A situação no leste da República Democrática do Congo (RDC), onde os rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, já conquistaram largas áreas do Kivu Norte e do Kivu Sul, está a levar a região dos Grandes Lagos para um patamar de instabilidade que não se via há décadas.

Perante a iminência de uma guerra aberta entre o Congo e o Ruanda, como ficou claro que dificilmente será evitada se Kigali não retirar, depois da declaração ao país do Presidente Félix Tshisekedi, em Kinshasa, o mundo olha agora para Dar-Es-Salam como a última oportunidade para a paz.

E a junção de esforços pela SADC e a EAC, os dois blocos regionais que perseguem a paz nos Grandes Lagos, resulta da criação dos dois palcos onde esse esforço conjunto decorre, o Processo de Luanda, liderado pelo Presidente João Lourenço, e o Processo de Nairobi, que foi iniciado, igualmente em 2021, pelo então Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta.

Em Nairobi procura-se levar as partes em conflito directo, a RDC e o M23, à mesa das negociações, num longo e penoso processo de reconciliação interna, com poucos resultados e com o Governo do Presidente Tshisekedi cada vez menos receptivo para esse esforço com o M23.

Félix Tshisekedi já veio mesmo dizer que já não está ligado a esse Processo de Nairobi, por não ver que ali se possa encontrar uma solução, preferindo apostar as fichas todas no esforço que tem como palco a capital angolana.

É no Processo de Luanda que a RDC tem esperança de que seja encontrada uma solução, porque para Kinshasa a raiz do problema está no Ruanda e no apoio inequívoco, como a ONU confirmou em relatório de 2022, que presta aos "terroristas" do M23, que usa, segundo Tshisekedi, para explorar de forma criminosa os recursos naturais do leste congolês.

Enquanto isso, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, já deu provas de que não se sente bem a participar no Processo de Luanda, tendo mesmo faltado à chamada nas últimas Cimeiras convocadas pelo Presidente João Lourenço.

Na mais recente declaração pública, Kagame explicou porquê, dizendo que a questão do leste congolês é um problema interno da RDC e deve ser resolvido no contexto da reconciliação nacional, com discussões entre o Governo de Kinshasa e os movimentos rebeldes, incluindo o M23, liderado pelo "congolês" Corneille Nangaa.

Ora, com Félix Tshisekedi fora do Processo de Nairobi, e Paul Kagame afastado do Processo de Luanda, ambos os "processos" de busca da paz no leste congolês estavam tecnicamente mortos, o que levou as duas organizações regionais que os emolduravam a criar um terceiro "Processo", desta feita juntando todos os Estados-membros dos dois blocos.

É por isso que Dar-Es-Salam emerge assim como uma muito provável derradeira oportunidade para a paz, sendo que já não é segredo para ninguém que a questão só pode ser resolvida se o M23 deixar de contar com o apoio de largo espectro que recebe do Ruanda, estando já confirmada a presença de Tshisekedi e Kagame nesta Cimeira.

Apoio esse que vai, como a MONUSCO, a missão da ONU para a RDC, aponta, da logística profissional do seu Exército, às armas que lhe chegam do ocidente, nomeadamente israelitas e norte-americanas, e cerca de 5 mil soldados profissionais que lutam ao lado dos guerrilheiros.

E se não correr bem?

Se este esforço falhar, é provável que todos os media que cobrem esta crise RDC/Ruanda vão revisitar os recentes discursos dos Presidentes Tshisekedi e Kagame, onde ambos, como pode ser revisto aqui e aqui, não escondem que, mesmo preferindo uma solução pacífica, estão disponíveis para partir para a via militar como solução.

Sabendo que este risco é grande (o registo histórico que trouxe a situação até onde esta agora pode ser encontrado nos links em baixo, nesta página), o Secretário-Geral da ONU lançou, nas horas que antecedem o encontro, um veemente apelo ao entendimento entre as partes.

António Guterres lembrou, em Nova Iorque, que a situação humanitária no leste congolês está a deteriorar-se de tal modo que aquilo que já é uma tragédia, pode ainda atingir proporções maiores e nunca vistas.

Para evitar esse caminho infernal, o chefe das Nações Unidas pede que as partes cessem de imediato as hostilidades porque o histórico já mostrou que "não existe uma solução militar para este conflito" que, nas suas múltiplas ramificações, já tem mais de três décadas, sendo resultado longínquo do genocídio dos Tutsi no Ruanda, em 1994.

O cenário desta disputa tem como pano de fundo os Kivu Norte e Sul, as regiões mais cobiçadas pelo mundo industrializado devido às suas reservas estratégicas de minerais como o coltão, o cobalto ou o lítio, fundamentais e insubstituíveis nas indústrias 2.0 da aeronáutica, espacial, energias alternativas, veículos eléctricos...

E depois de Goma, a capital do Norte, ter sido conquistada pelo M23, há menos de duas semanas, estes rebeldes, com apoio do Ruanda, avançam já para o Sul, em direcção à sua capital, Bukavu.

Estando mesmo, para abrir brechas nas defesas inimigas, a usar tácticas polémicas, como, por exemplo, terem declarado, já esta semana, um cessar-fogo unilateral precisamente no momento em que davam o mais veemente impulso ao seu avanço para sul.

O Secretário-Geral da ONU, esperado que de Dar-Es-Salam possa sair alguma decisão benigna, tem na agenda uma deslocação para Adis Abeba, a capital da Etiópia, onde terá lugar uma reunião especial do Conselho de Segurança da União Africa, que tem sede nesta cidade.

Essa reunião terá como agenda única o processo de estabilização da Região dos Grandes Lagos.