Segundo os media congoleses, a Justiça deste gigante africano vizinho de Angola, virou-se para o ex-Presidente, que governou entre 2001 e 2019, numa altura em que, apesar de estar fora das disputas eleitorais, mantém uma robusta influência nos corredores políticos de Kinshasa.

Esta decisão emerge de um processo judicial oficialmente iniciado a 19 de Abril, que, além de Kabila, apontam ainda para os membros do seu partido, que são igualmente acusados de cumplicidade com os líderes dos rebeldes do M23, que são apoiados pelo Ruanda.

A propósito da situação no leste congolês, onde o M23 conquistou (ver links em baixo) a quase totalidade das áreas mineiras dos Kivu Norte e Sul e as suas capitais provinciais, Goma e Bukavu, Joseph Kabila veio em Fevereiro acusar o actual Presidente Felix Tshisekedi de ser o "grande responsável" pela perda dos territórios para os rebeldes.

Como o Novo Jornal noticiava na altura, o antigo Presidente recorreu a um jornal sul-africano para atacar o seu sucessor, Félix Tshisekedi, acusando-o de ser o "responsável pela crise no leste do país".

Joseph Kabila (na foto com o Presidente ruandês, Paul Kagame), que viveu igualmente um período intenso de avanços do M23 no leste congolês durante a sua governação, bem como a exploração ilegal de minérios pelo Ruanda, vem agora dizer que foi "a má governação" do actual Presidente que permitiu a crise vigente.

Na entrevista ao sul-africano Sunday Times, Kabila retoca a história do seu país, defendendo que a actual crise começou em 2021, o que coincide com os mais recentes avanços do M23 mas não encaixa na história, que remete para 2012 a criação deste grupo rebelde.

"A nível nacional, a principal causa desta crise é a vontade manifestada pela actual liderança de matar o pacto Republicano estabelecido no diálogo inter-congolês de Sun City (África do Sul) que levou à Constituição de 2006", aponta Joseph Kabila.

Com isto, o antigo Presidente da RDC vem dizer que Tshisekedi provocou a crise ao ignorar o pacto com "violações recorrentes e deliberadas" das disposições constitucionais, fazendo do Chefe de Estado "o detentor do poder absoluto", desafiando as partes que viram na Constituição de 2006 uma ferramenta de partilha do poder.

Além destas acusações, segundo Kabila, nessa mesma entrevista, a RDC nunca viveu um período tão negativo como o actual no que toca à perseguição política pelo aparelho de segurança do Estado.

Agora, num comunicado, o ministro da Justiça congolês, Constant Mutamba, vem anunciar que à justiça militar e civil foram dadas indicações para a abertura de processos contra Kabila e o seu partido aludindo a uma "participação directa na agressão do Ruanda, através do M23, contra a RDC".

E numa outra nota pública, o ministro Mutamba anuncia que todos os bens do antigo Presidente na RDC foram apreendidos ou congelados, incluindo os mobiliários ou imobiliários, embora seja sabido, porque foi já noticiado no país, que Kabila exportou" a sua fortuna para o exterior do país, embora mantenha extensas propriedades no Congo, incluindo uma de luxo com aeroporto privado.

E aos membros da direcção do seu partido foram dadas ordens para não deixarem o país e de limitação de movimentos mesmo dentro da RDC enquanto se mantiver a acusação de alta traição ao país.

Uma das ligações apontadas nos media da RDC entre Kabila e o M23 é o nome de Corneille Nangaa, o líder da Aliança dos Povos do Rio (APF), que integra o M23, e que foi o presidente da Comissão Eleitoral Independente da RDC, durante os anos em que presidiu ao país, de 2001 a 2019.

Na sua última aparição pública, na entrevista ao jornal sul-africano, Kabila disse que teme que o envio de forças militares e armamento para a RDC para fazer frente ao M23 por parte das organizações e países da região, não vai resolver nada de concreto no leste congolês mas vai permitir ao poder actual reforçar a sua posição em defesa de "uma ditadura".

Ao invés, Kabila defende que a crise no leste só poderá ser resolvida com uma negociação interna entre os grupos rebeldes nacionais e estrangeiros presentes no país, que é precisamente a posição que tem vindo a ser defendida pelo Presidente do Ruanda, Paul Kagame.

Neste alinhamento com Kagame, que, recorde-se, é acusado por Tshisekedi de ter enviado milhares de soldados do seu Exército regular para apoiar o M23, Joseph Kabila vem contribuir claramente para fragilizar a posição oficial de Kinshasa, que passa por pedir às organizações regionais e internacionais, como a ONU, para sancionar o Ruanda e os seus dirigentes.

O que já começou a ser feito, tendo os EUA aplicado sanções a dirigentes ruandeses na semana passada, criando, ao que tudo indica, preocupações em Kigali que, agora, Kabila vem reforçar, procurando afastar responsabilidades do país vizinho e dos seus governantes na crise congolesa.

Kabila entende que "o problema da RDC não é apenas o M23 ou os desentendimentos com o Ruanda", mas sim ao agravamento da situação interna no que diz respeito às garantias constitucionais que estão a ser desmanteladas pelo Governo de Felix Tshisekedi.

"Contrariamente ao que dizem as autoridades de Kinshasa, a crise não se limita às acções desnorteadas do M23, nem aos descordos entre a RDC e o Ruanda", assevera o antigo Chefe de Estado congolês, que há muito estava arredado da vida política activa, pelo menos a pública.

Recorde-se que já depois dessa entrevista de Kabila, em finais de Fevereiro, os Presidente do Ruanda, Paul Kagame, e da RDC, Felix Tshisekedi, estiveram reunidos no Catar, endo (ver links em baixo) definido um novo calendário para negociações entre o Governo de Kinshasa e os rebeldes do M23 (APF), em detrimento de Luanda, levando mesmo o Presidente João Lourenço a abandonar a sua condição de mediador indicado pela União Africana, organização que lidera em exercício.