A Rússia, através do seu Ministério da Defesa, anunciou que a cidade de Mariupol, na costa do Mar de Azov, onde decorreu a mais feroz batalha desta guerra que começou a 24 de Fevereiro, foi tomada pelas forças conjuntas das milícias da República de Donetsk e unidades de combate de Moscovo, o que deixa todo o sudeste ucraniano nas mãos dos russos, que têm assim um corredor aberto entre o Donbass e a Península da Crimeia.

Com esta conquista, que levou mesmo a que o Presidente russo, Vladimir Putin, fizesse um elogio público às tropas, e ao seu comandante, que conseguiram este feito militar, a Rússia tem toda a geografia que é palco desta segunda fase da guerra na Ucrânia à mercê das suas colunas, podendo tentar encurralar as forças ucranianas que estão nas imediações do Donbass, que é a região encostada à fronteira da Rússia composta pelas repúblicas de Donetsk e Lugansk, de maioria russófila, e que foram reconhecidas por Moscovo antes de 24 de Fevereiro.

No entanto, informou Sergei Shoigu, o ministro da Defesa russo, ainda estão encurralados nas instalações da metalúrgica Azovstal, uma gigantesca unidade metalo-mecânica situado no porto de Mariupol, perto de 2.000 combatentes do Batalhão Azov, composto por combatentes ucranianos nacionalistas e mercenários radicais com ligações a movimentos nazis e fascistas, que recusaram render-se por três vezes, em 72 horas, face a sucessivos ultimatos com garantias de que teriam as suas vidas poupadas.

Mas, face a este cenário de impasse e com a presença de mais de cinco centenas de civis, muitas mulheres e crianças mostradas em vídeos pelos militares encurralados, as chefias militares de Moscovo, depois de acusarem o Governo de Kiev de ter proibido a rendição destes homens, optaram por criar um cerco hermeticamente fechado, de onde não sairá, supostamente, ninguém.

Antes disso, foram libertados pelas forças russas centenas de civis, incluindo as tripulações dos navios apanhadas pelo conflito quando estavam no porto de Mariupol.

O grosso das unidades especiais das forças russas neste local, especialmente as temíveis unidades de comandos chechenos, são agora reintegradas nas colunas que se preparam para a batalha decisiva e, garantidamente, sangrenta nos perto de 490 kms de extensão de frente que liga Mariupol e a Crimeira à cidade de Kharkiv, situada a norte, passando pelas fronteiras das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

A única dúvida que não existe é que esta batalha, que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, foi o primeiro a anunciar o seu arranque, vai ser uma catástrofe humana e é isso que o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, depois de umas iniciativas falhadas, ao colocar-se claramente contra Moscovo, está agora a procurar evitar ao recuperar a sua condição de mediador, enviando cartas em separado a Vladimir Putin e ao Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, propondo encontros tanto em Moscovo como em Kiev, de forma, segundo o seu porta-voz, Stephane Dujarric, a procurar uma solução definitiva para o conflito.

As negociações que Kiev e "aliados" da NATO não querem, acusa a Rússia e a Turquia

No plano das negociações para que a guerra no leste europeu termine, primeiro com um cessar-fogo, e depois com um acordo de paz, a Turquia tem sido o país mais empenhado, tendo conseguido mesmo, ainda em Março, sentar à mesa, na cidade de Antalya, os ministros dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov e o ucraniano Dmitri Kuleba, e depois organizou várias rondas negociações das respectivas delegações oficiais, mas sem resultados papáveis.

Face a tanto esforço diplomático, com o próprio Presidente Recep Erdogan a oferecer-se para intermediar fisicamente um encontro ao mais alto nível, sem resultados, Ancara parece estar a chegar a um ponto de saturação e o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Çavusoglu, acusou directamente os países da NATO, liderados pelos Estados Unidos da América, de quererem prolongar artificialmente esta guerra.

O chefe da diplomacia turca justifica esta acusação defendendo que os países da NATO, que a Turquia integra como um dos seus mais poderosos membros, pretendem enfraquecer e desgastar a Rússia através de uma estratégia de alimentar o conflito com apoio militar ininterrupto à Ucrânia e a boicotar todas as tentativas negociais "porque o que suceder à Ucrânia pouco ou nada lhes importa".

O mesmo entendimento parece ter a China, que desde o início do conflito tem dito que as sanções dos países ocidentais não são eficazes nem estão de acordo com a lei internacional e pede que não sejam criados quaisquer obstáculos às negociações.

O Presidente chinês, Xi Jinping, numa intervenção perante homens de negócios, embora sem se referir à guerra, voltou a reafirmar que é um erro as potências ocidentais não perceberem que o mundo está hoje interligado e que não se pode evitar consequências para todos a partir dos problemas criados a um.

O líder chinês voltou a condenar as sanções económicas como ferramenta de pressão sobre os países, numa referência ao pacote de sanções ocidental contra a Rússia mas sem mencionar o conflito, defendendo que "o unilateralismo e o egoísmo não são praticáveis nos dias de hoje".

