Depois de ter vetado, enquanto um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, uma moção cujo teor é em tudo igual ao conteúdo da resolução albanesa que hoje vai ser votada na AGNU, a Federação Russa tem agora pela frente a dura batalha da contagem das abstenções, porque o grosso dos 193 membros da ONU vai, como, de resto, aconteceu nas duas resoluções a condenar a invasão, votar ao lado dos Estados Unidos da América e dos seus aliados ocidentais.
Quantos países vão votar contra a resolução, já se sabe que serão poucos, em torno de 10, contando com os seus aliados mais resilientes, como a Coreia do Norte, a Síria, Bielorrússia, Sudão, a Venezuela, e pouco mais, mas é nas abstenções que o mundo tem os olhos postos, porque se se confirmar que entre os 54 países do continente africano, cerca de metade optar pela abstenção, e, entre os gigantes do mundo, a Índia, a China, o Paquistão, o Brasil, entre outros latino-americanos, também se abstiverem, então em Moscovo poder-se-á abrir uma garrafa de champanhe, se ainda sobrarem dos stocks armazenadas antes das sanções ocidentais.
Esta sessão da Assembleia-Geral da ONU é especialmente organizada em torno do tema da guerra na Ucrânia, e, ao contrário das decisões aprovadas no Conselho de Segurança, que são vinculativas, estas são apenas indicativas, não havendo obrigação do seu cumprimento pelos "condenados", mas ficará nos espaços nobres dos media internacionais por muito tempo a irritar Moscovo, devido à maioria dos países a votar a favor da saída das forças russas do território ucraniano "incondicionalmente e imediatamente".
Neste capítulo, a Rússia já teve a sua primeira derrota, quando, na segunda-feira, remeteu para a AGNU uma resolução onde pedia que a votação de hoje fosse por voto secreto e não publicamente como vai acontecer, e é costume suceder, alegando que a maior parte dos países estão sob uma forte pressão dos EUA e não vão votar de forma livre e consciente por temerem represálias dos norte-americanos, especialmente os países mais sensíveis a essas ameaças em África, América Latina e Ásia.
Embora tenham passado mais de sete meses, e o Presidente João Lourenço ter dado sinais de uma possível reanálise ao conflito, especialmente depois de a 15 de Setembro, na sua tomada de posse ter pedido explicitamente à Rússia para parar com a guerra, e há escassos dias ter estado ao telefone com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Angola, devido aos laços históricos que mantém com Moscovo, deverá voltar hoje a optar pela abstenção.
Tal como África, no seu conjunto, deverá votar, sem grandes alterações, de forma semelhante ao que fez no início de Março, onde 35 dos 54 países do continente se abstiveram, tendo 141, dos 193 Estados-membros, votado a favor.
Mas é de esperar que o bloco africano acompanhe a sua votação de uma mais forte exigência de uma saída negocial para o conflito e uma decidida tomada de decisões que permitam acabar com a guerra e com os seus devastadores efeitos colaterais no mundo, especialmente no âmbito da insegurança alimentar e aumento gigantesco do custo de vida para milhºoes de pessoas que já lidam diariamente com dificuldades excepcionais, como, de resto, foi sempre, desde o início, a posição do Governo de João Lourenço.
Assim, nesta situação de retoma pela Assembleia Geral da ONU da 11ª Sessão Especial de Emergência sobre a invasão russa na Ucrânia, prevê-se um aceso debate em torno da guerra e das suas severas consequências, sendo ainda certo e seguro que a AG vai criticar de forma massiva não só as anexações mas também os referendos que as sustentaram, na perspectiva de Moscovo.
O presidente da Assembleia Geral da ONU, Csaba Korösi, pediu que, seja qual for o resultado desta votação e deste debate, seja mantido aberto um corredor para que as negociações visando um cessar-fogo e o fim do conflito, e para garantir que em forma alguma será colocada a possibilidade de uso de armas nucleares, sejam elas estratégicas ou tácticas.
O resto do mundo hoje
Em Astana, capital do Kazaquistão, os Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Turquia, Recep Erdogan, têm um encontro marcado à margem da Conferência sobre Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA, sigla em Inglês), o que é sempre visto como um nova possibilidade para que seja tirado um coelho da cartola para se encontrar uma saída airosa para todos deste conflito.
