Passam esta quarta-feira, 07 de Agosto, dez meses desde que o Hamas lançou um histórico e brutal ataque ao sul de Israel. Os israelitas não perderam tempo e, horas depois, lançavam uma operação militar sem precedentes em dimensão e força sobre Gaza com resultados que rapidamente se percebeu que seriam catastróficos. E foram.
Foram mortos 40 mil palestinianos, na maioria crianças, mulheres e idosos, o mundo olha boquiaberto para um Médio Oriente à beira do abismo e o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau continua seguro no poder em Telavive, e também em Washington, fazendo gato-sapato do fragilizado Presidente Joe Biden, que começa a parecer, pelo menos oficialmente, estar a chegar ao limite da paciência para o seu amigo "Bibi"...
Não é preciso ir ouvir os analistas palestinianos, sequer árabes, nem os mais próximos do Irão e dos seus aliados estratégicos, russos e chineses, basta ler e ouvir o que escrevem e dizem cada vez mais analistas israelitas, para se concluir que a guerra em Gaza e a flamejante insegurança no Médio Oriente se deve apenas à necessidade do poder para a sobrevivência política de Benjamin Netanyhau.
Porque só sobrevivendo politicamente é que o primeiro-ministro de Israel consegue manter-se longe dos tribunais, onde está acusado de corrupção agravada e a guerra lhe proporcionou um salvífico "intervalo", mantendo ainda, embora cada vez menos evidente, um controlo sobre as manifestações populares diárias contra a sua governação.
Mas, nestes dez meses de guerra em Gaza e constante pré-guerra com o Irão e os seus braços armados na região, o Hezbollah, no sul do Líbano, os Houthis, no Iémen, e as milícias xiitas na Síria e no Iraque, a quem os analistas passaram a chamar "eixo da resistência", Netanyhau, o "Bibi" dos americanos, arranjou ainda mais lenha para a fogueira em que, provavelmente, irá arder...
Isto, porque, além dos seus problemas na justiça que vinham de antes, as manifestações populares que lhe mordiam as canelas, e a fragilidade da coligação do seu Governo, o mais nacionalista radical, religiosamente e ideologicamente, desde a fundação do Estado de Israel em 1948, o 07 de Outubro abriu uma janela para aquilo que quase de certeza é hoje a principal razão pela qual o chefe do Governo israelita quer e tem de se manter no poder para sua própria protecção.
Como o Novo Jornal também noticiou, há já largos meses que em Israel crescem as dúvidas sobre o desempenho das forças de segurança, as secretas e o Exército de Israel no 07 de Outubro, com todo o processo de organização e preparação para o ataque envolvendo três mil combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica, com captura de reféns, a passar desapercebido ao Shin Bet (a secreta interna), a Mossad (externa) e a AMAN (secreta militar), tidas como entre as mais eficazes do mundo.
Algumas vozes mais corajosas, como é o caso do Haaretz e dos seus jornalistas, o jornal israelita mais activo na denúncia dos esquemas de Netanyhau, dizem que assim que o contexto de instabilidade militar terminar, o primeiro-ministro e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, além dos líderes destas organizações, vão ter muitas explicações a dar para as inexplicáveis falhas de segurança naquela que é a fronteira mais vigiada do mundo, tanto por pessoal como por meios tecnológicos 2.0.
O falhanço que "Bibi" quer apagar
Com Gaza a ser já o palco mais visível do falhanço quase total das Forças de Defesa de Israel (IDF) para conseguir os três objectivos anunciados por "Bibi" a 08 de Outubro, todos por cumprir ao fim de 10 meses de guerra, 40 mil civis mortos e destruição sem paralelo, que eram aniquilar o Hamas, libertar todos os reféns e fazer deste território uma zona de risco zero para Israel, só lhe dar mais um passo para a derradeira catástrofe, que será uma guerra aberta com o Irão. E é o que muitos analistas admitem já que pode ser inevitável.