Jinping sublinhou, através de uma analogia com o funcionamento de uma máquina industrial, que a economia global tem tamanha complexidade que a criação de dificuldades numa das suas engrenagens afectará toda a máquina e se um dos seus componentes for danificado, nenhum dos restantes sairá incólume, o que, no actual contexto, só pode ser lido como uma crítica severa às sanções aplicadas à Rússia e a reafirmação da sólida cooperação entre Pequim e Moscovo.

Note-se que alguns analistas admitem a possibilidade de os EUA e os seus aliados ocidentais estarem a preparar o terreno, sendo a criação da aliança do Indo-Pacífico, AUKUS, uma ponta desse geoplaneamento, com o enfraquecimento da Rússia, para um posterior enfrentamento da China, numa batalha global mais vasta que visa objectivos geoestratégicos incompreensíveis para o comum dos mortais.

Do lado de Kiev, segundo as mais recentes declarações do Presidente Zelensky, existe um renovado ímpeto para negociações, tendo-o reafirmado, "e em qualquer formato", na quarta-feira, quando esteve reunido em Kiev com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que tem, tal como os seus colegas Ursula vonder Leyen, líder da Comissão Europeia, e Josep Borrel, chefe da diplomacia europeia, uma surpreendente postura de "falcão de guerra", defendendo a sua continuidade até à derrota da Rússia, contrariando décadas de posições pacifistas de Bruxelas.

Mas as ideias de Zelensky sobre uma saída para este conflito têm mudado em diversas ocasiões, ora admitindo que não há mais condições para negociar com Moscovo - especialmente depois do episódio a ser investigado de um alegado grave crime de guerra na cidade de Bucha , ora afirmando que está disposto a encontrar-se com o seu homólogo Vladimir Putin, aparecendo com mais ou menos vontade de negociar dependendo das conversas que tem mantido semanalmente com o Presidente dos EUA, Joe Biden, o seu maior financiador da guerra e fornecedor de material militar, e Boris Johnson, outro acérrimo defensor da resistência ucraniana, que agora são acusados pela Turquia de quererem manter a guerra para fragilizar a Rússia.

Esta permanente alteração da disposição negocial do Presidente ucraniano levou mesmo o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Lavrov, a dizer que Zelensky diz "tudo e mais alguma coisa dependendo do que lhe vem à cabeça", anunciando o Kremlin, através do seu porta-voz, Dmiti Peskov, que Moscovo enviou um draft de um acordo para Kiev decidir e dar uma resposta.

No entanto, o Kremlin tem sido acusado, tanto por Kiev como pelos seus apoiantes ocidentais, de não estar igualmente disponível para negociações e que tudo o que tem feito é ganhar tempo até conseguir ganhos territoriais importantes na frente da batalha para que depois se apresente a negociar de facto mas com conquistas adquiridas e a partir das quais não aceitará recuos geográficos dos seus ganhos de guerra, estando nesse universo todo o território do Donbass e, além da Crimeia, algumas áreas a norte e todo o corredor à beira-mar entre esta península e a República de Donetsk.

Entretanto, na frente de combate...

... as forças russas continuam a reforçar a sua estrutura ao longo da extensa linha da frente, perto de 500 quilómetros, com os reforços vindos da região de Kiev, que ocuparam no início da guerra, e com reforços provenientes da Rússia, estando, segundo alguns analistas, mais de 150 mil homens fortemente apoiados por meios aéreos e terrestres.

Do outro lado, estão perto de 60 mil ucranianos, as melhor preparadas e melhor equipadas unidades de combate leais a Kiev, que estão a receber de forma quase ininterrupta, excepto quando os russos conseguem destruir os carregamentos oriundos do oeste da Ucrânia, que chegam ao país pelas fronteiras da Polónia e da Eslováquia, armamento, nomeadamente misseis Stinger e Javelin, Made in USA, mas também artilharia de diversos calibres.

Para já ainda não começou a ofensiva russa terrestre, estando as forças de Moscovo a apostar ainda e apenas nos disparos de artilharia e ataques com misseis de precisão nos objectivos militares ucranianos, visando especialmente as suas defesas anti-aéreas e os depósitos de armamento chegado dos países da NATO.

Os especialistas militares chamam a atenção para o facto de os ucranianos terem criado condições de defesa sólidas ao longo dos últimos anos, tratando-se como se trata de unidades de combate veteranas que estão a combater as milícias independentistas de Donetsk e Lugansk, nma guerra de baixa intensidade que já dura há oito anos e já fez mais de 14 mil mortos entre as populações locais maioritariamente russófilas.

O que quer dizer que a ofensiva terrestre russa só deverá começar quando as suas chefias militares entenderem que os bombardeamentos já danificaram estas defesas quanto baste para reduzir os riscos da infantaria que tem de avançar no terreno disputado palmo a palmo, como sucedeu na II Guerra Mundial, prevendo-se inúmeras baixas de um e do outro lado...

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.