Na semana passada, como o NJOnline escreveu, o petróleo - o barril caiu em Londres mais de 10 USD em menos de duas semanas - estava num momento negativo só comparável às quedas abruptas de meados de 2014.
Nesse ano ocorreu a mais grave crise em muitos anos para os países exportadores da matéria-prima altamente dependentes desta para o equilíbrio das contas públicas, como é o caso de Angola, da qual ainda não se livrou, apesar dos esforços do Executivo, inclusive com a criação de legislação agressiva para impulsionar os investimentos no sector petrolífero.
Mas o impacto devastador das fortes quedas no valor do barril não é só sentido pelas economias dos médios produtores, como Angola ou a Nigéria - os dois maiores produtores da África subsaariana - mas também pelos gigantes, como a Arábia Saudita e a Rússia, o 2º e o 3º maiores produtores mundiais da actualidade, ambos a braços com fortes dificuldades para manter em equilíbrio as suas contas públicas.
A ponto de o ministro saudita da Energia, Khalid al-Falih ,que é, na verdade, a voz de comando dentro da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e também da OPEP+, órgão ad hoc criado para acomodar a Rússia e outros 11 países, como o México ou o Cazaquistão, na estratégia elaborado em finais de 2016 para garantir o equilíbrio do valor do petróleo em valores aceitáveis, já ter vindo garantir que o seu país vai defender a manutenção dos cortes pelo menos até ao fi do ano de 2019.
Depois de ter mantido um corte de 1,8 milhões de barris por dia (mbpd) ao longo de 2017 e por alguns meses de 2018, com mais ou menos intensidade, até que a Arábia Saudita, em Julho desse mesmo ano, ter cedido à pressão dos EUA, com o caso Khashoggi no meio, para injectar mais crude nos mercados - com maus resultados para o preço médio do barril -, desde 01 de Janeiro deste ano que a OPEP+ tem em curso um palo de controlo de danos que passou por retirar 1,2 mbpd, cujo calendário deveria terminar em finais deste mês.
Por entre notícias de que a OPEP+ poderia dar por findo o acordo de cortes, com a guerra comercial entre a China e os EUA, que já vai em mais de 300 mil milhões de USD em tarifas extra atiradas entre um e outro lado da barricada, a tirar apetite por petróleo às duas maiores economias planetárias, com uma nova frente de batalha aberta pelo Presidente norte-americano com o México, por causa da imigração ilegal, com mais tarifas extra metidas no carregador e a culatra já puxada atrás, e a produção de petróleo de xisto (fracking) a galope nos EUA, aproveitando o preço elevado face ao breakeven desta indústria para o barril extraído, os mercados teriam de reagir em baixa e foi o que fizeram.
Hoje, por exemplo, o Brent, em Londres, estava a ser vendido a 61,58 por volta das 09:15, registando uma queda de 0,63% face ao encerramento de ontem, o que, para países como Angola significa que as suas exportações médias para as semanas subsequentes vão valer menos e, por isso, acrescentar dificuldades à sua economia interna, porque, como é sobejamente sabido, o crude representa mais de 95% do total das exportações nacionais.
Mas a Arábia Saudita está no mesmo buraco económico e isso mesmo aceitou o ministro da Energia, Khalid al-Falih, que não deixou a responsabilidade de assumir a sua responsabilidade e apontar o rumo aos seus parceiros na OPEP+: "Faremos o que for preciso para manter a estabilidade dos mercados para lá de Junho. E isso, para mim, significa baixar os stocks que estão actualmente em valores elevados".
"A Arábia Saudita vai fazre o que for necessário para manter a estabilidade", atirou ainda al-Falih, num momento em que a importante reunião da OPEP e da OPEP+ agendada para o fim de Junho em Viena de Áustria, se aproxima e onde será analisado o que o "cartel" vai fazer nos próximos meses.
A parte angolana, sempre muito reservada nesta matéria, com a sua posição a ser, normalmente, reservada para a mesa das negociações, enquanto membro da OPEP, deverá defender a estabilidade, a aplicação de medidas que garantam, pelo menos, que o barril não desça dos 55 USD, porque esse foi o valor de referência utilizado para a revisão do Orçamento Geral do Estado do ano em curso.
A tarefa não será fácil
Para Angola e os seus parceiros da OPEP e da OPEP+, a tarefa de garantir que estes ventos maus que sopram dos EUA e da China, do México ou ainda das perspectivas para a economia global anunciados pelo FMI, não vão fazer estragos, será complexa e difícil.
Isso mesmo pode ser percebido pelo registo tenebroso - na perspectiva dos produtores - das duas últimas semanas, onde o barril de Brent, com semelhante comportamento no WTI de Nova Iorque, caiu 13 %, valor que assustou os ministros que tutelam o sector no seio do "cartel", como foi o caso de Khalid al-Falih, que considerou esta queda "claramente injustificada", parecendo ter esquecido que só a guerra comercial China-EUA tem um efeito gritante na procura global por crude, nem que seja apenas porque se trata das duas maiores economias planetárias.
Todavia, citado nas últimas 48 horas por vários media, o ministro da Energia saudita admitiu estar ciente do que se passa no mundo e dos efeitos da guerra comercial que envolve os EUA em várias frentes.
