A RDC possui vastos recursos naturais, incluindo metais e minerais como ouro, estanho, coltan e tungstênio e apesar da guerra, a exploração desses recursos tem sido intensa: fontes dignas de crédito indicam que em 2000 a RDC produziu aproximadamente 36 toneladas de ouro, cerca de 17.000 toneladas de estanho, é actualmente responsável por cerca de 60% da produção mundial de coltan e também é um importante produtor de tungstênio, embora os dados exatos de produção variem.
Esses recursos são frequentemente explorados em condições de guerra, com grupos armados controlando as áreas de mineração e utilizando os lucros para financiar suas atividades. Considerar guerra na RDC como um acontecimento irracional do ponto de vista econômico, já que implica a destruição de capital, a perda de vantagens comparativas na exploração de recursos naturais, minerais, florestais, faunísticos e outros existentes na zona, significa ignorar o fato de que este conflito tem igualmente base naquilo a que se pode considerar a economia política da guerra.
Para mim, o conflito da RDC já deu mostras de que ele não apenas conduz a gravidade da situação humanitária, com um grande número de vítimas e deslocados, impactos significativos nos serviços básicos e na infraestrutura, as evidencias indicam igualmente que este conflito tem vindo a permitir uma certa "reordenação" da económia através de novas formas de poder (senhores da guerra) e encontra a parte das suas explicações numa estratégia que passa pela instrumentalização política da desordem, com grandes proveitos económicos para alguns dos principais protagonistas.
Nesta lógica a guerra na RDC tem sido o mecanismo através do qual novas e velhas formas de poder e de economia política são moldadas e expandidas, o que constituem uma resposta ao enfraquecimento ou colapso do Estado e à marginalização e crises econômicas e institucionais que se prolongam na região. Em muitas das narrativas em torno deste conflito, é notória a ausência de uma perspectiva que denuncia a funcionalidade do conflito para cada um dos seus principais intervenientes.
Se esta guerra é considerada como irracional em termos macroeconômicos, porque razão para determinados grupos, ela tem vindo a gerar benefícios econômicos substanciais?
De certo que a maior parte dos cidadãos da RDC são meras vítimas ou "perdedores" como em muitas das guerras, também há "vencedores". Estes são os setores poderosos (militares, políticos,
comerciantes) que utilizam a violência, a limpeza étnica e as deslocações forçadas, e mesmo a fome deliberadamente provocada, como forma de desapossar os setores vulneráveis dos seus recursos econômicos (terra, recursos minerais, etc.), ou de os forçar a sua exploração e venda a preços de saldo. O envolvimento militar, diplomático, político e outros de muitos países e instituições, embora justificado por motivos nobres como os de alcance da paz e estabilidade na região, é um exemplo disso.
Todos vemos como os recursos, sobretudo os minerais explorados, são comercializados através de complexas redes econômicas paralelas, que operam à escala nacional e internacional. Estas redes surgiram na sequência do colapso da economia formal devido à crise econômica, bem como do colapso do Estado e da corrupção. São controladas por homens de negócios, políticos e senhores da guerra e estão frequentemente associadas a determinados grupos empresariais, governos, entre outros. Dada a natureza moral e legalmente pouco recomendável das suas atividades, a manutenção destas redes (proteção dos seus meios logísticos, comunicações, zonas de controlo, etc.) é feita por meios violentos, o que leva a confrontos entre os atores que as sustentam.
No fim de contas, a guerra na RDC, que é justificada por confrontos entre o exército daquele país e o M23 por motivos étnicos ou políticos, é em grande parte o resultado da luta pela manutenção de uma determinada economia política de guerra, como foi de certa forma e num passado recente as lutas pelo controlo da produção e do comércio de drogas na Colômbia, ou o controlo da exploração de diamantes em Angola.
*Coordenador OPSA