Para já, três destaques deste encontro: Os EUA, por compromisso inequívoco de Joe Biden, vão pugnar para que África, provavelmente através da sua organização continental, a União Africana (UA), passe a ter um lugar relevante nas plataformas que juntam as grandes potências mundiais como o G20, ou mesmo o G7, e onde se tomam decisões que, quase sempre, dizem respeito directa ou indirectamente aos interesses de África e dos seus 54 países, apontando ainda o anfitrião deste histórico encontro como incontornável que os africanos tenham em breve um representante permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
"África pertence por direito próprio a todos os palcos onde são discutidos os desafios globais e em todas as instituições mundiais" onde se debatem os problemas do planeta, apontou Joe Biden.
Depois, porque em África há já uma desconfiança natural às promessas do ocidente, quase sempre movido por interesses de natureza geoestratégica ou económica, como o acesso, por exemplo, aos seus inesgotáveis recursos, ainda hoje dominados pelo petróleo e diamantes, mas a um passo de se transformar no fornecedor mais importante em todo o mundo de minerais estratégicos para as novas indústrias tecnológicas essenciais à transição energética em tempo de ameaça existencial das alterações climáticas, o Presidente norte-americano, para vincar que desta vez não é como costume, vem, segundo citam vários media internacionais, à África Subsaariana - falta indicar datas e países integrados neste histórico périplo -, mostrar o seu empenho pessoal na palavra dada.
"Estamos de corpo inteiro em África", prometeu o Presidente dos Estados Unidos da América, acrescentando que os líderes africanos presentes nesta Cimeira EUA-África, que já não tinha lugar desde 2014, quando Barack Obama mostrava querer inverter o aparente abandono de África enquanto prioridade para Washington, o vão ver "mais vezes assim como os EUA vão ver com redobrada regularidade" os representantes do continente africano.
E, por fim, Joe Biden fez questão de clarificar que esta viragem estratégica em direcção a África não afasta os Estados Unidos do seu histórico compromisso com a defesa da democracia e do Estado de Direito, assim como o empenho no apoio ao combate à corrupção e às reformas políticas que permitam maior abertura das economias africanas.
"Nunca nos desviaremos daquilo que são os nossos valores", atirou como aviso, acrescentando: "Porque o apoio à democracia e o respeito pelo Estado de Direito, os Direitos Humanos e a boa governança estão no nosso ADN", o que contrasta com a postura chinesa e russa em África, que seguem caminho indiferentes à natureza dos regimes com quem entabulam negociações.
Uma possível síntese deste encontro quanto à mensagem que Washington pretendeu vincar junto dos líderes africanos, onde esteve o Chefe de Estado angolano, João Lourenço, é que, depois da forte expectativa criada em torno da chegada, em 2009, até 2017, do afro-americano com origens no Quénia, Barack Obama, rapidamente a frustração tomou o lugar da esperança com o paulatino afastamento de África das atenções da Casa Branca, tendo, depois, chegado ao comando da maior economia mundial o nada interessado em África Donald Trump, que não só o disse como o fez, centrando as atenções longe dos interesses africanos, permitindo o assomo da Rússia ao continente enquanto player importante e a China consolidava a sua presença de peso forjada em quase duas décadas de investimento multibilionário em solo africano, estando agora Joe Biden em busca do tempo perdido, com uma mão cheia de promessas e outra de feitos concretos para dizer ao que vem.
E se as promessas são claras, o regresso em força a África, com um novo empenho em forjar relações bilaterais e multilaterais com base no respeito mútuo e proveito repartido, procurando esvaziar o espaço de manobra de russos e chineses no continente, as acções concretas traduzem-se, no imediato, em 55 mil milhões de dólares para investir, nos próximos três anos, em projectos no âmbito da transição energética, formação na área da saúde e melhoria no sector das telecomunicações, entre outros, com destaque para os 15 mil milhões de empresas privadas viradas para as tecnologias digitais.
