No Canadá, o ainda primeiro-ministro, demissionário, Justin Trudeau, já veio dizer que "nem que o Inferno congele", o país fará algum dia parte dos Estados Unidos, no Panamá, o Presidente Raúl Mulino avisou que a soberania sobre a infra-estrutura que liga os Oceanos Atlântico e Pacífico "não é negociável por nada", e na Europa, alemães e franceses já avisaram que nem a brincar "El Conquistador" deve falar em ocupar a Gronelândia.
Há ainda uma questão lateral, que foi a proposta do próximo inquilino da Casa Branca, numa conferência de imprensa na sua casa de Mar-a-Lago, na Florida, claramente organizada para provocar ruído global, que é mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, mas essa a Presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, matou à nascença com humor: "E porque não chamar aos EUA América Mexicana?!".
Das três frentes de conquista identificadas por Donald Trump, a anexação do Canadá, a tomada pela força, "se necessário", da Gronelândia e do Canal do Panamá, apenas a ameaça sobre a gigantesca ilha gelada sob jurisdição de Copenhaga é para levar a sério.
E isso, porque é um desejo e objectivos antigos que "residem" na cabeça de Trump há décadas, como o próprio admitiu, tendo mesmo sido um tema polémico na sua primeira passagem pela Casa Branca, entre 2017 e 2021, e está na agenda dos EUA desde pelo menos 1867.
Antes de Trump, a última tentativa de aquisição da Gronelândia, uma gigantesca ilha recheada de recursos naturais, especialmente petróleo e gás, e com uma posição geográfica estratégica para a futura disputa territorial pelo acesso económico ao Ártico, onde as grandes potências como a Rússia, aliada à China, e a União Europeia, já estão devido à ligação territorial, foi em 1946, pelo então Presidente Harry Truman, por 100 milhões USD, o equivalente hoje a 1,6 mil milhões.
No mapa, esta gigantesca ilha, com de 2,166 milhões de kms2 (Angola tem 1,2 milhões) com cerca de 56 mil habitantes, está localizada no Atlântico Norte, fazendo parte da Dinamarca, país europeu, mas integrando o continente americano (América do Norte), sendo um alvo dos Estados Unidos desde sempre.
Isto, porque se um dia for anexada, conquistada ou comprada pelos EUA, que já fizeram o mesmo com o Alasca, comprado à Rússia por 7,2 milhões USD (150 milhões ao valor de hoje) precisamente em 1867, ano em que surgiu a primeira proposta pela Gonelândia, os "americanos" passam a ter um pé no Ártico, que é a próxima grande fronteira de conquista da Humanidade.
Esse novo mapa de conquistas no Ártico é já uma certeza pela transitabilidade devido ao degelo gerado pelas alterações climáticas, como pela existência provada de gigantescos recursos naturais nesta região ainda gelada, incluindo os tradicionais petróleo e gás, mas com especial destaque para os minérios estratégicos indispensáveis nas indústrias 2.0.
"El Conquistador" justificou, no entanto, perante dezenas de jornalistas de todo o mundo, em Mar-a-Lago, que o seu apetite pela Gronelândia dinamarquesa advém da necessidade de "garantir a segurança do mundo livre" porque só os EUA podem evitar que os chineses e os russos usem as suas águas para circular livremente pela América do Norte.
A estratégia parece ser criar ruído estridente com a ideia da anexação do Canadá e do Canal do Panamá, bem como mudar o nome ao Golfo do México, para melhor focar as atenções na Gronelândia, que admite tomar a bem, negociando um preço, ou a mal, pela força das armas.
E o sinal já foi dado de que o apetite "d"El Conquistador" é para levar a sério no que diz respeito a esta ilha dinamarquesa. O seu filho mais velho, Donald Trump Jr, que tem servido como seu enviado especial oficioso para as questões importantes, deslocou-se à Gronelândia para uma visita privada sem avisar as autoridades de Copenhaga, num gesto de clara animosidade.
O que caiu muito mal nos países europeus e onde, além da União Europeia, que já reagiu afirmando que a ideia de anexação da Gronelândia aos EUA não tem qualquer possibilidade de vingar.
Mas foi a França e a Alemanha que vincaram com mais força a ideia de que "qualquer tentativa de ferir o princípio da inviolabilidade das fronteiras europeias aplica-se a todos os países, seja eles pequenos ou grandes potências", como apontou o chanceler Olaf Scholz, ou, segundo o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Noel-Barrot, que defende que "obviamente não existe qualquer possibilidade de a União Europeia deixar outras nações do mundo atacarem as suas fronteiras soberanas".
E os europeus, apesar de com reacções muito longe da severidade que mereceu, por exemplo, a noção de que a Rússia iria atacar a Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022, começam agora a reagir de forma mais séria aos ímpetos "d"El Conquistador" que o que sucedeu no seu primeiro mandato.
Até porque, desta feita, existe o precedente ucraniano, em que dificilmente seria aceitável que a Europa ocidental tenha reagido com enorme severidade aos avanços de Moscovo sobre um país que não é da União Europeia e mantenha um "low profile" quando a ameaça inside directamente sobre as suas próprias fronteiras.
A Dinamarca, que já está habituada a estas investidas, pelo menos desde 1867, por parte de Presidentes norte-americanos, desta feita parece estar a levar a ameaça mais a sério e, numa jogada sem precedentes, o Rei da Dinamarca, Frederik Christian, mudou a configuração do seu Brasão Real para nele salientar a região autónoma da Gronelândia como parte inteira do reino.
Esta ousada jogada de Trump veio desbravar e colocar em saliência uma perigosa realidade (ver aqui) que é o risco de servir de mote para despoletar uma sucessão imparável de anexações pela força de territórios em dispita em todo o mundo, onde África emerge com especial ênfase.
E isso mesmo parece ter sido percepcionado pelo Governo francês, um dos que possui mais territórios ultramarinos nessa condição, como ministro Noel-Barrot a afirmar que não crê por um segundo que os EUA possam invadir a Gronelândia mas admitindo ao mesmo tempo que o mundo está a "entrar numa época de regresso da sobrevivência dos mais fortes".
Ninguém, como notou ainda o chefe da diplomacia francesa, antecipa uma possibilidade de um confronto militar entre a União Europeia e os Estados Unidos, mas é igualmente entre os analistas que abordam este tema que, se tal cenário se pudesse materializar, os europeus nada poderiam fazer porque, mesmo dentro da NATO, são os EUA que garantem a consistência militar dos próprios... europeus.
E é por causa dessa impotência que, ao contrário do que se viu antes da invasão russa da Ucrânia, a União Europeia aposta num discurso anti-inflamatório, apelidando as palavras de Trump como "meramente teóricas", notando, porém, que a inviolabilidade das fronteiars europeias não é sequer uma hipótese.
"São declarações altamente especulativas", disse a porta-voz da Comissão Europeia, Paula Pinho, acrescentando que "há muitas ameaças que não se materializam e, neste cenário, não acreditamos que seja necessário ir além disso".
As declarações "d"El Conquistador" foram feitas na terça-feira e, até agora, quinta-feira, ainda não se conheceu qualquer plano de lideres europeus, como do conselho europeu, António Costa, ou da comissão europeia, Ursula von der Leyen, tenham marcado visitas à Gronelândia para apoiar Copenhaga, enquanto Trump já lá colocou o seu filho a... marcar o território.