Foi com estrondo que o Presidente-eleito dos Estados Unidos da América, Donald Trump, a menos de duas semanas de assumir o cargo, veio, nas últimas horas, numa conferência de imprensa na sua casa de Mar-a-Lago, na Florida, insistir que quer anexar o Canadá, comprar, a bem ou a mal, a Gronelândia, região autónoma da Dinamarca situada entre a Europa e a América do Norte, controlar o Canal do Panamá e mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, deixando o mundo de boca aberta e os analistas baralhados e sem saber muito bem o que pensar.

Esta vaga de novas ocupações que trazem à memória o expansionismo territorial de Hitler, nas décadas de 1930 e 1940, na Alemanha, e as ocupações da então União Soviética, no século XX, ou a mais distante época dos "descobrimentos", quando potências europeias colocaram metade do mundo sob sua jurisdição colonial, pode reacender a chama da conquista e levar ao surgimento de pequenos ou grandes focos de invasões de territórios soberanos.

E o mapa do continente africano está polvilhado de áreas em disputa territorial (ver foto), desde o Saara Ocidental à Somália, nos Grandes Lagos, com o leste congolês a ser lentamente devorado pelas forças rebeldes instrumentalizadas pelo Ruanda, ou nas fronteiras de Angola, não apenas Cabinda como também a questão adormecida da disputa dos mares entre a RDC e Angola na embocadura do Rio Congo onde Luanda tem boa parte da sua exploração petrolífera, ou, entre outras, a velha questão entre o Senegal e a Guiné-Bissau de Casamança...

Na conversa com os jornalistas em Mar-a-Lago, Donald Trump disse ainda que compreende a posição da Rússia sobre a questão da adesão da Ucrânia à NATO, o que resulta claramente na admissão de que a invasão russa e a anexação das cinco regiões ucranianas tem, para ele, uma lógica razoável.

Estas palavras de Trump não são apenas uma má notícia para os ucranianos, porque parecem admitir como razoável a conquista russa do leste ucraniano, são também a demonstração de que quando o ainda candidato a Presidente dos EUA falava, na campanha eleitoral, de fazer a "América grande de novo", estaria afinal a proclamar uma intensão de expansão territorial "por razões de segurança nacional", como disse na terça-feira, 07, na Florida.

E no mapa mental de Donald Trump estava, afinal, o vizinho do norte, o Canadá, que ameaça anexar através da subjugação económica com tarifas que podem, no limite, tornar inviável aquele país, a Gronelândia, uma gigantesca ilha autónoma, geograficamente dentro da América do Norte mas sob jurisdição da coroa dinamarquesa, e o famoso Canal do Panamá, essencial para o comércio marítimo global ligando o Atlântico e o Pacífico.

Se no caso do Canadá, Trump não coloca a possibilidade de uso da força para a ocupação, já sobre o Canal do Panamá, que esteve até 1999 sob gestão norte-americana, e a Gronelândia, alegando questões de segurança interna e segurança económica dos EUA, Trump admite recorrer à força militar para o conseguir, mesmo que a primeira linha de acção seja negociar com o Panamá e com a Dinamarca para que o controlo passe pelo dinheiro e não pela boca das armas.

Os analistas, unindo-se todos na surpresa com que receberam as palavras do novo Presidente dos EUA, dividem-se, no entanto, nas reais intenções de Donald Trump, porque se tais objectivos são politicamente complexos, legalmente são impossíveis de atingir, considerando que teria de contar com pelo menos dois terços do Congresso para aprovar uma acção militar que chocaria com todos os tratados internacionais que têm servido a Washington para justificar a actual Ordem Mundial baseada nas suas regras.

Outra anormalidade na linha política de Trump é que este, ao longo da sua vida política conhecida, sempre apostou na aposta interna e não na política externa, defendendo sempre que os EUA devem, como é o caso da NATO na Europa Ocidental, sair de cena de forma a evitar despesas e recursos em geografias que não lhes dizem respeito...

Porque surge agora Donald Trump tão empenhado em fazer dos EUA uma potência expansionista em vez de, como se esperava, investir todos, ou quase todos, os seus recursos na questão do combate à imigração ilegal, a sua grande promessa eleitoral, e no fortalecimento da economia nacional?

