João Lourenço fez emitir um comunicado no Sábado, 15, onde pede aos rebeldes do M23, que a ONU aponta como sendo um braço armado do Ruanda no leste congolês, e às forças leais a Kinshasa, que aceitem parar todas as acções violentas, incluindo a tomada de novas posições e acções contra a população civil.
O objectivo do Chefe de Estado angolano era que "estas e outras iniciativas levem à criação de um clima de distensão que favoreça o início de conversações de paz a decorrer proximamente em Luanda, entre a República Democrática do Congo e o M23".
Se João Lourenço tivesse conseguido que o M23 e as FARDC travassem as hostilidades naquele "timing", esse seria um sinal auspicioso para as negociações de paz que deverão ter lugar já esta terça-feira, 18, em Luanda, entre delegações do Governo de Kinshasa e dos guerrilheiros.
Tal seria expectável porque, entretanto, as FARDC deixaram de contar com o apoio do contingente militar da missão SADC (SAMIRDC), criada para vigiar e impor o cessar-fogo anterior, depois da organização regional austral ter decidido recentemente pela sua extinção em Cimeira de Chefes de Estado e de Governo.
E o Ruanda também tinha, e tem, um incentivo suplementar para mandar os homens do M23 travar o passo depois de a União Europeia e os EUA terem dado início a processos de aplicação de sanções a alguns dos seus dirigentes políticos e militares...
Na realidade o que se está a verificar no leste congolês é que, segundo a Radio Okapi, emissora criada pela ONU no Congo, as organizações de defesa dos Direitos Humanos que ainda têm presença em Bukavu, a capital do Kivu Sul, tomada o mês passado pelos rebeldes, estão a denunciar repetidas acções violentas do M23 contra civis, nalguns casos porque as pessoas recusam pegar em armas ao lado deles.
E do lado do M23, o seu porta-voz, Lawrence Kanyuka, na rede social X, veio acusar o Governo de Kinshasa de estar a usar aviões de guerra e drones para atacar zonas densamente povoadas nas áreas que a guerrilha apoiada pelo Ruanda controla, acrescentando que o Presidente Felix Tshisekedi quer "torpedear as conversações" previstas para Luanda.
Embora este seja um sinal pouco promissor para o encontro de Luanda, este para já, mantém-se no calendário previsto, com as delegações do M23, liderado por Corneille Nangaa, antigo líder da Comissão Eleitioral da RDC (CENI), e do Governo do Presidente Tshisekedi a serem esperadas na capital angolana para, sob mediação de João Lourenço, tentarem, acabar com o conflito no leste congolês.
O mediador designado pela União Africana tenta agora uma terceira via para contornar os obstáculos que impediram o sucesso dos Processos de Paz de Luanda, que visava negociações directas entre a RDC e o Ruanda, ao mais alto nível, e de Nairobi (Quénia), que tinha como objectivo o diálogo interno, envolvendo os vários grupos rebeldes e de guerrilha a actuar no Congo e as autoridades de Kinshasa.
Agora, com esta nova empreitada, o Presidente angolano procura "queimar" etapas sentando à mesa o M23, e a liderança da Aliança do Rio Congo, a que pertence, e os enviados do Governo de Kinshasa, de forma a dar novo vigor a essa frente que combate pela paz no leste congolês, que vive uma especial violência nestes primeiros meses de 2025 (ver links em baixo).
Recorde-se que o Presidente João Lourenço, na qualidade de Presidente em exercício da União Africana, defendeu em Adis Abeba, na quinta-feira, 13, que a organização pan-africana deve criar mecanismos de aplicação de sanções severas aos promotores de crises nacionais e instabilidade regional.
O discurso de Adis Abeba
Uma das propostas de João Lourenço passa por realizar uma "ampla conferência reservada apenas à análise dos conflitos em África" de forma a espalhar a ideia concreta de que a paz é um bem essencial para sustentar o desenvolvimento.
Neste capítulo, no discurso proferido perante a Assembleia, o Chefe de Estado angolano deixou mesmo uma primeira proposta: aplicar "sanções pesadas" pela União Africana de forma a "desencorajar e responsabilizar" os promotores de crises nacionais e de instabilidade regional.
"Os promotores de tensões e conflitos no nosso continente devem ser desencorajados, responsabilizados e penalizados com sanções pesadas da organização, que venham a ter sérias consequências sobre os mesmos, pessoas e países", disse.
Questões como o terrorismo e o extremismo violento, as mudanças inconstitucionais de Governos democraticamente eleitos e os conflitos que ainda prevalecem no continente, devem, segundo Lourenço, merecer uma abordagem coordenada "para se pôr um fim definitivo" a estes entraves ao desenvolvimento.
Como seria de esperar, até pela sua condição de mediador designada pela UA, João Lourenço dedicou parte desta sua intervenção à situação escaldante do leste congolês, resumindo que existem ali sinais de "evolução negativa", apesar de ter conseguido recuperar a centralidade de Luanda enquanto capital e palco de negociações de paz entre os rebeldes do M23 e Kinshasa.
"Relativamente a este dossier, decidimos não cruzar os braços e insistir na busca de soluções pacíficas, não permitindo que se concretize o plano de balcanização em curso, com a criação de um Estado pária no Leste da RDC, ou mesmo a tentativa de reversão pela via militar do poder instituído em Kinshassa", avisou, naquilo que parece um recado para o Ruanda.
E é no contexto da procura de soluções africanas para os problemas africanos que Lourenço foi dizer a Adis Abeba que é sua convicção que "no plano da paz e segurança em África" se deve "agir no sentido de (...) conseguir o silenciar das armas, para que este tema não continue a dominar as nossas agendas e o nosso debate de uma forma quase eterna".
"Neste capítulo, considero que seria útil realizar-se uma ampla conferência reservada apenas à análise dos conflitos em África, cujo foco principal deverá centrar-se na questão da paz como um bem obrigatório e indeclinável para todos os povos do nosso continente", avançou.
"Os promotores de tensões e conflitos no nosso continente devem ser desencorajados, responsabilizados e penalizados com sanções pesadas da organização, que venham a ter sérias consequências sobre os mesmos, pessoas e países", sublinhou.