As chefias das Forças Armadas chinesas não vão ficar sentadas à espera que aconteça sem uma resposta clara e inequívoca, embora sem detalhes, no caso de Nancy Pelosi visitar Taipé, a capital de Taiwan, durante o "tour" que a 3ª figura da hierarquia do Estado nos EUA está a realizar ao sudeste asiático, com o objectivo oficial de sedimentar as relações de cooperação com os aliados locais de Washington mas que os analistas e a imprensa internacional estão a interpretar como um "desafio" à China para testar a sua determinação em caso de um putativo confronto com os norte-americanos.
Depois de anunciado este perigoso périplo de Pelosi por aquela incandescente região do mundo, onde os EUA estão apostados em travar a ascensão e influência chinesa, como o demonstra de forma clara, sendo esse um dos objectivos anunciados, a criação, em Novembro do ano passado, do AUKUS, uma espécie de NATO do Indo-Pacífico, com a Austrália e o Reino Unido, que comporta a deslocação de submarinos nucleares para os portos australianos, a resposta de Pequim foi imediata.
O Governo de Xi Jinping fez saber que, numa conversa, que decorreu na semana passada, com o Presidente dos EUA, Joe Biden, o Presidente chinês aconselhou o homólogo norte-americano a não brincar com o fogo porque se pode queimar, tal como já fizera em Novembro, a propósito do anúncio da criação do desafiador AUKUS.
Numa mensagem sem rodeios, o Exército da China comunista avisou os EUA de que se Pelosi se atrever a aterrar em Taipé, isso vai gerar uma resposta rápida e inequívoca da vontade férrea de Pequim em não abrir mão da sua soberania sobre Taiwan, apesar de esta ilha "rebelde" viver, desde 1949, de forma autónoma e num regime totalmente distinto do que vigora do outro lado do canal, com a realização periódica de eleições democráticas e livres.
Nesse ano, Chiang Kai-shek, o líder rebelde que lutou contra as forças comunistas de Mao Tse Tung, refugiou-se na ilha de Taiwan após uma catastrófica derrota militar, anunciando a criação de um Estado independente mas nunca reconhecido por Pequim nem por nenhum país com peso internacional, embora os EUA mantenham uma postura de apoio total a Taipé em questões militares e financeiras, sem reconhecer oficialmente a sua existência enquanto país.
Para Pequim, esta visita de Nancy Pelosi, se se vier a confirmar, embora isso não esteja oficialmente previsto, será uma intolerável ingerência nas suas questões internas, tendo mesmo colocado como possibilidade uma acção militar demonstrativa desse domínio soberano do território que poderá, segundo alguns analistas, chegar ao envio de aviões militares para um voo de proximidade ao aparelho que transporta a congressista.
Segundo o porta-voz do Governo de Pequim, Zhao Lijian, citado pelas agências, uma eventual passagem de Pelosi por Taipé "desencadearia uma reacção extraordinária e rápida" com um "impacto político de choque jamais visto".
Se esta visita acabar por acontecer, que será a primeira desde 1997, quando Newt Gingrich, o Republicano que serviu no mesmo cargo que a Democrata Pelosi ocupa actualmente, se deslocou a Taiwan, embora, à época, os EUA tivessem pela frente uma China muito menos preparada e a sair de um longo período de subdesenvolvimento, sem os recursos financeiros e militares que tem hoje, além de uma incomparavelmente mais abrangente rede de aliados em todo o mundo, desde logo a Rússia, o vizinho do sudoeste asiático que então era tudo menos um aliado confiável para Pequim no final do século XX.
Na agenda oficial do "tour" asiático de Pelosi estão apenas Singapura, onde esteve no Domingo, Malásia, Coreia do Sul e Japão, podendo aterrar de "surpresa" em Taipé nas próximas horas, o que seria, como avisou Xi Jinping, "brincar com o fogo", que é como quem diz, o início de um conflito entre as duas maiores potências económicas e militares (a China caminha de forma célere para se equiparar aos russos e norte-americanos, perdendo apenas no que toca ao arsenal nuclear) do mundo, o que seria a mais perigosa situação para a estabilidade mundial, colocando o actual cenário de guerra na Ucrânia num patamar totalmente secundário.
Para já, sabe-se que a conversa de Pelosi com o primeiro-ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, foi de modo a não enveredar pela postura de desafio a Pequim porque, ouviu, "a estabilidade regional essencial" e sem uma relação sem escolhos entre China e EUA não há estabilidade nesta parte do mundo.
Mas também os media chineses, sob controlo de Pequim ou do Partido Comunista da China (PCC), como o Global Times, directamente dependente do PCC, estão hoje, segunda-feira, a noticiar a hipótese de Nancy Pelosi arquitectar uma desculpa para aterrar em Taipé, como, por exemplo, uma emergência a bordo, apesar de estar a par do risco elevado de gerar uma crise tormentosa, depois de Pequim ter ameaçado claramente os EUA com "consequências inimagináveis" para o caso de tal suceder.
O início do problema
A ilha de Taiwan iniciou um processo de afastamento independentista da China continental em 1949, quando Chiang Kai-shek, o líder rebelde que se opunha ao avanço comunista de Mao Tse Tung, por este escorraçado, se refugiu no território, impondo pela lei da força a sua política secessionista, liderando o Kuomintang e a ilha até 1975, ano da sua morte, sem que Pequim baixasse os braços alguma vez sobre a sua intenção de, mais cedo ou mais tarde, retomar esta parcela para o seu controlo integral.