Isto, porque, num tremendo desafio à paciência estratégica de Teerão, depois de a 01 de Abril terem matado dois lideres de todo da Guarda Revolucionária no consulado iraniano de Damasco, na Síria, agora um míssil teleguiado israelita levou ao regime do aiatola Ali KHamenei a humilhação suprema: matar um convidado de honra à sua guarda, o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, quando este estava na capital iraniana para assistir à tomada de posse do Presidente Masoud Pezeshkian.
A tudo isto, e depois de ter elegido um Presidente moderado que, na campanha eleitoral anunciou, com rara coragem, a tal ponto de só ser possível depois de passar pelo crivo do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, que era sua intenção retomar as relações amigáveis com os Estados Unidos e com a Europa Ocidental, o Irão está num dilema gigantesco, que é não poder voltar atrás na promessa de punir Israel e saber que se o fizer estará a ajudar Benjamin Netanyhau no seu plano de incendiar o Médio Oriente para seu único benefício pessoal.
O mais experiente, longevo e rude primeiro-ministro israelita de sempre está de tal modo empenhado em levar esse plano avante que, para isso, dispôs-se a arrastar o aliado americano para um conflito que, aparentemente, só um punhado de "falcões" em Washington e Telavive desejam, contra a vontade do Presidente Biden e da sua vice-, Kamala Harris, que é agora igualmente a candidata democrata à Casa Branca nas eleições de 05 de Novembro.
Com o "lobby" judeu na "América" a trabalhar a todo o vapor para garantir que a máquina de guerra dos EUA está disponível para cobrir a sua aposta arriscada, Netanyhau não parece vacilar perante nada, mesmo depois de o "amigo" Joe Biden ter, segundo o site Axios, vindo deixar saber que está pelos cabelos das artimanhas do seu "Bibi", e mantém os seus guerreiros a matar civis em Gaza como se estivéssemos no "day after" do 07 de Outubro.
"Bibi" já não encanta...
Só que, em Israel, são cada vez menos aqueles que se mantém nesta caminha tresloucada para o abismo iniciada por Netanyhau, que está permanentemente a ser picado pelos "Chihuahua" do seu executivo, os dois partidos fascistas nacionalistas e radicais religiosos liderados pelos ministros Bezalel Smotrich, do Partido Nacional-Religioso Sionista, e Bem-Gvir, líder do Otzma Yehudit, partido assumidamente anti-árabe.
Gideon Levy, jornalista do Haaretz e autor conhecido de várias obras sobre a realidade israelita, numa conversa recente no podcast Big Picture, garante que "Israel não aprendeu nada com a sua própria história".
"Depois de dezenas de assassinatos que nunca serviram quaisquer interesses de Israel, continuamos nesse caminho como se um dia os problemas de Israel pudessem ser resolvidos desta maneira", aponta GIdeon, que recorda que Haniyeh era um líder considerado moderado do Hamas e estava à frente das negociações para um cessar-fogo com Israel mediado pelos EUA, Egipto e Catar.
Gideon sublinha ainda que o Governo israelita insiste na ilegitimidade dos seus inimigos, como o Hamas, o Hezbollah... mas usa de clara ilegitimidade à luz da lei internacional na operação miliar em Gaza, nos assassinatos de lideres locais e regionais...
"Ninguém em Israel pode afirmar com um mínimo de segurança quais vão ser as consequências destas mortes, desta guerra...", adverte o jornalista, que sublinha ainda que "Israel nunca conseguiu nada com estas mortes, apenas demonstra arrogância, a arrogância de que tem como matar quem quiser e quando quiser...".
Para Gideon Levy, "são apenas clichés que servem unicamente a política doméstica, mas não têm qualquer serventia para construir a paz através da diplomacia", como o demonstra a evidência de que "o país está hoje pior que antes", vivendo um momento de "orgulho e medo".
"Porque debaixo da arrogância está o medo crescente em Israel, onde é cada vez menor a capacidade de antecipar as consequências dos seus actos", disse, notando igualmente que "se as conversações de paz podem ser retomadas no futuro, para já estão mortas" sem que ninguém possa "adivinhar como vão ser as próximas semanas".