O líder de facto do "cartel" garante, porém, que a organização saberá "responder com eficácia e atempadamente" aos problemas com que se deparar, incluindo as consequências na procura de crude a partir do diferendo económico que Washington está alimentar com Pequim e com a Cidade do México, entre outras frentes de batalha.
Para já, sabe-se que Riade tem estado a jogar nos dois lados do tabuleiro, porque, segundo os sites especializados e as agências, os sauditas injectarem uns 170 mil barris extra nos mercados para colmatar as quebras geradas pelas sanções dos EUA sobre as exportações do Irão, o que ajudou a manter os preços em baixa, contrariando os objectivos da OPEP, pelo menos os oficialmente pronunciados.
E depois há questões como esta que podem baralhar as contas todas nos mercados petrolíferos.
O dilema russo e a situação dual em Angola
Mas esta estratégia de manter os preços em alta através de cortes na produção, parecem ir contra a prática e os desejos de países como a Rússia ou mesmo Angola.
Moscovo, por exemplo, actualmente o 3º maior produtor mundial, tem estado a falar a duas vozes, com o ministro das Finanças, Anton Siluanov, a anunciar que o objectivo mais indicado para os interesses nacionais é o aumento da produção, o seu colega da Energia, Alexander Novak, tem sido mais contido e alinhado com os associados da OPEP+, especialmente os sauditas, defendendo por princípio os cortes como instrumento preferencial de defesa dos interesses nacionais da Rússia.
Na decisiva reunião de Viena, na sede mundial da OPEP, a Rússia deverá, agora provavelmente mais convencidos por causa da diminuição da procura gerada pelas guerras comerciais dos EUA, alinhar com os restantes membros, embora possa, segundo analistas, investir num ligeiro abrandamento dos cortes, em intensidade ou no calendário previsto.
Já Angola, aparentemente, aposta em duas frentes motivada pelas dificuldades económicas que o país enfrenta, porque, se por um lado, toda a sua estratégia interna passa pelo aumento da produção, indo, inclusive a ponta de criar legislação específica para que as companhias, através de menor carga fiscal, encarem a extracção nos denominados campos marginais - com menos de 300 mil barris confirmados -, seja pelo incentivo ao investimento em projectos de grande fôlego, como é disso exemplo o que a francesa Total, ou a italiana ENI, estão a fazer.
Até porque Angola tem como uma espécie de grilheta que trava e impele ao mesmo tempo, que é o prognóstico feito em Março de 2018 pela Agência Internacional de Energia (AIE), onde aponta, num relatório extenso, para uma queda até aos 1,29 mbpd até 2023 na produção interna, que estava, à época, nos 1,45 mbpd sensivelmente.
Isto, sustentado pela análise à situação gerada pela crise de 2014 que levou o barril, no início de 2016, abaixo dos 30 USD, lembrando a AIE que as multinacionais simplesmente abandonaram o offshore angolano, deixando sem manutenção uma boa parte das plataformas, e apontando os investimentos para regiões do globo com um breakeven mais simpático, visto a enorme escala da flutuação prevista nos mercados para os próximos anos, embora, como já se sabe, tanto a Total como a ENI estejam a contrariar este balanço.
E o Presidente da República deixou claro, na terça-feira, no arranque da conferência "Angola Oil & Gas 2019", em Luanda, que o objectivo é convencer os operadores petrolíferos mundiais a investir em Angola, sustentando esse convite com as reformas no sector que estão em curso.
Nesta conferência, que junta até quinta-feira a quase totalidade dos principais operadores petrolíferos mundiais em Luanda, João Lourenço recordou que "África detém um grande potencial de hidrocarbonetos inexplorados, tendo, por isso, uma palavra a dizer no que concerne à segurança energética do próprio continente e do mundo industrializado no geral. Nesse quadro, Angola ocupa uma das posições cimeiras no continente".
O Chefe de Estado garantiu que o país está empenhado em "atrair investimentos e em promover parcerias e negócios em todos os segmentos da cadeia de energia e da indústria petrolífera", enfatizando a aprovação de diplomas no domínio jurídico-legal, destacando a legislação que sustenta, por exemplo, os princípios e o regime fiscal para as actividades de prospecção, pesquisa, avaliação e produção.
No horizonte angolano está ainda a aposta em impulsionar e intensificar a substituição de reservas com vista a atenuar o declínio acentuado da produção, garantir a auto-suficiência de produtos refinados através da construção de novas refinarias e da ampliação da existente e melhorar a rede de distribuição de combustíveis e lubrificantes em todo o território nacional, através do aumento da capacidade de armazenagem.
10 blocos no Namibe e em Benguela
E a vontade angolana de combater o declínio da sua produção fica ainda em evidência no lançamento pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) de um concurso público para licitação de 10 blocos para exploração nas bacias do Namibe, com nove blocos, e Benguela, com um.
Os 10 blocos de exploração e produção de petróleo vão ser colocados a concurso a 02 de Outubro próximo, como confirmou o presidente do conselho de administração da ANPG, Paulino Jerónimo, na terça-feira, durante o arranque da conferência "Angola Oil & Gás 2019", em Luanda.
Este concurso insere-se na Estratégia Geral de Produção e Concessões 2019-2025, que deverá colocar no mercado 55 concessões.