De Kiev, depois de meses de ruidosos anúncios de iminente lançamento da contra-ofensiva com que pretende expulsar os russos dos seus territórios, agora, quando tudo indica que, finalmente, aconteceu, apenas silêncio e palavras contidas para dizer que não se fazem comentários sobre falsidades.
As "falsidades" de que Kiev fala, em resposta à Reuters, são os ataques de grande envergadura em vários pontos da linha da frente, com destaque para a área de Donetsk, no Donbass, em em Zaporizhia, por onde os ucranianos pretendem cortar o acesso por terra entre a Rússia e a Península da Crimeia, mostrados em imagens divulgadas por Moscovo e confirmadas por vários especialistas militares, como o general Agostinho Costa, na CNN Portugal, que admite que negar o arranque desta operação de larga escala faz parte da guerra.
Esta operação, na qual a Ucrânia estará a usar duas brigadas, perto de dez mil militares, foi precedida de um conjunto de manobras na região russa de Belgorod, com a penetração de unidades ligeiras ucranianas em território russo, provavelmente para obrigar os russos a deslocar meios para esta área, desguarnecendo a região "X" da operação principal.
E foi ainda antecedida de uma estranha operação comunicacional nos media ocidentais, com vários militares ucranianos fortemente armados a fazer o gesto do silêncio. Levando o dedo indicador aos lábios, como que a sublinhar que chegara o tempo de não falar da contra-ofensiva.
E ainda antes, o próprio Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, veio a público dizer que já tinha escolhido a data, embora sem indicar qual, para fazer avançar os mais de 100 mil homens das 12 brigadas organizadas pela NATO e algumas unidades de grande dimensão que já existiam, em força, contra as posições russas.
Os cereais quase encalhados no Mar Negro
Apesar de o acordo ter sido renovado por mais 60 dias em meados de Maio, a Rússia condicionou essa prorrogação ao cumprimento de um conjunto de garantias dadas pela ONU e pela Turquia no sentido de desatar o nó com que as sanções ocidentais "ataram" a saída dos cereais e fertilizantes russos para os mercados internacionais.
E a próxima análise à evolução do acordo está agendada para 09 de Junho, em Genebra, na Suíça.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Vershinin, explicou já esta segunda-feira, 05, que não são visíveis sinais de que se possa prolongar o acordo, oficialmente denominado Iniciativa do Mar Negro.
Admitindo que a situação está num beco sem saída, o governante russo chamou à colação a questão dos fertilizantes, com o caso específico do amónio, acusando Kiev de estar a bloquear o desatar do nó.
"Pelo que sabemos, o centro de coordenação conjunta (sedeado em Istambul, integrando todas as partes) está a tentar encontrar uma solução com base no que está plasmado no acordo assinado no ano passado", alertou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo.
Sergey Vershinin notou ainda, citado pelos media russos, que o que se pretende é chegar a soluções consensuais e esse caminho está a ser dificultado pela posição ucraniana.
Moscovo há muito que vem alertando para as restrições que os seus cereais e fertilizantes sentem para chegar aos mercados internacionais, nomeadamente devido a dificuldades de efectivação de seguros às embarcações e porque o ocidente desligou o sistema SWIFT do sector bancário russo, o que dificulta severamente os pagamentos das cargas entregues nos países importadores.
Mas não é apenas a adstringente saída das matérias-primas russas para fora dos seus portos, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, têm repetido que os cereais ucranianos não estão a seguir para os destinos subjacentes ao acordo inicial, de Julho de 2022, que é garantir em primeiro lugar ocorrer à severa insegurança alimentar que a guerra provocou em várias partes do mundo, desde logo no continente africano, com destaque para o Corno de África.
Isto, porque, mesmo que nessa campanha mediática de 2022, para forçar a Rússia a abrir um corredor marítimo no Mar Negro, dominado pela sua frota naval, tenham participado, entre ouras figuras ocidentais, o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e o Papa Francisco, que lançaram vários apelos para que Moscovo fosse sensível à fome no mundo, a verdade que posteriormente veio a ser revelada é, em tudo, distinta desse objectivo.
A coisa ganhou mesmo foro de escândalo quando se soube que entre os 10 países mais beneficiados pela saída dos cereais ucranianos, nenhum é pobre nem sequer africano. Pior, entre estes está a Espanha, em 2º lugar, que destina os cereais importados da Ucrânia aos seus porcos, com os quais mantém a milionária indústria dos enchidos do famoso porco preto ibérico.
Mas nessa lista, antes de chegar ao africano mais acima nela, o Egipto, estão ainda a China, a Coreia do Sul, o Japão, a Itália, a Turquia... no fim da lista estão os pobres entre os mais pobres, como a Somália, Chade, Sudão ou a Eritreia, que apenas recebem os cereais que para ali são enviados pela ONU no seu esforço humanitário, ou os que a Rússia consegue fazer sair dos seus portos.
Segundo uma edição recente do jornal turco Milliyet, um dos mais importantes no paísa, a China, a Espanha e a Turquia são os grandes beneficiários deste acordo do Mar Negro, que já permitiu a saída de mais de 30 milhões de toneladas de cereais pelo corredor do Mar Negro em perto de 950 navios, sendo que a maioria transportou milho e trigo.
Este acordo, que foi desbloqueado por acção da ONU e da Turquia, assinado entre estes dois actores e a Rússia e a Ucrânia individualmente, segundo dados da ONU, permitiu que apenas 27% dos grãos seguissem para países de pequeno e médio rendimento, como o Quénia ou o Egipto, enquanto 47 por cento chegou aos mais ricos, destacando-se entre estes os muito ricos Itália, Espanha e Países Baixos, todos com gigantescas industriais de carne de vaca, de porco, de enchidos e leite.
Entretanto, um grupo de países da Europa ocidental impediram em Março/Maio a importação de cereais ucranianos porque estes, beneficiando da política de isenção de taxas da União Europeia, estavam a enfrentar forte contestação interna dos seus agricultores, com a Polónia e a Eslováquia à cabeça, curiosamente os mais fervorosos apoiantes da... Ucrânia no conflito com a Rússia.
Face aos problemas concorrenciais que os cereais ucranianos estavam a causar, a Polónia, Hungria, Eslováquia, Roménia e Bulgária fecharam as fronteiras aos grãos ucranianos, mesmo sabendo que a exportação de cereais é a maior fonte de receitas de Kiev nesta fase da sua história, por causa da guerra.