Este recado reforçado de António Guterres surge num momento em que alastram as ondas de choque de Pequim à Coreia do Norte após o anúncio de uma nova aliança Ásia-Pacífico que junta numa mesma frente "anti-China" os norte-americanos e a Austrália, com antenas ainda no Reino Unido.
A Ásia Oriental, que inclui a China, Japão, a Península Coreana e Taiwan, é, há décadas, um dos pontos mais perigosos e complicados para a paz mundial porque os EUA não abdicam de manter a sua influência sobre todo o Pacífico gerando fricção com a China, a nova superpotência económica e um gigante a crescer rapidamente no campo militar que não abdica de mandar no seu "quintal".
Logo após o anúncio do novo pacto de segurança Washington-Londres-Camberra, denomiando AUKUS, Pequim veio avisar que se trata de uma frente "extremamente irresponsável" reveladora de "mentes pequenas".
Isto, porque este pacto, que, de certa forma, reproduz, nesta parte do mundo, uma das geografias mais frágeis devido às disputas acesas sobre territórios envolvendo a China e os seus vizinhos, o Tratado do Atlântico Norte OTAN-NATO, tem como pressuposto o fornecimento de capacidade nuclear à Austrália através de uma frota de submarinos nucleares que vão ser fornecidos por Washington e Londres.
E tudo quando já não é possível esconder quepor detrás deste AUKUS está o objectivo de conter a expansão militar chinesa e a influência de Pequim no Mar do Sul da China.
Reaccções do outro lado do mar
Primeiro foi a China, através de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que veio advertir que esta aliança entre australianos e EUA com um pilar em Londres abre caminho a "uma extensa corrida às armas nucleares" e é uma "ameaça séria à paz regional", o que foi de imediato secundado pela Coreia do Norte com Pyongyang a admitir essa mesma corrida desenfreada às armas de destruição maciça.
"A Austrália é agora um inimigo da China", escreveu o Global Times, jornal estatal chinês em língua inglesa.
Este problema geoestratégico foi agravado pelo golpe considerado baixo por Paris depois de a Austrália, assim que foi assinado o novo pacto com os EUA, ter anulado um negócio de 35 mil milhões USD que consistia na venda de 12 submarinos nucleares produzidos pelos gauleses do Naval Group, levando o Presidente francês a mandar chamar os seus embaixadores em Washington e Camberra, num claro gesto revelador de profundo desconforto diplomático.
E é este cenário que o SG da ONU, António Guterres, tinha atrás de si quando, em entrevista à CNN, veio avisar o mundo para o perigo crescente naquela parte do planeta, apelando ao bom senso e à opção pelo diálogo em vez de declarações férreas.
"Temos de evitar uma nova guerra fria. A velha guerra fria era mais fácil de lidar, esta é mais complicada", considerou António Guterres, dando como exemplo as desavenças em campos tão dispares como as novas tecnologias ou a abordagem aos problemas da pandemia.
E é precisamente no comércio e nas tecnologias que estes dois novos polos de força poderiam encontrar pontos de contacto iniciadores de acordos mais sólidos para o futuro.
Mas a realidade parece estar sempre a afastar-se das boas intenções de Guterres, como é o caso do AUKUS (iniciais em inglês para Austrália-Reino Unido-EUA), que visa fortalecer a frente da Ásia-Pacífico anti-China em matérias tão diversas como a capacidade militar nuclear naval, as tecnologias avançadas como a Inteligência Artificial ou a vigilância electrónica sobre as diversas operacionalidades de Pequim nesta vasta região que, tenha-se em conta, liga as costas das Américas, da Ásia Oriental, do Pacífico Sul-Oceânia ao Norte oriental russo...
O que os analistas de uma forma geral admitem com este novo pacto de segurança no coração do gigante Oceano Pacífico é que os equilíbrios geoestratégicos, onde as grandes potências globais mediam forças (EUA-Rússia) estão a mudar de forma acelerada, passando do Atlântico Norte para o Pacífico Sul, (EUA-China).
O que levou a uma curiosidade que não passou ao lado da história. Pela primeira vez em 60 anos os EUA cederam tecnologia nuclear submarina a um aliado que não o Reino Unido, o que faz com que a Austrália seja agora o 7º país no mundo a contar com submarinos nucleares na sua frota, juntando-se à China, França, Índia, Rússia, Reino Unido e EUA.
Camberra vai ainda permitir que novas bases navais norte-americanas sejam instaladas nas suas costas bem como o reforço das bases aéreas e no número de militares americanos e britânicos no seu território.
Face a isto, a China tem, nos últimos anos, multiplicado por diversas vezes o orçamento militar anual, sendo agora uma das maiores potências mundiais, incluindo uma frota considerável de porta-aviões acabados de estrear ou ainda um reforço ultra-secreto da sua capacidade de acção em órbita, entre outros, um sistema laser de destruição de satélites que já mostrou ao mundo possuir.
E com este novo desenho do mundo militarizado, um novo dado está já a ser lançado para o tabuleiro de xadrez mundial: uma aproximação estratégica entre a China e a Rússia, recentemente reforçada com um gigantesco exercício militar na vasta fronteira comum asiática.