Erdogan tem tido um papel fundamental na busca de consensos para resolver problemas surgidos com a guerra, como, por exemplo, o acordo de 22 de Julho que permitiu a retoma das exportações de cereais da Ucrânia e da Rússia para os mercados internacionais, e tem insistido na sua condição de mediador para futuras negociações de paz.
Entretanto, o Presidente norte-americano, Joe Biden, disse já que não tem intenção de se encontrar com Vladimir Putin, na próxima cimeira do G20 - os 20 países mais industrializados do mundo -, em Novembro, que vai decorrer na Indonésia, e onde o senhor do Kremlin vai estar por pressão do país anfitrião mas também de alguns dos membros, como a China, o Brasil ou a Índia e a África do Sul, México, Argentina ou a Arábia Saudita, entre outros, mas claramente contra a vontade dos EUA e dos seus aliados ocidentais, Europa, Canadá, Austrália, entre outros.
Quase ao mesmo tempo soube-se também que os ministros da Defesa da NATO reúnem-se, hoje e quinta-feira em Bruxelas, para reforçar o apoio à Ucrânia devido às ameaças russas, debatendo ainda a salvaguarda de infra-estruturas críticas como gasodutos europeus, num contexto em que o Presidente ucraniano tem insistido na urgência de receber mais armas pesadas dos aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte, entre os quais os EUA são, de longe, os mais importantes e que já enviaram para Kiev mais de 17 mil milhões USD em material militar.
A par desta realidade, na linha da frente da guerra, soube-se que os serviços de segurança da Rússia (FSB) detiveram oito dos 12 suspeitos que foram identificados, suspeitos, incluindo cinco russos, ucranianos e arménios, de terem participado, na parte organizativa, do ataque à ponte da Crimeia, no Sábado, que levou a uma resposta gigantesca de Moscovo nos dois dias seguintes, com o lançamento de mais de 200 misseis e drones contra infra-estruturas ucranianas.
O FSB divulgou ainda, segundo a Russia Today, que a "master mind" pode detrás da organização do ataque à Ponte da Crimeia foi o chefe dos serviços de inteligência ucranianos (GUR), Kirill Budanov.
Com este anúncio, alguns analistas, como, de resto, os russos têm advertido desde o início do conflito, poder suceder, podem estar a preparar ataques directos aos edifícios que albergam as unidades especiais de "intelligentsia" ucraniana, nomeadamente em Kiev.
De Kiev, Zelensky já considerou a detenção destes oito indivíduos uma farsa montada pela Rússia para sustentar a sua tese de que se tratou de uma operação com impressão digital ucraniana, porque a tese do lado ucraniano é que se tratou de uma explosão criada a partir de dentro, da Rússia.
Tal como, na mesma linha de pensamento emitido por KIev, já foram os russos que atacaram a central nuclear de Zaporijia, apesar de a terem sob seu controlo, que foram ainda os russos que detonaram os gasodutos nord stream I e II, apesar de serem russos e a sua inoperacionalidade estar garantida com o simples fecho das torneiras e ainda que foram os russos que atacaram uma caravana de viaturas de população pró-russa que procurava deixar territórios sob controlo ucraniano para o interior das áreas dominadas pelos aliados locais de Moscovo.
Votação e ataques, uma má combinação
Há pelo menos quatro meses que as forças russas não atacavam, como sucedeu na segunda e terça-feira desta semana, a capital ucraniana e mais de uma dezena de cidades, com misseis de longo alcance, como Lviv, a maior cidade ucraniana na parte ocidental do país, junto à fronteira com a Polónia, um país da NATO.
Este recrudescer óbvio dos ataques russos às infra-estruturas civis e militares ucranianas - Vladimir Putin confirmou ser uma "retaliação" pelo ataque ucraniano na Crimeia, avisando que vai aumentar de intensidade se KIev mantiver a postura - a alvos em profundidade na Ucrânia é um retomar de uma estratégia que parecia estar posta de lado pela Rússia, que tem concentrado os meios disponíveis nos 1200 quilómetros de frente de guerra que vai do sul, no Mar Negro, em Kherson, ao norte de Lugansk, no Donbass, onde a Ucrânia tem anunciado vários sucessos na retoma de territórios que estavam sob controlo de Moscovo.
E é claramente uma resposta à destruição parcial da ponte que liga a Crimeia à Rússia continental, ao longo de cerca de 19 quilómetros, com vias rodoviárias e ferroviárias, num ataque planeado com recurso a um camião pesado que explodiu sobre o tabuleiro atingindo um comboio que circulava em paralelo carregado de combustíveis, envolvendo toda a infra-estrutura num mar de fogo, deixando-a fora de serviço por mais de 24 horas, tendo a Rússia, já no Domingo, anunciado que estava reposta a circulação.