Gideon recorda, contudo, que "Benjamin Netanyhau foi, durante décadas, "muito cuidadoso" para evitar uma guerra regional aberta, mas, agora, "parece estar disposto a tudo", deixando perceber que a fragilidade dentro da coligação de Governo o colocou na condição de não olhar a meios para atingir os seus fins pessoais.
"Nem sequer já distingue um chefe militar do Hamas em Gaza e um líder político que lidewra uma delegação que está a negociar a paz", afirma ainda Gideo Levy ao podcast Big Picture, onde adverte para o facto de os factos mostrarem com inequívoca clareza que o Exército israelita já não é tão capaz como no passado, o que acresce no risco para o país contido nesta estratégia de Netanyhau.
O que só se explica com "Bibi" já ter dado como certo que não há limites para o que está disposto a fazer para se salvar tanto politicamente como na sua vida estritamente pessoal, porque o fim da guerra neste momento seria o fim da sua carreira e, provavelmente, da sua liberdade.
E isto é tão mais relevante quando se sabe que, como hoje realçam alguns media, incluindo o português Público, a partir da imprensa israelita, são cada vez mais os lideres de topo militares, como o comandante das IDF, Herzy Halevi, o líder da Mossad, David Bernea, o chefe do Shin Bet, Ronen Bar, ou ainda o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que defendem a assinatura de um acordo de cessar-fogo com o Hamas.
Um cenário que permite aceitar que o primeiro-ministro possa estar a passar por forte pressão, não apenas para mudar de rumo político, como ainda para resignar ao cargo, dando ouvidos aos milhares que nas ruas se manifestam contra a sua governação, ao que se soma o incómodo que esta está a gerar nos sectores mais ligados à segurança e defesa.
Alias, é ainda de sublinhar que em Israel são cada vez mais sonoras as vozes que entendem que é do interesse nacional evitar uma guerra com o Irão, e que isso seria mais fácil de garantir garantindo total abertura e garantias de, agoira, ser de boa fé que será assinado um cessar-fogo em Gaza.
E o facto de isso corresponder, com pouca margem para dúvida, ao fim da linha da vida política de Benjamin Netanyhau, incomoda igualmente cada vez menos em Israel, ou mesmo entre os aliados, como fica claro quando os media do país noticiam que o Presidente norte-americano telefonou a "Bibi" e lhe disse, depois da morte de Ismail Haniyeh, com vigor: "Pára de me enganar!".
O Irão vai atacar... ou talvez não!
Com a tensão instalada face à expectativa alimentada pelos media internacionais de um iminente ataque iraniano a Israel, estas questões estão em segundo plano, mas com o passar dos dias, se os misseis iranianos não começarem a voar para Israel, começarão a voar para as páginas dos jornais e ecrãs de tv estas perguntas...
- Porque é que Netanyhau optou por arriscar humilhar o seu principal aliado, obrigando-o a colocar-se ao seu lado, apesar de ter feito propositadamente colapsar as negociações com o Hamas em que Washington estava empenhada na qualidade de mediador?
- O que leva Biden a ignorar a forma indigna como o primeiro-ministro o está a tratar, expondo ainda mais as suas fragilidades, ignorando não só os seus apelos para aceitar ceder o suficiente para assinar um cessar-fogo com o Hamas, como implodiu esse processo negocial com os atentados da semana passada?
Nalguns média, como no britânico The Guardian, ou no norte-americano The New York Times, a resposta iraniana já está em curso, na forma de um recente ataque com roquetes de pequena dimensão e poder explosivo, a uma base anglo-americana no Iraque, lançados por uma milícia xiita pró-iraniana.
A Base Asad, a maior que os EUA possuem no Iraque, contra a vontade do Governo de Bagdade, foi atingida por dois roquetes katyusha na noite de segunda-feira para hoje, terça, 06, ferindo cinco militares ocidentais.
No entanto, este tipo de ataques são comuns e ocorrem ciclicamente, mesmo fora de contextos de maior melindre, como é o caso do actual cenário, sendo difícil encarar o que foi feito contra a Base Asad como parte da retaliação de Teerão.