Com um apoio claro e inequívoco dos Estados Unidos, especialmente militar, armando as suas forças com tudo o que o seu mais sofisticado arsenal dispõe, excepto armas nucleares, embora Washington respeite formalmente a existência de uma única China.
E esta situação de "impasse formal" que foi garante de paz desde o fim da II Guerra Mundial, pode estar à beira de implodir porque se Pelosi se deslocar mesmo a Taipé, isso é um golpe, na visão de Pequim, insustentável na sua soberania, o que, de facto, fica claro com a garantia dada já pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês de que se tal ocorrer, a resposta será inequívoca e clara, uma ameaça evidente mas sem pormenores, o que deixa tudo em aberto, incluindo uma acção militar.
E é por causa desse leque de opções em cima da mesa do Presidente chinês, Xi Jinping, que não pode perder a face nesta disputa quando está em pleno processo de recondução no cargo e tem, dentro do PCC, conhecida oposição que pode aproveitar um momento de fraqueza para jogar o seu trunfo nacionalista, que o Pentagono, a chefia militar norte-americana, já veio a público, num primeiro momento, através de fontes anónimas, dizer que o momento não é o mais indicado para esta visita, e, num segundo momento, garantir que, desta feita oficialmente, tudo será feito para garantir a segurança daquela que é uma das principais figuras de Estado nos EUA e uma das caras da mais vincada facção anti-China na nomenclatura norte-americana.
Este momento não é apenas único por causa da visita, é-o especialmente pelo momento melindroso que o mundo vive com a guerra na Ucrânia, com os EUA nela envolvidos fortemente e com o eixo Pequim-Moscovo a dar mostras de não deslaçar, sendo que muitos analistas perspectivam que os Estados Unidos estão a apoiar Kiev com o objectivo de enfraquecer a Rússia para que este país fique sem condições de se posicionar militarmente ao lado da China em caso de conflito armado com os EUA no Mar do Sul da China.
AUKUS, a confirmação...
A tese de que os EUA visam, no futuro, apontar as suas baterias à China, de forma a garantir que o mundo permanece apenas com uma superpotência com influência suficiente para desenhar a ordem mundial à sua semelhança e interesses, defendendo, por exemplo, o edifício Dólar e as regras financeiras ocidentais que o servem, é suportada pela criação recente do AUKUS, sigla que junta as iniciais, em inglês, de Austrália/Reino Unido/EUA, na região do Indo-Pacífico, com o objectivo de travar o avanço da China nesta vasta região do mundo, a ponto de Washington fornecer submarinos nucleares a Camberra.
A China é, claramente, o "inimigo a abater" por parte da estrutura dirigente norte-americana, que está no limite, como notam vários analistas, do que pode aceitar face ao crescimento chinês das duas últimas décadas, sejam económico, seja na sua extensão geopolítica, onde Pequim, por exemplo, expulsou claramente todas as outras potências em África e ganhou influência substancial na América Latina, que os EUA em tempos de guerra fria consideravam o seu "quintal das traseiras".
Como o Novo Jornal noticiou, Xi Jinping apressou-se a chamar à atenção o Presidente americano, aconselhando Biden a não importunar o formigueiro quando as formigas estão sossegadas, e disse mesmo ao seu homólogo que a criação do AUKUS "é brincar com o fogo". A ONU também sentiu o toque.
Numa conversa entre ambos ocorrida em finais de 2021, pouco depois de anunciada a criação desta nova "NATO do Indo-Pacífico", o AUKUS, Biden e Jinping concordaram que a situação era especialmente complexa e foi aventada a hipótese de criar um mecanismo de comunicação que impeça no futuro que qualquer equívoco leve a uma reacção militar perigosa para a humanidade, tendo o Presidente chinês defendido que a melhor forma de isso não acontecer é que as duas potências colaborem em vez de se desafiarem mutuamente.
Para já, isso está posto em risco, porque, como noticia a Associated Press, recorrendo a fontes anónimas, o Pentagono está a ponderar o envio de forças militares para a região de forma a garantir a segurança de Nancy Pelosi se esta se deslocar a Taiwan, enquanto analistas chineses, ligados ao regime de Pequim, colocam em cima da mesa a possibilidade de aviões de guerra sobrevoarem a ilha pela primeira vez desde 1950, o que seria quase de certeza motivo para confrontos entre os dois lados, com os EUA no meio.
A agência de notícias norte-americana avança ainda que as chefias militares no Pentagono não admitem que a China possa agir militarmente contra Pelosi intencionalmente mas notam que será difícil que não ocorra uma demonstração de forma aérea, com aviões dos três, Taiwan, China e EUA no ar, colocando como cenário limite uma colisão com consequências imprevisíveis, sendo ainda hipótese que Pequim declare Taiwan como "zona de exclusão aérea".
Para já, segundo ainda a AP, os EUA estão na iminência de enviar uma das suas esquadras de porta-aviões para a zona do Mar do Sul da China, de forma a garantir a segurança de Pelosi, o que levará a China a deslocar forças em proporção.
Nancy Pelosi, de 82 anos, que dirige há vários anos a Câmara dos Representantes pelo Partido Democrático, de Joe Biden, está neste momento com os holofotes dos media em todo o mundo em cima.
E pode mesmo ser a sua última jogada de grande impacto antes de uma eventual retirada da política activa. Mas, para trás, pode deixar uma bola de neve a deslizar já montanha abaixo...