O Tozé é um artista que em termos de projectos individuais tem andado um pouco distanciado daquilo que faz transpirar os holofotes da Media. Nos últimos anos conhece-se a sua intervenção mais em exposições colectivas do que individuais. Apenas agora, com o projecto Palanca Parade, é possível vê-lo de novo individualmente a trabalhar. A que se deve essa ausência?
Primeiro, como artista que sou senti-me bastante lisonjeado por ter sido convidado pela Angoalissar para pintar a palanca negra gigante. Este é um projecto que não só valoriza a classe artística nacional, como eleva ou enobrece o símbolo nacional que ela é. Quando fui convidado, como angolano que sou, antes de tudo, senti que iria dar o meu contributo para um projecto que é somente nacional.
Este projecto acaba por representar eventualmente um novo desafio na sua carreira artística, uma vez que o Tozé é conhecido como um pintor que pinta em superfícies, vou lhe chamar, planas e não tridimensionais, como é o caso da palanca.
Devo dizer que, felizmente, não é o facto. Pouca gente sabe que eu, desde muito cedo, participei em projectos tridimensionais. Fui pioneiro de um grupo de artistas que passou pelas mãos de grandes mestres, como Mário de Carvalho Fernandes Tio Mário, meu finado pai, Gil Sousa e Horácio Dá Mesquita que eram os artistas que faziam os quadros tridimensionais da praça 1º de Maio, nas actividades do partido, na altura. Eram quadros com mais de dez metros, feitos no hangar onde funciona hoje a Gráfica Pontual. Muito novo já fazia parte desses trabalhos. Fui um dos artistas nacionais que, em 1990, elaborou os quadros humanos do festival gimnodesportivo. É um desafio que eu adoro fazer, dada a experiência que tenho.
Mas será na tela onde melhor consegue exprimir-se…?
Pinto em tela porque é o dia-a- -dia do artista. Mas a experiência tridimensional é um desafio que tem acompanhado a minha carreira. Aliás, até porque, em 2008, tive a oportunidade de estar no Japão com os artistas Matondo Alberto, Don Sebas Cassule e o finado Marcos Ntangu, onde elaborámos dois painéis tridimensionais para o pavilhão de Angola na expo daquele país asiático.
Diferentemente da natureza real do antílope que é aqui exaltado, este projecto permite-lhe usar os tons que melhor lhe convém ou foi influenciado na escolha das cores?
A selecção das cores foi uma proposta que fiz à Angoalissar que me me deu a oportunidade. Felizmente, neste trabalho, a responsabilidade é toda do artista contratado, sem imposição de qualquer natureza. Neste caso particular, sugeri que a Angoalissar pudesse participar do projecto, sugerindo as cores predominantes da empresa. Razão pela qual esta palanca está pintada com esses tons.
Tem ideia de quantas palancas compreendem o projecto?
Bem, não sou a pessoa mais indicada para lhe falar propriamente do projecto. Mas tenho a vaga ideia de que são aproximadamente 600 e poucas palancas, que devem ser pintadas por vários artistas nacionais, à medida que as empresas forem adquirindo as peças e solicitarem os artistas. Isso acaba por ser bom para os artistas porque o número de palancas ultrapassa o número de artistas efectivamente no activo.
O que é feito do Tozé pintor que conhecemos?
O Tozé pintor que a malta conhece continua a trabalhar. Disse no início da entrevista que tenho estado ausente dos holofotes dos Media, isso porque não tenho estado a fazer exposições individuais. Quando fazemos uma mostra individual passamos a ser figura de cartaz. Infelizmente, há um tempo a esta parte que não tenho estado a fazer exposições individuais. Não que não tenha vontade de o fazer, mas o factor tempo também tem influência directa nisso. Tenho estado a receber solicitações na base de encomendas, então isso faz com que eu tenha muito pouco tempo para preparar uma exposição individual.
Como é que se dá o seu processo criativo? O que é que o inspira?
Cheguei a um ponto, isso pela experiência e pelo tempo de trabalho, em que a inspiração acontece de maneira espontânea. Ela surge e não tem que necessariamente ter um momento próprio. Há alturas em que o artista está coberto de uma espécie de maré negra que quase não lhe permite criar. Mas o processo de criação é contínuo.
Hoje por hoje tem muitos motivos extra para pintar, ou seja, como é que pinta o país neste momento?
