Joseph Kabila, que viveu igualmente um período intenso de avanços do M23 no leste congolês durante a sua governação, bem como a exploração ilegal de minérios pelo Ruanda, vem agora dizer que foi "a má governação" do actual Presidente que permitiu a actual crise.
Na entrevista ao sul-africano Sunday Times, Kabila retoca a história do seu país, defendendo que a actual crise começou em 2021, o que coincide com os mais recentes avanços do M23 mas não encaixa na história, que remete para 2012 a criação deste grupo rebelde.
"A nível nacional, a principal causa desta crise é a vontade manifestada pela actual liderança de matar o pacto Republicano estabelecido no diálogo inter-congolês de Sun City (África do Sul) que levou à Constituição de 2006", aponta Joseph Kabila.
Com isto, o antigo Presidente da RDC vem dizer que Tshisekedi provocou a crise ao ignorar o pacto com "violações recorrentes e deliberadas" das disposições constitucionais, fazendo do Chefe de Estado "o detentor do poder absoluto", desafiando as partes que viram na Constituição de 2006 uma ferramenta de partilha do poder.
A "perseguição da oposição" é outra das acusações que Kabila faz a Tshisekedi, com "intimidação, detenções, execuções sumárias..." de políticos da oposição, jornalistas e responsáveis religiosos, como o fermento que levou a explosão de violência no leste.
Kabila teme que o envio de forças militares e armamento para a RDC para fazer frente ao M23 por parte das organizações e países da região, não vai resolver nada de concreto no leste congolês mas vai permitir ao poder actual reforçar a sua posição em defesa de "uma ditadura".
Ao invés, Kabila defende que a crise no leste (ver links em baixo) só poderá ser resolvida com uma negociação interna entre os grupos rebeldes nacionais e estrangeiros presentes no país, que é precisamente a posição que tem vindo a ser defendida pelo Presidente do Ruanda, Paul Kagame.
Neste alinhamento com Kagame, que, recorde-se, é acusado por Tshisekedi de ter enviado milhares de soldados do seu Exército regular para apoiar o M23, Joseph Kabila vem contribuir claramente para fragilizar a posição oficial de Kinshasa, que passa por pedir às organizações regionais e internacionais, como a ONU, para sancionar o Ruanda e os seus dirigentes.
O que já começou a ser feito, tendo os EUA aplicado sanções a dirigentes ruandeses na semana passada, criando, ao que tudo indica, preocupações em Kigali que, agora, Kabila vem reforçar, procurando afastar responsabilidades do país vizinho e dos seus governantes na crise congolesa.
Kabila entende que "o problema da RDC não é apenas o M23 ou os desentendimentos com o Ruanda", mas sim ao agravamento da situação interna no que diz respeito às garantias constitucionais que estão a ser desmanteladas pelo Governo de Felix Tshisekedi.
"Contrariamente ao que dizem as autoridades de Kinshasa, a crise não se limita às acções desnorteadas do M23, nem aos descordos entre a RDC e o Ruanda", assevera o antigo Chefe de Estado congolês, que há muito estava arredado da vida política activa, pelo menos a pública.
O risco da escalada regional
Esta saída da sombra de Kabila coincide com a aplicação de sanções dos EUA aos ruandeses (ver links em baixo), e quando Tshisekedi para estar a preparar-se para reunir apoios regionais de forma a poder lançar um contra-ataque sobre a frente de combate onde estão os rebeldes do M23 e milhares de tropas ruandeses e ugandesas dentro de território da República Democrática do Congo.
Na semana passada o Presidente Félix Tshisekedi enviou oficialmente um emissário ao Chade para pedir ao seu homólogo Mahamat Idriss Déby Itno apoio militar para combater os rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, que estão, dia após dia, a conquistar largas parcelas de território no leste da RDC.
Mas este apelo do Chefe de Estado congolês ao Chade demonstra as fragilidades das Forças Armadas da RDC (FARDC), corroídas por décadas de corrupção e infiltramentos pela intelligentsia ruandesa e ugandesa, incapazes de reduzir os avanços do M23.
Em menos de três semanas, os guerrilheiros do M23 tomaram as capitais dos Kivu Sul e Norte, Goma e Bukavu, e acrescentaram ao mapa das conquistas dezenas de pequenas localidades conhecidas pelas suas minas de minerais estratégicos, como, entre outras, o coltão.
A par dos avanços dos rebeldes liderados por Corneille Nangaa, que sustenta as conquistas em doses elevadas de violência, incluindo sobre as populações civis, e um forte apoio logístico, em armas e em homens, do Ruanda, também o Uganda começa a avançar para a RDC.
Se o Ruanda mostra estar interessado principalmente no Kivu Norte e Kivu Sul, devido às extensas reservas de minerais estratégicos para as indústrias 2.0 ocidentais, como o coltão, cobalto, `terras raras' ou ainda o lítio, o Uganda avança mais a norte, na província de Ituri.
O leste congolês é composto pelas três referidas províncias, que respondem por grande parte dos recursos minerais da República Democrática do Congo, e que, para já, estão na posse do Ruanda através do seu braço armado no leste congolês.
As intenções do Uganda, um aliado do Ruanda nas incursões em território congolês, não são conhecidas, além da alusão à necessidade de combater a guerrilha das ADF, com ligações ao `estado islâmico', mas alguns analistas apontam que o Exército ugandês procurará proteger o flanco do M23 nas esperadas futuras tentativas de recuperar território por parte de Kinshasa.
Isso mesmo pretende Tshisekedi com o pedido de apoio ao seu amigo Mahamat Idriss Déby Itno, do Chade, visto que todas as suas tentativas de encontrar apoio regional, seja no âmbito do Processo de Luanda, seja no Processo de Nairobi, para solucionar as coisas pela via negocial, falharam.
Tal como falharam as "incursões" a Nova Iorque, para lançar o debate no Conselho de Segurança da ONU, como, de resto, voltou a suceder esta quinta-feira, 20, pela iniciativa da própria organização devido à escalada do conflito para um patamar regional alargado.
Apesar de alguns media garantirem que N'Djamena vai apoiar Kinshasa, não há informações oficiais sobre a resposta de Idriss Déby Itno deu à solicitação do seu amigo Félix Tshisekedi, que, recorde-se, esteve, na passada semana, mais uma vez, em Luanda, para conversações com João Lourenço, embora não tenha sido avançado que semelhante pedido tenha sido feito ao Presidente angolano, e actualmente também da União Africana (UA).