Olhos postos na RDC e na Nigéria
Depois de ter estado momentos com quase todos os lideres presentes nesta Cimeira, Joe Biden mostrou-se particularmente interessado nos processos eleitorais na Nigéria e na República Democrática do Congo (RDC), que devem ocorrer nos próximos meses, um bom pretexto para se sentar à mesa para falar com os Presidentes dos mais importantes países da África sub-saariana no que toca à exportação de recursos naturais estratégicos para a economia mundial - o faiscante e estratégico coltão, fundamental para as novas tecnologias, tem 80% das reservas mundiais conhecidas no Congo e é um bom exemplo -, com a China, mas não só, igualmente empenhada na sua demanda.
Este reposicionamento norte-americano sobre o mapa dos interesses africano não pode, nem está a ser, como se pode depreender a partir das análises que estão a ser feitas em media de vários países africanos sobre este encontro histórico, alheio à recente, mas sólida, investida diplomática e económica da Federação Russa no continente, onde já estava firme a China de forma ainda mais alargada que Moscovo, quando, em pano de fundo, está a guerra na Ucrânia, e uma disputa global cada vez mais intensa entre Pequim e Washington em domínios que vão da economia à presença militar, sendo África uma das "frentes" dessa batalha de titãs.
Isso mesmo ficou claro nas palavras de Mark Green, um antigo congressista e chefe da Agência Internacional para o Desenvolvimento dos EUA, citado pelo Africa News, onde expressa a ideia de que os norte-americanos estão focados na "construção de capacidade local para o desenvolvimento enquanto os chineses procuram reforçar a dependência do seu apoio", sendo o exemplo mais citado pelas diplomacias ocidentais a questão da armadilha da dívida", onde os países ficam amarrados aos interesses de Pequim "para sempre", embora o Governo de Xi Jinping não se poupe a esforços para negar estas acusações, sublinhando que toda a acção chinesa é movida pela criação de vantagens mútuas e assim reconhecidas pelos parceiros africanos, sendo ainda costume dar como conselho aos norte-americanos que deixem de olhar para o continente como uma "componente de uma disputa geoestratégica" e sim como um parceiro de igual para igual.
UA quer combater terrorismo
Na voz de Macky Sall, o Presidente do Senegal e da União Africana, o continente disse a Joe Biden que tem cinco prioridades claras e que uma delas, o combate ao terrorismo, deve ser abordado com urgência, assim como a segurança que este põe em causa diariamente.
O líder africano não procurou esconder quais as prioridades africanas, embora isso possa não encaixar no conjunto de prioridades de Washington, porque o combate ao terrorismo em África "deve fazer parte da luta global contra este flagelo" que fere de morte a paz e a segurança mundial.
O acesso de uma representação permanente no Conselho de Segurança da ONU é outra prioridade, mas nisso um e outro lado estão concatenados, tendo mesmo elogiado a forma como os EUA têm lidado com esta exigência.
O combate às alterações climáticas, onde África sofre em primeira linha e mais que ninguém os efeitos da industrialização do ocidente, sem colher quaisquer benefícios, é também uma das prioridades africanas, assim como as crises sanitárias que surgem neste contexto ou os gastos a isso inerentes que impõem uma suspensão do seu pagamento pelos países africanos, sendo que, se os EUA não decidem sozinhos nestas questões, o seu poder de influência exercitado é uma demonstração relevante sobre o que verdadeiramente move Washington.
O apoio das grandes instituições internacionais, FMI e Banco Mundial, e das grandes potências económicas, onde Washington tem uma palavra a dizer, ou o apoio à construção ou reconstrução de infra-estruturas nacionais, sub-regionais e pan-africanas compõe ainda o leque de prioridades definidas pela União Africana em nome do continente, que exigem quase 100 mil milhões de dólares nos próximos sete anos, sublinhando Sall que dos 1,2 mil milhões de africanos, quase 600 milhões não em energia eléctrica em casa.
O combate à fome é outro pilar fundamental para os africanos e querem também aí que os EUA procedam de modo adequado, bem como na criação de investimento que permita industrializar de forma mais célere o continente para dar resposta às maciças necessidades de emprego para uma população cada vez mais jovem e exigente, sendo um bom exemplo Angola, onde a idade média da população é inferior a 18 anos.