Negociações que deverão juntar elementos indicados pelo M23 e pelo Governo da República Democrática do Congo (RDC) sob mediação do Governo angolano, até que um acordo definitivo seja assinado pelos respectivos lideres de topo numa cerimónia conduzida por João Lourenço.
Para já, esse calendário não está definido, tendo a Presidência angolana emitido um curto comunicado onde avança que a data do início das conversações oficiais, 18 de Março, foi definida "no prosseguimento das diligências levadas a cabo pela mediação angolana".
Nesse mesmo comunicado pode ler-se que "delegações da República Democrática do Congo e do M23 iniciarão negociações directas para a paz, no dia 18 de Março, na cidade de Luanda".
Este passo surge depois de João Lourenço, que é o mediador designado pela União Africana há alguns anos, ter recebido na Cidade Alta uma delegação de religiosos congoleses e, pouco depois, o Presidente da RDC, Flexi Tshisekedi.
E foi dado quando já se admitia que o Presidente angolano e actualmente da União Africana teria desistido do seu empenho na busca de uma solução diplomática para resolver a crise no leste congolês onde os rebeldes do M23, com apoio do Ruanda, tomaram já largas áreas da região.
As negociações ocorrem, porém, quando o braço rebelde que Kigali estendeu para o leste da RDC já controla duas províncias estratégicas, devido às suas riquezas no subsolo, especialmente minérios fundamentais para as indústrias 2.0, como o coltão, lítio e cobalto.
Desde Janeiro até agora, sob uma incompreensível fragilidade das Forças Armadas da RDC (FARDC), com apoio de combate da missão da ONU no Congo, a MONUSCO, a mais robusta em todo o mundo, e com o apoio de um forte contingente regional da SADC e da EAC, tomaram as capitais dos Kivu Norte (Goma) e Kivu Sul (Bukavu) bem como as suas principais áreas mineiras.
Alguns analistas admitem que o M23, sob telecomando ruandês, aceitou negociar agora porque já conseguiu os seus objectivos e quaisquer negociações formais que contem com a participação de Kinshasa são um sinal claro de que Tshisekedi e o seu Governo estão receptivos a ceder partes do território a troca da paz ou, pelo menos a exploração conjunta dos vastos recursos naturais existentes nas áreas sob seu controlo.
Igualmente relevante é que estas negociações são retomadas depois de tanto o Processo de Luanda, que desde 2022, procurava apaziguar a situação entre o Ruanda e a RDC, e o Processo de Nairobi, que visava a reconciliação interna no Congo (ver links em baixo) terem desmoronado com ruído por decisão ruandesa e das suas extensões congolesas.
Desde 2021 que o M23, depois de quase uma década adormecido, voltou com forte pujança avançando sobre o leste congolês com apoio militar e logístico de Kigali, como um relatório da ONU demonstrou em 2022.
Desde então o M23 tem consolidado posições, procurando fazê-lo em áreas fortemente defendidas em torno das áreas de exploração mineiras mais relevantes, que permite ao Ruanda emergir como exportador de coltão de forma ilegal e criminosa, segundo Kinshasa, até que, já este ano, no início de Janeiro, as defesas das FARDC ruíram como castelos de cartas e as duas províncias passaram para domínio dos rebeldes.
Esta situação deixou o poder em Kinshasa sobre brasas, com o Presidente Felix Tshisekedi a pedir abertamente o apoio militar aos seus aliados regionais, tendo isso ficado claro depois de a imprensa congolesa ter noticiado que foi enviado um emissário ao Chade para pedir ajuda militar ao Presidente Mahamat Idriss Déby.
Entretanto, ao longo destes dois meses de ferro e fogo no leste do Congo, durante o qual também o Uganda fez avançar unidades militares com milhares de homens para a região, ocupando partes relevantes da província de Ituri, milhares de pessos morreram ou ficaram feridas, entre miliares e civis, com largas dezenas de milhares a fugirem para o interior do país ou para o Burundi em busca de segurança.
A situação humanitária, como a ONU tem alertado, é catastrófica, e só tem sido agravada quando a RDC e os Grandes Lagos batem recordes de deslocados, sendo já mais de seis milhões.
As razões de fundo para este conflito
O leste do Congo é uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais estratégicos, desde logo o coltão e o cobalto, dois minerais incontornáveis para as novas indústrias tecnológicas e aeronáutica de ponta, sem as quais toda a parafernália tecnológica de comunicações, como os simples smartphones, não existiria tal como a conhecemos.
E a piorar o cenário, como combustível para esta fogueira, a RDC possui as maiores reservas do mundo de coltão e cobalto, mais de 80% de um e de outro, quase em exclusivo presentes no leste do país, sendo esta geografia geradora de grandes "apetites" pelas multinacionais do sector, que, segundo ONG"s internacionais de defesa dos Direitos Humanos, usam as guerrilhas para explorar sem controlo estas jazidas, afastar populações ou aterrorizar as forças do Estado que procuram chegar a estas "terras de ninguém" assoladas pela mais hedionda violência.
Mas também os vizinhos, como o Ruanda, desde sempre exploram estas riquezas de forma encapotada, porque, como chegou a ser denunciado publicamente por organizações internacionais, não existem depósitos de coltão no país mas este aparece como um dos grandes exportadores mundiais deste minério estratégico.
A par da questão dos recursos naturais congoleses nos Kivu Norte e Sul, existem ainda questões de natureza territorial com potencial incendiário na região, desde logo por razões étnicas, ou de sobrepopulação, sendo o Ruanda o que apresenta a maior densidade populacional na África continental, sendo apenas ultrapassado pelas Maurícias e Mayotte, pequenas ilhas francesas situadas entre Madagáscar e Moçambique, no Índico.
Este cenário conduz, desde logo, a uma situação em que o Ruanda, um país pequeno, sobrepovoado - mais de 400 pessoas por km2 -, mas um dos mais ricos e desenvolvidos em África do ponto de vista organizacional e económico, se vê fortemente tentado, segundo alguns analistas, a alargar a sua territorialidade para oeste, onde o leste congolês é hoje uma espécie de terra de ninguém, com fraca presença do Estado e dominado por guerrilhas e interesses obscuros ligados às suas riquezas naturais.
É de ter ainda em consideração que o Ruanda foi palco, em 1994, de um trágico episódio, conhecido como o genocídio ruandês, em que mais de 800 mil tutsis, a minoria étnica, foram massacrados com extrema violência, pela maioria Huto.
Este episódio histórico trágico levou a que largas centenas de milhares de ruandeses procurassem segurança na vizinha RDC, onde surgiram, nesse momento, algumas das guerrilhas mais activas, como a Frente Democrática de Libertação do Ruanda (FDLR) que vingou até hoje no leste congolês, sendo, juntamente com a ADF ugandesa, de génese islâmica, actualmente sob domínio do estado islâmico, e o M23, as mais sanguinárias.