Para a hermenêutica singular dos mercados internacionais do crude, isto tem um e apenas um significado: os Estados Unidos vão encharcar o mercado de petróleo, gerando um excesso de oferta que, como sempre, conduzirá à implosão dos preços praticados hoje.
Assim que Donald Trump, aconchegado ainda no controlo republicano do Congresso assente nas maiorias arrebatadas no Senado e na Câmara dos Representantes, disse, "drill, baby. Drill", as orelhas dos analistas arrebitaram, até porque os EUA, mesmos endo o maior consumidor de crude no mundo, é igualmente o maior produtor, com mais de 12 mbpd.
Isto, porque, com a emergência das alterações climáticas, e com a recente, e ainda a correr, terrível vaga de furacões nos EUA, com centenas de mortos e biliões USD em bens destruídos, muitos pensavam que Trump faria algo diferente do que, a esse respeito, defendeu na campanha eleitoral. Não vai.
Sabe-se que o petróleo barato leva a combustíveis baratos e isso é parte do sonho americano, mas também se sabe que o crude extraído no país é, em grande medida, a partir do altamente poluente e agressivo ambientalmente fracking, implodindo a pedra de xisto a grandes profundidades com químicos e água a grande pressão.
O que a Trump e aos seus seguidores, nada diz nem querem saber, desde que o barril de crude baixe para preços "amigos" do sonho americano.
Só que, há sempre um só que... se o barril baixar muito, a indústria do petróleo de xisto deixa de ser sustentável economicamente, porque o breakeven nesta área é bastante superior à extracção tradicional, o que quer dizer que Trump pode estar a dar um presente envenenado ao sector...
Todavia, até que esse momento de insustentabilidade chegue, muitos danos acontecerão no negócio global da matéria-prima, desde logo entre os países mais dependentes da exportação de petróleo, como é o caso de Angola.
E as últimas novas oriundas do meio diz-nos que já há quem anteveja o barril a valer 60 USD em 2025, o que seria um revês para Angola e o Governo angolano que acaba de aprovar o OGE 25 com base num preço médio do barril nos 70 USD.
O Citi Bank, por exemplo, publicou um relatório elaborado pelos seus analistas onde aponta para uma descida substantiva do valor do barril de Brent para os 60, embora existam já opiniões que apontam ainda para valores mais baixos.
É que não é apenas o efeito Trump que está ao virar da esquina, também concorrem para esta perspectiva "negativa" no sector o mau momento da economia chinesa, que cresce a um ritmo abaixo do normal e pode ainda piorar se este cumprir as suas promessas de aplicar substantivas tarifas aos produtos chineses e europeus exportados para os EUA.
A isso há ainda que acrescentar o aparecimento de novos exportadores com potencial de gerar excedentes no mercado, como a pequena gigante Guiana, na América do Sul, que garante, de per si, mais 3 mbpd.
E mesmo antes de se saber que Trump sairia destas eleições com uma esmagadora vitória, contrariando totalmente as sondagens, a OPEP+ já tinha dado sinais de inquietação, ao anular a decisão de recuperar parcialmente, 180 mil barris por dia, a produção.
Isto, porque a OPEP+ tem cerca de 5,6 milhões de barris por dia, dois milhões destes por decisão singular de russos e sauditas, tirados artificialmente do mercado para manter os preços equilibrados e esbater os efeitos naturais do excesso de produção a que se assiste no mundo.
Claramente que estas não são boas notícias para os países com economias petrodependentes, e, no caso de, entre outros, Angola, acrescido de crises cambiais e inflacionistas severas e sem fim à vista com o barril acima de 70 USD, como será quando cair para os 60...
Para já, sem ainda uma evidente efeito e causa, o barril de Brent estava esta quinta-feira, 07, perto das 15:30, a valer 74,32 USD, uma perda de 0,5% face ao fecho de quarta-feira.
Mas vamos às contas de Angola...
... que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, este cenário pode indiciar um futuro difícil.
Mas, para já, ter o Brent quase nos 74 USD, claramente acima do valor médio usado para elaborar o OGE 2024, 65 USD, e ainda acima do OGE 25, 70 USD, mantém a capacidade para diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, embora o país enfrente também o problema da persistente redução da produção diária.
Essa ajuda para sair da crise pode ser ser ainda mais robusta se o país aumentar a produção, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em 2023, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.