Na passada semana, o embaixador norte-americano na África do Sul, Reuben Brigety, acusou o Governo do Presidente Cyril Ramaphosa (ver links em baxo nesta página) de ter fornecido secretamente armas à Rússia em Dezembro, enchendo o porão do cargueiro russo Lady R., que esteve atracado em Port Simons, Cidade do Cabo, durante três dias, com munições e armamento diverso.

Estas acusações foram feitas depois de um enviado especial de Ramaphosa ter estado nos EUA para explicar a situação que resultou das suspeitas sobre o que levara o Lady R. a atracar na África do Sul entre 06 e 08 de Dezembro do ano passado.

E caíram que nem uma bomba no Governo sul-africano, que rapidamente reagiu acusando o diplomata norte-americano de ter feito acusações sem fundamento e alegações perigosas sem ter como as provar, mesmo depois de Reuben Brigety ter dito que estava certo do que dizia apostando nessa convicção a sua própria vida.

Rapidamente Cyril Ramaphosa exigiu que os serviços secretos dos Estados Unidos fornecessem à equipa de investigadores sul-africanos, liderados por um magistrado, as provas de que existiu esse fornecimento de armas sul-africanas aos russos.

As coisas azedaram ainda mais quando Ramaphosa veio agora a público dizer que o seu Governo está sob uma imensa pressão (dos EUA) para abandonar o seu posicionamento de neutralidade face ao conflito na Ucrânia, estando permanentemente a ser acusado, não só pelos EUA, mas também pela Alemanha e Reino Unido, que querem e tentam por todas as vias que a África do Sul condene a invasão russa da Ucrânia.

E acrescentou que, mesmo face a essas pressões, Pretória "não vai abandonar a neutralidade" nem vai ceder nas exigências ocidentais de condenação de Moscovo.

A Alemanha tem sido particularmente agressiva face à África do Sul, tendo o chanceler OLaf Scholz deixado isso ainda mais em evidência já este fim-de-semana quando criticou todos os países que se negam a condenar Moscovo, referindo-se especialmente à África do Sul e à Índia.

Naquilo que é claramente uma posição concertada para quebrar os laços económicos ou históricos com a Rússia por parte do ocidente, acusando estes países de estarem a ferir o direito internacional.

A par deste posicionamento diplomaticamente vigoroso, Ramaphosa deu ainda um passo mais fundo no confronto diplomático, enviando por estes dias - a notícia foi conhecida, nos media russos, apenas esta segunda-feira, 15 -, já depois das acusações do embaixador Reuben Brigety, uma missão militar à Rússia chefiada pelo Comandante do Exército, general Lawrence Mbatha, para conversações bilaterais.

Não escondendo a simpatia histórica por Moscovo que a África do Sul, governada pelo ANC desde a queda do apartheid, em 1994, devido à ajuda que a então URSS deu nesse combate, o Governo de Cyril Ramaphosa vem dando mostras de incómodo com as pressões ocidentais, tendo sido um dos pontos altos desse mal-estar a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitir um mandato de captura internacional contra o Presidente russo, Vladimir Putin, meses antes da Cimeira dos BRICS, organização que junta ainda o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, que vai ter lugar em Agosto na cidade de Durban.

Pretória chegou a anunciar que iria abandonar o TPI face a esse gesto que considera desajustado face às restantes investigações que decorrem há anos neste tribunal sem que tal passo tenha sido dado, nomeadamente no conflito israelo-palestino, estando agora a exigir uma cláusula de excepção para Chefes de Estado, o que permitira a deslocação de Putin à Cimeira dos BRICS.

Em síntese, para já, as alegações do embaixador dos EUA na África do Sul foram retiradas com vigor e um pedido de desculpas, Pretória não vai abandonar a sua neutralidade face ao conflito entre Kiev e Moscovo e a África do Sul mantém o seu programa de cooperação estratégica com a Rússia, visto que o seu chefe máximo do Exército está agora em Moscovo para intensificar esse relacionamento.

E o Governo de Pretória também já veio dizer que os EUA não podem pensar que lhes é permitido fazer "bulllyng com a África do Sul", acrescentando o ministro da Presidência, Khumbudzo Ntshavheni, que "são os EUA que têm problemas com Moscovo, não a África do Sul" e, por isso, Washington "não deve arrastar outros para os seus problemas".

No entanto, também os Estados Unidos da América parece não querer deixar este assunto com pontas soltas, tendo o porta-voz do Pentágono, John Kirby, dito que se trata de "um assunto muito sério" porque os EUA têm repetido os avisos aos países para não entregarem armas aos russos.

Recorde-se que os EUA e a União Europeia, com quem a África do Sul mantém fortes laços comerciais, têm em cima da mesa a ameaça de aplicar sanções aos países que fornecerem armas ou outro tipo de apoio ao esforço de guerra russo.

Recorde-se ainda que a África do Sul é um dos países africanos que se absteve sempre que na Assembleia Geral da ONU se procurou fazer passar resolução de condenação à invasão russa.