Numa nota da Presidência angolana é dito que João Lourenço, que é o mediador designado pela União Africano para esta crise regional, procura encontrar caminhos para desanuviar as tensões e esteve hoje numa conversa telefónica com Paul Kagame, tendo ainda falado com o Presidente francês, Emmanuel Macron.
"Tanto ontem com o líder congolês como hoje com os Presidente Paul Kagame e Emmanuel Macron, o foco do medianeiro consistiu no apelo veemente a que se preservem os ganhos já alcançados no quadro do Processo de Luanda".
Numa altura em que a parte ruandesa tem insistido na colocação da presença das Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR) como elemento de desestabilização no Ruanda (ver links em baixo nesta página), a partir da RDC, o Presidente angolano vem sublinhar que essa questão é parte integral do Processo de Luanda.
Nos acordos assinados na capital angolana, recorda a Presidência nesta nota, está a questão da "neutralização da FDLR" e o "desengajamento de forças/levantamento das medidas de segurança adoptadas pelo Ruanda, isto é, a retirada das Forças de Defesa do Ruanda do território da RDC".
Na conversa com estes dois interlocutores, João Lourenço enfatizou que "não obstante os esforços da mediação, só a boa vontade e o comprometimento das partes - a República Democrática do Congo e a República do Ruanda - permitirão o avanço do processo de pacificação no Leste da RDC, o que não tem sido observado".
Mas o Chefe de Estado angokano garante que não vai desistir e sublinha nesta nota que continuará a trabalhar no sentido de "reaproximar as partes, desanuviar as tensões e restabelecer a paz, para que as sofridas populações do Leste da República Democrática do Congo possam desenvolver, em ambiente de normalidade, as suas vidas".
A visão de Kagame
Entretanto, também hoje, e depois da declaração flamejante ao país do Presidente congolês, Félix Tshisekedi, o Presidente do Ruanda, numa intervenção televisionada, veio tecer graves acusações aos países vizinhos e às organizações presentes no leste da RDC, como a MONUSCO, a missão da ONU, a SAMIRDC, a missão da SADC, os contingentes do Burundi... de estarem a ignorar a realidade.
Isto é, que a FDLR, que é uma organização guerrilheira de origem ruandesa e de maioria Hutu, criada na longínqua década de 1990, no refluxo do genocídio dos Tutsi, no Ruanda, em 1994, tem uma actividade permanente de desestabilização no Ruanda e que a RDC tem centenas de mercenários contratados para gerar violência contra o seu próprio povo, como, de resto, se afirmam os rebeldes do M23, que dizem ser parte do povo congolês.
Nesse discurso, Paul Kagame, que tem o cuidado de manter Angola e João Lourenço à parte das críticas, diz estar pronto para qualquer confronto se for provocado a isso e rejeita de forma veemente quaisquer críticas ao seu apoio ao M23.
Numa altura em que as forças do M23 se encaminham já também para a conquista do Kivu Sul e da sua capital, Bukavu, Kagame ataca com ferocidade redobrada a África do Sul, devido à sua intervenção regional ao lado da RDC e, acusa o Presidente ruandês, da FDLR.
"Se a África do Sul quiser contribuir para uma solução pacífica, isso será muito bom - precisamente o que o Presidente sul-africano, Cyril Ramaposa, já veio garantir que é o seu objectivo -, mas Pretória não está em condições de assumir qualquer papel de mediador ou peacemaker".
Mas, ainda numa entrada na rede social X, Kagame avisou que se a África do Sul preferir a confrontação, "o Ruanda lidará com o assunto no seu devido contexto e em qualquer altura".
Entretanto, numa reunião da EAC, em Nairobi, Quénia, onde Félix Tshisekedi fez questão de não estar, Paul Kagame disse igualmente que alguns intervenientes regionais "não hesitaram em apoiar a RDC e a FDLR, assassinos do povo ruandês, e ainda os mercenários ao serviço de Kinshasa, sem pensarem no que é a raiz do problema".
Recusou aceitar que o Ruanda apoia o M23, garantiu que estes rebeldes não são ruandeses mas sim congoleses, apontou como pecado grave que se ignore o que se passa há muitos anos e depois parecem surpreendidos por verem a evolução da situação da última semana, referindo-se à conquista de Goma pelos rebeldes que Kinshasa acusa Kigali de apoiar.
Sugeriu convictamente que a comunidade internacional está baralhada com o que se passa na região porque as organizações globais e regionais são "manipuladas por Tsishekedi e por quem o apoia", numa alusão directa à África do Sul e ao Burundi, o outro pais claramente na mira do líder ruandês.
Paul Kagame, dirigindo-se aos líderes da África do Leste (EAC), disse que a realidade não é a que parece estar a ganhar mais tracção entre a comunidade internacional e que os diversos processos de estabilização em curso, como o de Nairobi e de Luanda apenas estão a levar a que as pessoas que os lideram se estão a tornar "mais importantes que o problema que procuram resolver", na única referência negativa a João Lourenço.
E concluiu esta fase da declaração contundente que esta forma de actuar "não ajuda a resolver problemas".