influente agente dos serviços secretos brasileiros, o SNI (Serviço Nacional de Informações), criado em 1964, logo após a instauração da ditadura militar.