Para lidar com os falhados processos de Luanda, que tratava das relações entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda, e de Nairobi, com foco nos conflitos interétnicos congoleses, a SADC e a EAC chamaram três velhos e bem conhecidos lideres africanos.

O antigo Presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, do Quénia, Uhuru Kenyatta, e Hailemariam Boshe, que foi primeiro-ministro da Etiópia, são os "trunfos" das organizações regionais Austral (SADC) e Oriental (EAC) para desatar o nó que João Lourenço e William Rutto, não conseguiram por clara falta de vontade do ruandês Paul Kagame e do congolês Felix Tshisekedi.

De acordo com um comunicado conjunto da EAC e da SADC, as escolhas de Obasanjo, que nas últimas duas décadas esteve na linha da frente de mediações de conflitos em todo o continente mas especialmente na "sua "África Ocidental, de Kennyata, e de Boshe, são o resultado das auscultações feitas aos lideres dos Estados-membros destas organizações regionais.

Por detrás das indicações estão as vastas experiências que carregam e as capacidades políticas e diplomáticas que têm, sendo figuras respeitadas e que podem desempenhar, por isso, a missão de facilitadores do diálogo entre as partes em conflito e exercer o papel de garante do almejado cessar-fogo, além de proporcionarem o ambiente propício às negociações vindouras.

Outra missão que aguarda os três anciãos é supervisionar e coordenar os esforços de ajuda humanitária às populações apanhadas entre fogos, que todas as organizações internacionais, como a ONU, antecipam que possa ser cada vez mais urgente numa cenário de claro agravamento da situação e de uma possível escalada regional do conflito RDC/Ruanda.

TPI investiga acção dos lideres ruandeses e UE admite sanções

Estando já dado como confirmada a presença do Ruanda por detrás das operações bem-sucedidas dos guerrilheiros do M23 no leste do Congo, e a vasta e registada lista de crimes graves, como as execuções sumárias de civis confirmadas pelas Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional (TPI) veio já informar que está a investigar a situação nesta geografia.

Com as conquistas de vastos territórios das províncias dos Kivu Norte e Sul, incluindo as suas capitais, Goma e Bukavu, além das mais ricas áreas mineiras, onde o Ruanda tem extraído ilegalmente, a coberto da violência regional, gigantescas quantidades de minérios estratégicos, como o coltão ou o cobalto, sucedem-se as provas das arbitrariedades do M23/Ruanda.

Face a essas evidências, o procurador internacional do TPI, Karim Khan, chegou esta segunda-feira, 24, a Kinshasa, para iniciar os procedimentos investigatórios para fazer avançar uma eventual acusações contra os dirigentes rebeldes e, provavelmente, ruandeses que servem de ligação e coordenação com o M23.

"Estamos muito preocupados com o que se passa na RDC (ver links em baixo), onde milhares de pessoas são mortas, feridas ou deslocadas das suas casas... e a mensagem é claramente a que todos os grupos armados, todas as Forças Armadas, todos os seus aliados, não têm um cheque em branco para agir, têm que se conformar à Lei Internacional e esta deve ser efectiva", avisou Karim Khan já na RDC, citado pela Radio OKapi, a antena da ONU no país.

Nesta sua passagem pela RDC, Khan vai desdobra-se em contactos com as autoridades congolesas, com a MONUSCO, a missão da ONU na RDC, com as organizações da sociedade civil, das vítimas do conflito e com os elementos da linha da frente que for possível.

Também a União Europeia está atenta ao que se passa noleste da RDC e ao envolvimento di Ruanda no suporte ao M23, incluindo o envio de armas, de militares e de logística, o que permitiu avanços extraordinários do M23 na região, face à frágil oposição das forças leais a Kinshasa.

A alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Segurança, Kaja Kallas, anunciou já esta semana a suspensão das consultas em matéria de segurança entre Bruxelas e Kigali devido ao envolvimento ruandês na violência regional em apoio aos rebeldes-

Embora se trate de uma medida escassa e ligeira face à gravidade da situação, considerando que Kallas dá como certa a envolvência do Ruanda no apoio ao M23, este pode ser um primeiro passo dos europeus para pressionar o Presidente Paul Kagame a recuar.

Além das consultas sobre segurança com o Ruanda, a União Europeia, afirmou Kallas, tem ainda em cima da mesa uma abordagem à aplicação de sanções aos dirigentes ruandeses face à evolução da situação, que, aparentemente, ainda não é grave suficientemente para o efeito.

A UE pediu ao Ruanda para retirar as suas tropas do território congolês, tendo ainda referido ligeiramente que o bloco comunitário europeu pode vir a analisar os acordos com o Ruanda sobre as importações de recursos naturais.

Ora, esta é a questão essencial, que expõe a hipocrisia europeia, visto que, como a ONU já demonstrou, em relatórios ao longo dos últimos anos, acompanhados por documentos de outras organizações internacionais, o Ruanda usa o M23 para "limpar" áreas e proteger a exploração ilegal de minerais estratégicos essenciais que depois exporta para o ocidente, incluindo as potências industriais europeias.

Bruxelas e Kigali têm há anos um acordo sobre a questão da importação/exportação de minérios preciosos para as indústrias 2.0, incluindo coltão e as famosas `terras raras', essencial para as novas tecnologias, aeronáutica e armamento sofisticado, que tem como base a demonstrada extracção ilegal de recursos congoleses.

Uma das questões mais flamejantes na crise RDC/Ruanda é que está provado em diversos relatórios que o Ruanda não tem reservas de coltão no seu território mas é um relevante exportador deste minério estratégico, estando no ocidente os seus maiores clientes.

Como pode ser revisitado nos links em baixo nesta página, desde 2021 que o M23 tem em curso uma poderosa ofensiva sobre o leste congolês que visa estrategicamente tomar as áreas de maior densidade mineira, com controlo colateral das capitais das províncias do Kivu Norte e Kivu Sul.

Mas foi especialmente nos últimos dois meses que os rebeldes do M23, liderados por Corneille Nangaa, que é o homem do Ruanda na região, apesar de ser natural da RDC, e um antigo conhecido político em Kinshasa, aproveitando as fragilidades das Forças Armadas da RDC, corroídas por décadas de desorganização, corrupção, peculato e infiltração de agentes do Ruanda e do Uganda, avançaram mais e de forma mais séria no leste congolês.

E agora começa a surgir outro fenómeno que atesta ainda mais a fragilidade das FARDC, que são as deserções de militares e polícias para o lado dos rebeldes, tendo mesmo estes organizado recentemente uma cerimónia pública com centenas de agentes da Polícia Nacional e militares das FARDC a mudarem de lado, em frente ao Palácio do Governo em Bukavu, a capital do Kivu Sul que os rebeldes tomaram há duas semanas.

Os relatos dos media aludem à fome e à falta de meios como razões para a mudança de lado destes polícias e militares congoleses.