São, no entanto, um alerta para as lideranças militares norte-americana e israelita, com o secretário da Defesa, Lloyd Austin, e o ministro das Defesa, Yoav Gallant, em permanente contacto, tendo mesmo, segundo a Reuters, feito já uma análise a este ataque no Iraque, considerando tratar-se de uma arriscada escalada regional.
Ora, uma das certezas que os EUA têm, na circunstância de despoletar um conflito alargado israelo-iraniano, todas as bases e instalações militares norte-americanas na região, incluindo os seus meios navais, como os porta-aviões, alvos vulneráveis aos misseis hipersónicos iranianos, serão alvos preferenciais das milícias e grupos pró-Teerão.
E no momento em que os EUA vivem um período flamejante de campanha eleitoral para as Presidenciais de 05 de Novembro, quaisquer baixas militares podem influir negativamente nos objectivos democratas de Kamala Harris em levar de vencido o republicano Donald Trump.
E essa é a outra indesculpável armadilha de Netanyhau aos democratas de Joe Biden e Kamala Harris, forçando esta tensão que, no contexto eleitoral, pode gerar vantagens para Trump, que é o amigo de longa data e candidato preferido do primeiro-ministro israelita.
Os amigos são para as ocasiões
Tanto em Washington como em Londres, a defesa de Israel está a ser vista como se de uma ameaça aos próprios Estados Unidos e Reino Unido fosse, o que fica claro ao somar os meios militares destacados por estes dois países na região.
Só os Estados Unidos deslocaram para o Mar Mediterrâneo Oriental dois porta-aviões, o USS Abraham Lincoln e o USS Gerald R. Ford, embora, com clara e intencional desinformação passada para os media norte-americanos, seja difícil verificar se estes já estão no local, se estão a caminho ou se são outros os navios desta classe em prontidão na região.
Mas não há dúvidas de que os EUA e o Reino Unido têm presentemente dois porta-aviões, ou vão ter em breve, um porta-helicópteros, cerca de 20 navios de guerra de diferentes categorias, incluindo submarinos nucleares.
Além de terem efectuado um reforço substancial dos meios colocados nas bases da região que Londres e Washington possuem no Médio Oriente, incluindo na Arábia Saudita, Emiratos, Catar, Bharain e Kuwait...
Nestas bases estarão agora mais de 100 aviões de guerra, incluindo dezenas dos modernos F-35 e F-22, além de mais de 40 mil miliares dos vários ramos, com destaque para várias unidades de forças especiais.
A liderar a força ocidental de apoio a Israel para uma eventual guerra com o Irão, ou para defender Telavive de um ataque retaliatório de Teerão, está há já vários dias na região, segundo a Associated Press, o general Michael Erik Kurilla, que dirige o Centro de Comando dos EUA para o Médio Oriente, com visitas sucessivas aos vários países onde estão localizadas as bases norte-americanas.
É bom recordar que o Irão tem um dos éxercitos mais poderosos do Mèdio Oriente e tem acordos de defesa com a Rússia e a China que lhe garantem há largos meses uma acelerada modernização do seu equipameno militar. (ver links em baixo)
Entretanto, em Gaza...
... as atrocidades israelitas continuam sem travão e só na última semana foram mortas mais de 150 pessoas, como sempre, na sua maioria crianças, colocando o número total de mortos em Gaza desde 07 de Outubro nas 40 mil, das quais mais de 20 mil são crianças e perto de 15 mil mulheres e idosos.
Seguem ainda as acusações de genocídio contra Netanyhau e os seus ministros, bem como os mandatos internacionais de captura emitidos contra estes, bem como lideres do Hamas, pelo Tribunal Penal Internacional e pelo Tribunal Internacional de Justiça.
E Yahya Sinwar, até aqui o chefe militar do Hamas em Gaza, que lidera o braço armado deste movimento, as Brigadas Al-Qassan, é o novo líder do Hamas, acumulando a liderança militar com a chefia política, o que deixa em perspectiva uma nova rugosidade negocial para um eventual cessar-fogo em Gaza... se, entretanto, também não for assassinado pelos israelitas.