A reconstrução que vai tendo lugar é um motivo de criação. Hoje o país está a crescer na verticalidade. Uma série de edifícios a serem erguidos, apesar de que a maior parte deles são para escritórios, mas de qualquer forma o criador sempre intervém. À medida que há um crescimento arquitectónico do país que se vai afirmando a sensibilidade artística também.
O que se conhece de uma exposição individual sua já leva algum tempo. Estar ausente da montra expositiva, ao mesmo tempo em que há todo um movimento quase frenético de velhos, no bom sentido, e novos artistas não lhe preocupa enquanto criador?
Felizmente, se reparar, a arte contemporânea é dinâmica e esse dinamismo é constante. Procuro estar sempre actualizado, apesar de não estar a apresentar qualquer exposição individual, todo o trabalho que tenho feito, tem acompanhado esta dinâmica da contemporaneidade.
Se tivesse que apresentar uma exposição individual, o que é que iria apresentar como proposta estética? Acha que o artista deve se impor? De acordo com a realidade que vivemos, sobretudo em Angola, ser artista é ser uma espécie de herói. Sabe que isso é uma luta constante. O que define a imposição no mercado é o trabalho do próprio artista.
A sua obra ou a sua preocupação com a estética persegue o fim de marcar uma certa época?
Já estou hoje a caminho de 30 anos de carreira, que fazem com que o meu trabalho marque ou procure marcar uma certa época em relação à minha trajectória, de facto.
Do ponto de vista do contexto geral das artes plásticas angolanas, acha que é difícil para um artista impor-se e fazer vingar a sua obra como parte dos pilares do conjunto de obras que marcam uma determinada época artística?
Hoje penso ser mais fácil, porque as pessoas já têm uma percepção mais clara do que é a arte. Há maior abertura, há mais espaço para mostras. Na altura em que comecei, se calhar era um bocado mais difícil, porque tínhamos que ir atrás dos lugares e quase não havia. Não havia galerias, não havia espaços próprios. Hoje já há maior abertura. Tanto é que até os nacionais hoje já se interessam e já têm uma maior sensibilidade artística e acredito que se torna mais fácil impor-se na arena artística desde que se trabalhe.
O Tozé é um artista inquieto, é um artista atento?
Sim, até certo ponto. A inquietação é natural. Mas falar em estar atento, tenho visto o desenvolvimento artístico por parte da juventude e há uma certa apetência em querer implantar-se na arena artística, o que é bom. Mas a forma como essa geração tenta fazer evidenciar- -se, a meu ver, é que não é a mais correcta. Porque hoje temos um problema: todo o indivíduo que faz uma mostra considera-se um grande artista. O que é mal até para o desenvolvimento do próprio artista.
Falta humildade na nova geração?
Falta e falta, de facto, muita humildade. Não será um conflito geracional mal compreendido e resolvido? Acredito que não. Eu fui jovem ontem e hoje sou adulto maduro e conheço os passos que dei. Tive o cuidado de me juntar a certos mestres e procurar intercâmbio com artistas mais velhos e mais novos. Coisa que não sinto hoje na juventude. Às vezes a gente tenta dar um palpite no sentido de apoiá-los, mas somos mal interpretados.
Acha que a nova geração não está a obedecer àquele processo normal que deve ocorrer para afirmação do próprio artista?
Na minha opinião, não. Porque os jovens hoje passam pelas escolas de formação, que é positivo, mas não têm o cuidado de procurar a essência. Falta o contacto com os ateliers. Os jovens têm de conhecer as fases para se chegar a um verdadeiro artista.
Não digo em termos de obrigatoriedade, mas pensa que o contacto com os artistas experientes é fundamental para que o artista possa se afirmar como tal?
Não que seja uma obrigatoriedade, mas que haja vontade e humildade desta jovem geração de se aproximar de um mestre ou de um atelier. Porque é preciso ter a humildade de receber a experiência, porque a experiência de um grande mestre é uma escola. É uma espécie de pós- -graduação. Isso ajuda sempre. O outro caso é a ausência dos críticos que não se impõem como tal. A fraca divulgação do produto nos media. Hoje o jornalista entrevista um jovem artista e na sua matéria intitula- o como um grande artista, como um grande criador. Que é prejudicial para o próprio jovem artista.