Quando se esperava que as armas se calassem no leste congolês depois a Cimeira organizada por al-Thani com Felix Tshisekedi e Paul Kagame, de onde saiu um sonoro apelo para um cessar-fogo imediato, os rebeldes do M23 conquistaram mais duas áreas mineiras estratégicas no Kivu Norte com gigantescas reservas conhecidas de estanho e de ouro.

Não passaram 24 horas após as notícias que saíram de Doha caírem que nem uma bomba, especialmente em Luanda, para onde estava prevista uma ronda negocial entre o M23 e o Governo de Kinshasa, para esse mesmo dia, terça-feira, 18, que foi adiado sine die (ver links em baixo) porque a delegação rebelde não se deslocou à capital angolana, para que o M23 voltasse à acção.

O apelo de Doha, plasmado para a história num comunicado assinado pelos três, al-Thani, Tshisekedi e Kagame, foi totalmente ignorado pelos rebeldes contra todas as expectativas considerando que o Ruanda é o suporte logístico e armamentista do M23.

Anda assim, nesta quarta-feira, 19, os guerrilheiros "ruandeses" tomaram de assalto, com fortes combates contra as forças regulares congolesas (FARDC) e milícias pró-Kinshasa, a área de Walike, conhecida pelas suas gigantescas reservas de estanho e de ouro, ocupando ali duas localidades estratégicas.

Segundo os relatos das agências de notícias com repórteres na região, a cidade de Walike, que dá nome à circunscrição, foi tomada, assim como Nyabangi, após fortes combates, que obrigaram de novo milhares de pessoas a deixarem as suas casas.

Depois da comprometedora ausência do encontro de Luanda, para onde o Presidente angolano, e da União Africana em exercício, que o designou mediador para a crise no leste da RDC, vários analistas apontaram como quase certo que isso se deveu ao facto de Tshisekedi e Kagame terem organizado as coisas com o Emir do Catar para serem eles a lançar os alicerces definitivos da paz na região.

Isto teria natural lógica porquanto o Presidente congolês disponibilizou-se, aparentemente, a arriscar as boas relações com João Lourenço, com quem, curiosamente, esteve pelo menos três vezes nas últimas semanas, em Luanda, de forma a poder ir a Doha para o encontro com Kagame.

A somar estranheza a esta decisão de Tshisekedi, que poderá no futuro ser melhor percebido se se vier a saber que o fez com conhecimento de João Lourenço, está ainda a questão umbilical que liga Luanda a Kinshasa com o projecto revolucionário para esta parte do continente africano que pretende ser o Corredor do Lobito, financiado pelos norte-americanos.

O que tem como pano de fundo precisamente a relevância estratégica dos recursos naturais da RDC, desde logo o coltão, cobalto ou as famosas "terras raras", essenciais para as modernas indústrias das telecomunicações às energias de transição, passando pela aeronáutica e automóvel..., que é um dos pilares em que assenta a batalha planetária pela influência geoestratégica entre as grandes potências (EUA, China, Rússia, Europa Ocidental...).

No entanto, a evolução deste processo foi surpreendente para a generalidade dos observadores porque o Presidente ruandês defende há anos, tendo mesmo sido essa a razão para abandonar o Processo de Luanda - onde se tratava de resolver a crise do leste do Congo através do diálogo entre a RDC e Ruanda -, que o M23 é um problema interno e que Kinshasa deve negociar directamente com os seus líderes.

Ora, com esta ida ao Catar, Paul Kagame assume inequivocamente que o Ruanda tem uma palavra a dizer na condução das acções do M23, como, de resto, já era conhecido depois de as Nações Unidas o confirmarem em relatório de 2022, bem como os milhares de soldados das suas forças regulares enviados para o leste congolês em apoio aos rebeldes.

Essa ligação entre Kigali e o M23 é instrumental porque serve como cortina de fumo por detrás da qual o Ruanda explora há anos largos as riquezas do subsolo congolês, especialmente os minérios estratégicos para as indústrias tecnológicas 2.0 das potências ocidentais, como o coltão, o lítio ou, entre outros, o ouro e o cobalto...