A tese não é nova, porque a perda de influência da França nas suas antigas colónias da África Ocidental onde decorreram golpes militares entre 2020 e 2023, Mali, Burquina Faso, Níger e Guiné-Conacri, corresponde à crescente presença russa na região, com mais ou menos ruído.

E em Paris, como os media franceses têm noticiado nos últimos meses, especialmente depois de a presença francesa no Burquina Faso e no Níger ter sido rechaçada pelos novos poderes saídos de golpes de Estado militares, tem crescido o incómodo com a ideia de Moscovo estar por detrás desta realidade.

E razões não faltam, até porque as juntas militares que governam estes países não escondem o rancor com o passado colonialista e neo-colonialista francês e anunciaram uma aproximação estratégica à Federação Russa.

E, ao mesmo tempo que a presença francesa era afastada com incomum agressividade diplomática, chegando mesmo à expulsão de embaixadores no Níger, Mali e no Burquina Faso (ver links em baixo nesta página), a comitiva russa era recebida com tapete vermelho... e o Grupo Wagner.

Concomitantemente, em Paris, o Presidente Macron, no contexto da guerra na Ucrânia, deixava o posto de sensato intermediador entre Moscovo e o ocidente, defendendo o diálogo com o Kremlin, para o lugar de mais férreo falcão de guerra, acabando mesmo a propor o envio de forças da NATO para a Ucrânia.

Esta mudança na bussola político-diplomática do Chefe de Estado francês não passou desapercebida e foi imediatamente, por evidente ser, ligada ao que se está a passar nos últimos anos no Sahel africano, na geografia comummente vista como a "FranceAfrique".

E resposta de Paris está à vista, num claro recrudescer da agressividade retórica para com a Rússia de Putin, com destaque para a proposta surpreendente, mesmo para os seus aliados da NATO, de enviar forças armadas para ajudar os ucranianos na guerra contra a Rússia.

Mas não é tudo, havendo ainda a assinalar as notícias divulgadas pelos media russos de que, num recente ataque com misseis a um hotel em Kharkiv, a Rússia terá morto dezenas de oficiais franceses que estavam a apoiar os ucranianos sob a capa de mercenários.

Agora, quando se prepara para ser eleito para mais um mandato até 2030, já este fim-de-semana, Vladimir Putin aproveitou uma entrevista alargada à TV estatal Rossya-1 para mimar Macron com algumas frases eivadas de um paternalismo rugoso e irónico.

Putin disse, citado pelo Le Mode, a partir da entrevista em russo à Rossya-1, que o chefe do Kremlin disse que o seu homólogo francês "está ressentido" por estar a perder aliados em África que encontraram na Rússia o aliado adequado e empenhado que a França não pode ser.

"Uma reacção como esta(de Macron), com uma forte componente emocional, está naturalmente ligada ao que está a suceder em África", atirou Putin, sabendo que dizer que um Chefe de Estado tem fragilidades emocionais é dos ataques mais virulentos.

Para Putin, os problemas de Paris com a Rússia não são por causa da Ucrânia, "são de natureza diferente, estão ligados à presença do Grupo Wagner no Sahel", acrescentando que Macron está a lidar mal com o facto de a Rússia estar a "ocupar o seu espaço vital" nesta geografia estratégica para a França.

"Há algum ressentimento no Presidente francês", assinalou Putin, conhecendo perfeitamente o peso das palavras e o seu efeito assim que chegaram ao Palácio do Eliseu, enfurecendo ainda mais Macron, porque tal ousadia de Putin pode fragiliza-lo perante os seus pares europeus.

Ao concluir este tema na entrevista, ainda segundo o francês Le Monde, Putin asseverou não ter nada contra a França ou Macron, sublinhando que os países africanos apenas quiseram manter relações de proximidade com a Rússia afastando os franceses devido ao seu passado.

Esta é das raras vezes que Putin mencionou o Grupo Wagner após o episódio violento de rebelião protagonizado por Prigozhin, o seu fundador, no contexto da guerra na Ucrânia, acabando por morrer em circunstâncias misteriosas num acidente de avião em Agosto de 2023.

Mas faz sentido neste contexto, porque foi com a chegada deste grupo de mercenários russo ao Sahel e à África central e do Norte, há cerca de 15 anos, que os problemas entre França e as suas antigas colónias se tornou evidente e problemático.

Mas Putin disse muito mais nesta entrevista, que pode rever aqui.