Está a aproveitar a oportunidade. Pelo menos parece ser essa a razão. Como homem de negócios, sempre que uma boa oportunidade de conseguir ganhos volumosos surge no horizonte, mesmo que não esteja à procura, não deixa de a aproveitar. E parece ser isso que o próximo inquilino da Casa Branca, onde deve entrar com estrondo a 20 de Janeiro, está a fazer.

Valendo-se do poderio económico e militar que os EUA ainda possuem, Trump, com os seus novos assessores, de onde parece destacar-se cada vez mais o polémico Elon Musk, o "sr Tesla", visto como o homem mais rico do mundo, cuja genialidade tanto o Presidente-eleito gosta e faz questão de afirmá-lo, estará "apenas" a aproveitar a oportunidade...

Se os russos estão a expandir para oeste, se os israelitas estão a ocupar Gaza e a Cisjordânia e se os turcos estão, finalmente, a tomar de assalto os territórios sírios, sob a capa de estarem a lidar com um problema de segurança interna atacado os Curdos independentistas, porque não, terá pensado a dupla Trump-Tesla, também os EUA navegar esta onde e resolver os "pendentes" que são a Gronelândia, o Canal do Panamá e o Canadá, embora este assunto canadense seja, claramente, uma espécie de cortina de fumo para distrair do resto.

É que o Canal do Panamá, que foi inaugurado em 1914, esteve sempre em disputa, com Colômbia, França e EUA entre os seus gestores, tendo em 1999 os EUA passado esse controlo para o Panamá mas, ao que parece, Trump quer agora retomar a sua gestão, até porque, como lembrou o novo Presidente norte-americano, a China tem vindo a ganhar presença na região, controlando dois grandes portos num e noutro lado desta passagem de 82 kms entre Atlântico e o Pacífico.

E a Gronelândia está na mira dos EUA desde o século XIX, com várias tentativas de aquisição e controlo, sendo uma das últimas em 1953, quando o Presidente Harry Truman ofereceu 100 milhões USD (mais de 1, 6 mil milhões de dólares hoje) à Dinamarca pela gigantesca ilha cuja geografia permitiria agora aos Estados Unidos, além de aceder às suas riquezas naturais, petróleo, gás e diversos minérios estratégicos, disputar com a Rússia, que já tem projectos na região com a China, e os países europeus nórdicos o Ártico, que é vista como uma das regiões mais estratégicas do Planeta Terra e na qual todas as grandes potências têm os olhos postos...

Dificilmente Donald Trump levará estas conquistas para o terreno, empenhando as suas forças militares, podendo o plano ser esperar que o bluff resulte e que tanto o Panamá como a Dinamarca prefiram aceitar negociar que entrar em guerra com os EUA... mas tanto o Presidente José Raúl Molino, como o Governo dinamarquês já vieram dizer que as pretensões de Trump nunca serão conseguidas, tendo mesmo a Dinamarca alterado o brasão real para nele salientar a Gronelândia como parte inteira do reino...

Entretanto, a França, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Noel Barrot, já veio avisar Trump que quaisquer pretensões norte-americanas de ameaçar as fronteiras soberanas da União Europeia terá a resposta firme e necessária do bloco europeu porque não há qualquer hipótese de abdicar de nenhuma parte dos seus territórios.

Esta reacção francesa é normal considerando que alguns dos seus territórios ultramarinos estão sob ameaça, como o arquipélago de Mayotte, no Índico, entre Moçambique e Madagáscar, que é um dos territórios da União Europeia claramente sob pressão de vizinhos, no caso das Ilhas Comores...

Só que há um risco, porque não seria a primeira vez, basta lembrar que o avanço da Alemanha nazi para o leste europeu em 1939, abrindo portas à II Guerra Mundial, acedeu o rastilho para uma sucessão de conquistas de territórios em todo o mundo, desde o Japão no sudeste asiático ao continente africano, quando britânicos, portugueses e franceses tiveram de voltar a pegar em armas para defenderem as suas colónias...

A questão agora é se as peças em mudança no xadrez geográfico mental de Donald Trump, mesmo tratando-se de um bluff, não poderão contaminar outras partes do mundo, incluindo, naturalmente, África, com alguns países a aproveitarem o contágio para resolverem questões antigas pendentes...

E não faltam exemplos onde tal "infecção" pode começar a fazer vítimas...