A Rússia acusou os ucranianos de terrorismo depois deste ataque, tendo alguns analistas militares sublinhado que foi a primeira vez que em solo europeu foi usado um bombista suicida para um ataque entre países em conflito, que até aqui era apenas visto em missões suicidas de natureza radical religiosa islâmica.
O que conforma com o anúncio prévio da possibilidade de o Kremlin estar a preparar o anúncio de uma escalada na guerra ao terminar a sua "operação militar especial" iniciada a 24 de Fevereiro para dar lugar a uma operação anti-terrorismo na Ucrânia, o que permitiria legalmente a Vladimir Putin usar um mais vasto leque de instrumentos do seu arsenal, como, por exemplo, ataques directos aos tais centro de poder e de decisão, infra-estruturas de vários tipos, etc.
Essa é uma possibilidade como um dos temas em cima da mesa da reunião do Conselho de Segurança da Rússia que tem lugar esta segunda-feira, embora nada esteja confirmado, até porque o Presidente russo pode estar a protelar uma escalada neste conflito, incluindo aligeirar a resposta ao ataque à ponte na Crimeia, até 08 de Novembro, dia das eleições intercalares nos EUA.
Isto, porque o Presidente Joe Biden está em risco de perder as maiores tanto no Senado como na câmara dos Representantes, no Congresso, e um eventual aumento da tensão, sendo Washington o principal suporte militar e financeiro à Ucrânia, poderia levar os eleitores norte-americanos a colar o seu voto à Administração democrata.
Para já, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky ficou com um sério aviso, porque dois dos misseis disparados contra Kiev - além dos que atingiram Lviv, Dnipro, Zaporijia, etc. - caíram a uma pequena distância da Presidência ucraniana, deixando claro que Moscovo detém capacidade de furar as reforçadas defesas antimísseis na capital como precisão mais que suficiente para atingir locais onde se albergam os principais dirigentes em Kiev, com a sede dos serviços secretos a ficar a escassos metros de uma das explosões.
Face a isto, Zelensky chamou terrorista a Putin e disse que Moscovo está a tentar destruir a Ucrânia enquanto país.
Há vários meses que os cidadãos de Kiev não se viam obrigados a procurar refúgios nos tuneis do metro e isso voltou hoje a suceder, deixando, de novo, a capital sob uma densa nuvem de pânico, ao mesmo tempo que a energia de extinguia em dezenas de cidades depois de as centrais eléctricas e linhas de transporte de energia erem sido igualmente destruídas nestes ataques, além de que dezenas de linhas de abastecimento vitais, como nós rodoviários e linhas de caminhos-de-ferro, deixando o país fortemente fragilizado quando o Inverno se aproxima rapidamente com as suas temperaturas negativas que podem chegar aos 30 graus negativos.
Mas a temperatura da guerra pode estar claramente a aumentar, até porque os Estados Unidos foram o primeiro país a ordenar aos seus cidadãos a deixarem a Ucrânia o mais rapidamente possível.
Lideres alemão e norte-americano dizem que Putin cometeu "erro de cálculo"
Os líderes da Alemanha e dos Estados Unidos condenaram as recentes anexações de territórios da Ucrânia pela Rússia e consideram que se tratou de um dos vários "erros de cálculo" do presidente russo, Vladimir Putin, durante este conflito, que já vai no 8º mês.
Joe Biden e Olaf Scholz mantiveram uma conversa telefónica sobre a invasão militar russa da Ucrânia, deixando uma nota clara de condenação desta fase de escalada com as anexações de territórios ucranianos, que consideram uma violação massiva dos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas.
Segundo a Lusa, citado pela agência espanhola Efe, o porta-voz do executivo alemão, Steffen Hebestreit, afirmou que o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente norte-americano, Joe Biden, concordaram que a mobilização parcial decretada por Vladimir Putin demonstra, mais uma vez, "o preço amargo" que os cidadãos russos têm de pagar "pelos erros de cálculo" do seu presidente.
Os dois políticos lamentaram ainda as recentes ameaças nucleares "irresponsáveis" de Putin, que, a concretizarem-se, teriam "consequências extraordinariamente graves para a Rússia".
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.