Em 2014, a Rússia anexou a Península da Crimeia, que divide o Mar Negro do Mar de Azov, e forças independentistas pró-russas assumiram o controlo parcial do Donbass, um território situado na fronteira com a Rússia, no extremo leste da Ucrânia, composto pelas agora "Repúblicas" de Donetsk e Lugansk..
As duas regiões que compõem o Donbass, Donetsk e Lugansk, onde habitam perto de 5 milhões de pessoas, estão sob intenso bombardeamento por parte das forças ucranianas que se situam nas áreas não controladas pelos separatistas desde 2014.
Na semana passada, Moscovo, por decisão do Presidente Putin, reconheceu oficialmente as Repúblicas de Donetsk e Lugansk, alegando que tinha a obrigação de ajudar as suas populações a defenderem-se dos ataques ucranianos, que fustigam aldeias e cidades há oito anos, tendo já sido mortas mais de 14 mil pessoas.
Nestas regiões, a população é composta maioritariamente por russófilos, sendo igualmente as ligações à Rússia, linguística e culturalmente, a par dos laços de sangue, fortes em toda a Ucrânia, mas especialmente na parte leste, separada pelo Rio Dniepre.
Os relatórios da OSCE, a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa, com centenas de elementos no terreno que monitorizam a situação e registam as brechas no cessar-fogo em vigor há oito anos, considera que as populações civis destas duas agora repúblicas independentes estão, efectivamente, há vários anos sob bombardeamentos provenientes do lado controlado por Kiev, embora sublinhem igualmente furos no cessar-fogo a partir do lado dos separatistas.
Depois de reconhecer estas duas repúblicas, e desfazendo o que vinha a dizer há semanas, quando garantia não querer invadir o vizinho, Putin iniciou aquilo a que chamou "operação especial" enviando milhares de homens e equipamento militar para a Ucrânia, que estavam já posicionados em exercícios nas imediações fronteiriças e na Bielorrússia, a norte.
O objectivo é, justificou, desmilitarizar o país vizinho, primeiro para garantir que paravam os ataques ao Donbass, mas em segundo plano, e provavelmente o mais importante, naquilo que é, segundo as chancelarias ocidentais, uma intromissão clara nas decisões soberanas de Kiev, garantir que a Ucrânia não adere à NATO.
Isto, porque desde há pelo menos 15 anos que o Presidente russo vem dizendo que esta Organização do Tratado do Atlântico Norte, criada em 1949 para estancar o avanço da ex-URSS, depois do colapso da União Soviética, em 1992, está a ameaçar a sua segurança vital ao agregar cada vez mais países europeus que eram membros do antigo Pacto de Varsóvia, sob o chapéu ideológico de Moscovo.
Putin e o seu núcleo duro no Kremlin consideram que a Ucrânia entrar nesta organização que vê, oficialmente, como o atestam os seus estatutos, a Rússia como um Estado hostil, era atravessar uma linha vermelha inaceitável.
Este é o pano de fundo para esta invasão da Ucrânia pela Rússia.
A Ucrânia é um país que referendou a indedependência depois do colapso da URSS, de que fazia parte, e que em 2014 viveu uma revolução que acabou por resultar num golpe de Estado que depôs o então Presidente Viktor Yanukovych, considerado pró-russo, tendo esta revolta a partir da Praça Maidan, em Kiev, contado com o apoio de organizações radicais da extrema-direita, como o denominado Batalhão Azov, com raízes neonazis que os seus membros nunca esconderam, e que hoje combate os russos a partir da região de Mariupol, no sul, na consta do Mar de Azov, a escassos quilómetros da Crimeia.
Depois, em eleições realizadas em 25 de Maio de 2014, foi eleito o Presidente pró-ocidental Petro Poroshenko, que acabou por cair em desgraça envolvo em múltiplos escândalos de corrupção, alguns dos quais envolvendo interesses ocidentais.
Em 2019, novamente em eleições democráticas, embora tenham ocorrido acusações de ilegalidades mas que foram claramente aceites pela comunidade internacional, foi eleito o actual Presidente Volodymyyr Zelensky, igualmente com uma postura anti-Rússia e pró-ocidental, apostando na adesão soberana e "referendada" em eleições legítimas não só à NATO mas também à União Europeia.
Zelensky contou sempre com o forte apoio dos Estados Unidos, com quem conta desde então para o início de um processo de adesão à NATO, circunstância que irritou gravemente Moscovo.
Provavelmente, a Ucrânia, sendo, obviamente, um país estratégico com forte peso na Europa, com 44 milhões de habitantes, rico em recursos naturais e agrícolas, o segundo maior pais europeu, a seguir à Rússia, com 145 milhões e 1/8 do globo terrestre, está neste momento a ser palco de uma disputa entre as maiores potências mundiais, incluindo a China, que olha para esta crise como fundamental porque sabe que se a Rússia for ali esmagada, a seguir o olhar do ocidente, especialmente de Washington, que nem sequer esconde que será assim, volta-se para Pequim.
E os chineses sabem isso porque, pouco antes do início desta crise no leste europeu, norte-americanos, britânicos e australianos criaram o AUKUS, sigla com as letras iniciais destes países na grafia inglesa, com o propósito de conter o avanço da China no Indo-Pacífico.
De resto, tanto a actual Administração americana de Joe Biden como a anterior, de Donald Trump, consideram Pequim como o grande desafio à sua hegemonia global e não a Rússia, fragilizada nos últimos 30 anos por crises económicas severas geradas no pós-queda do "império" soviético e das quais só agora se começa a recompor.
Com este conflito europeu a poder hoje, chegar ao fim, com as conversações entre Kiev e Moscovo, em Gomel, na Bielorrússia - inicialmente estavam previstas para uma outra localidade, mais na linha de fronteira com a Ucrânia -, a Rússia pode reverter este desfecho a seu favor, voltado ao palco das grandes potências globais, alterando o mapa da influência da NATO na Europa, mas abrindo caminho para uma mudança de direcção do ocidente para a Ásia, tendo a China como nova fronteira das disputas pela supremacia planetária.
E a Rússia, como gigante euro-asiático que é, sabe que vai estar presente, com a sua influência baseada no seu poderio bélico, nuclear, na próxima crise, com uma palavra a dizer, centrada no indo-pacífico.
Mas, para já, vai ser preciso que Kiev e Moscovo encontrem hoje o consenso mínimo para dar por finda esta guerra na Ucrânia. Esse consenso tem agora mais possibilidades, visto que
Que é possível, até porque Putin já disse, mesmo sendo difícil acreditar sem rebuço na sua palavra, que não pretende ocupar a Ucrânia, apenas garantir a sua neutralidade face ao avanço da NATO no leste europeu e que se mantém como geografia desnuclearizada.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.