A União para a Democracia e Progresso (UDPS), que é Governo em Kinshasa, não quer sequer ouvir falar da proposta da poderosa Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO), dos bispos católicos, e da ECC, protestante, porque isso seria dar poder aos guerrilheiros do M23.

Para a UDPS, claramente alinhada com a declaração ao país do Presidente Tshisekedi, há semana e meia, a RDC não pode nem deve dialogar com o M23 mas sim com o Ruanda, que é quem apoia e comanda este grupo rebelde, e no palco do Processo de Luanda.

Numa nota citada pela Radio Okapi, de Kinshasa, este partido insiste que o diálogo com o M23, liderado localmente por Corneille Nangaa, a partir de Goma, no Kivu Norte, deve ser realizado no Processo de Nairobi, em conjunto com as dezenas de guerrilhas e milícias presentes no país.

Esse diálogo visa a reconciliação interna e deve ser limitado ao Processo de Nairobi, iniciado pelo ex-Presidente queniano Uhuru Keniatta, enquanto as negociações entre a RDC e o Ruanda, com palco na capital angolana, no denominado Processo de Luanda, deve seguir os procedimentos normais de Estado a Estado.

Esta posição da UDPS não altera muito as circunstâncias da violência no leste congolês, onde o M23, fortemente armado e financiado pelo Ruanda, com apoio de pelo menos, segundo a ONU, quatro mil militares do Exército regular do Ruanda, não mostra sinais de abrandamento.

Depois de terem tomado Goma, cidade com 2 milhões de habitantes, e as principais minas do Kivu Norte, especialmente as de coltão, lítio e ouro, o M23 avança agora na direcção do Kivu Sul, com Bukavu, a capital, e as suas riquezas naturais no binóculo de Corneille Nangaa.

Esta avanço aparentemente fácil do M23 deve-se às fragilidades das Forças Armadas da RDC (FARDC), minadas por décadas de corrupção e nepotismo, e infiltradas até ao tutano pelos agentes avançados do Ruanda e do Uganda.

Isso faz com que a estrutura de defesa "leal" a Kinshasa seja demasiado porosa, sendo as unidades de combate da MONUSCO, a missão musculada da ONU para o Congo, e as forças militares da SADC, que incluem militares sul-africanos, angolanos, entre outros, claramente insuficientes para travar Cornelille Nangaa e as suas hordas de rebeldes (ver links em baixo).

Analisando as imagens que a crise no leste congolês está a gerar, colhidas pelos grandes canais de TV internacionais e agências de notícias, claramente se nota que o M23 parece um Exército organizado, bem fardado e armado, com disciplina e rigor, enquanto as FARDC é que parecem guerrilheiros, mal fardados, pobremente armados e sem capacidade logística para lidar com a pressão.

Para que o Kivu Sul não tombe nas mãos do M23 e do Ruanda, cujo Presidente, Paul Kagame, já não nega a presença e o apoio das suas tropas aos guerrilheiros de origem Tutsi congo/ruandesa, a Kinshasa não resta mais que a intervenção do Burundi.

Com o envio de vários batalhões para a frente de combate, o Burundi, do Presidente Évariste Ndayishimiye, um aliado de Félix Tshisekedi, procura evitar ter as forças ruandesas à sua porta, visto que Bukavu está situada a escassos quilómetros da fronteira congo-burundesa e as relações entre Bujumbura e Kigali são actualmente de grande tensão.

Entretanto, para reduzir a ideia generalizada, e factual, de que as FARDC estão à beira do colapso organizativo e logístico, sendo essa razão pela qual a RDC, apesar das muitas ameaças, se limita a pedir à ONU e à União Africana que intervenham sancionado o Ruanda, o ministro da Defesa congolês está por estes dias no leste do país.

Mudar a imagem não muda as capacidades operacionais

Guy Kabombo Mwadiamvita (na foto) chegou a Beni, cidade do Kivu Norte, a norte de Goma, e ainda sob controlo de Kinshasa, onde se fez fotografar e filmar a passar revista a tropas em parada, com fardas e armas ligeiras novas, um contraste evidente com a realidade no terreno, com o intuito óbvio de mudar a imagem do seu Exército.

O ministro da Defesa não falou com os jornalistas à chegada a Beni, mas, segundo a Radio Okapi, que cita fontes próximas do Executivo, está na região para "elevar a moral das tropas" que combatem o M23 e ainda as ADF (Aliança das Forças Democráticas), com origem no Uganda e agora alinhadas com o `estado islâmico'

Ainda segundo o relato da Okapi, com esta visita à região do Kivu Norte, Guy Kabombo Mwadiamvita está a gerar entre a população a ideia de que o Governo de Kinshasa vai, finalmente, empenhar-se seriamente no combate aos invasores.

Um dos deputados eleitos pelo Kivu Norte, Élie Vahumawa, disse aos jornalistas no local que "era um desejo ardente ver o ministro da Defesa na região e na linha da frente com o M23 e com as ADF", sublinhando assim a vontade de ver Kinshasa assumir as suas responsabilidades.

No entanto, apesar dos vigorosos discursos de Tshusekedi e de ouros membros do seu Governo em Kinshasa, alguns analistas notam que é cada vez mais evidente que as FARDC estão de mãos atadas porque os "infiltrados do Ruanda e do Uganda" não apenas boicotam o trabalho como servem de espiões para essas mesmas forças.

No entanto, sabendo destas fragilidades, Guy Kabombo Mwadiamvita procura, como se percee dos relatos da imprensa congolesa, apelar aos povos da região leais a Kinshasa, especialmente os Wazalendo, antigos milicianos locais de várias etnias e grupos, que partilham uma antiga inimizade com o Ruanda e os "seus" rebeldes do M23, de origem Tutsi, por questões étnico-culturais.

Este é claramente mais um fósforo no capim seco que é esta parte da Região dos Grandes Lagos, onde crescem os alicerces para um potencial conflito regionalizado opondo a RDC e o Burundi, com as várias organizações locais, como, por exemplo, os Wazalendo, e o Ruanda e o Uganda, com várias milícias e gerrilhas, como o M23, como pontas de lança.

Como vai a União Africana, que tem Angola como Presidente a partir deste mês, e as organizações sub-regionais, como a SADC (África Austral), EAC (África Oriental) e CEEAC (África Central), lidar com esta situação, é a grande incógnita.

Depois de os Processo de Luanda e de Nairobi estarem muito fragilizados com as posições assumidas recentemente Por Kagame e Tshisekedi, a União Africana deve assumir um papel mais sólido na condução de eventuais negociações, porque uma guerra aberta não vai incendiar apenas os Grandes Lagos, pode arrastar consigo uma região bastante mais vasta, e Angola é um dos mais relevantes vizinhos da RDC.