A razão pela qual está a demorar tanto um ataque em grande escala contra Israel, depois de intempestivas ameaças pelo assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerão, embora escasseiem informações, é resultado directo da visita ao Irão do secretário do Conselho de Segurança da Rússia.
Sergei Shoigu chegou à capital iraniana horas depois do assassinato de Ismail Haniyeh, em Teerão, onde estava para presenciar a cerimónia de posse do novo Presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, que fez implodir por longos meses as negociações de paz para Gaza.
Não há uma explicação clara para o Irão estar a protelar a resposta a Israel, especialmente depois de o próprio líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, se ter comprometido com essa retaliação imediata.
E esta contenção é ainda mais relevante quando se sabe que, no contexto cultural e religioso iraniano, a ofensa de atacar um hóspede não tem paralelo, sendo um "desafio" muito doloroso de não responder adequadamente.
Para isso, pode ainda estar a contribuir o pedido de uma reunião urgente à Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) pelo Irão, embora este tipo de pedidos urgentes serem vulgarmente meros instrumentos para ganhar tempo, visto que raramente esta assume uma posição consensual e quando isso acontece, a sua relevância é escassa.
Mas o mais verosímil fio narrativo passa pelo empenho de Moscovo, em sintonia com Pequim, para reajustar as decisões do Irão em conformidade com o "grand jeu" global onde o Sul Global liderado pelos BRICS se bate pelo desmoronamento da ordem mundial que há 80 anos serve os interesses do Ocidente Alargado liderado pelos EUA.
Ou seja, um ataque em larga escala do Irão, com mais substância que o que sucedeu a 13 de Abril, em retaliação pelo abate por Israel de dois generais de topo da Guarda Revolucionária do Irão no consulado na capital Síria, Damasco, através de um míssil de precisão, iria agora consolidar a frente ocidental criada por Washington para ajudar na defesa de Israel.
Mas se, pelo contrário, o Irão não atacar como esperado, com o passar dos dias, questões delicadas para Telavive vão começar a surgir, o que já está a suceder, como quando o Presidente norte-americano deixou sair para os media que advertiu o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, a quem mais interessa uma escalada regional do conflito de Gaza, para o "deixar de enganar".
Além disso, mais cedo ou mais tarde, se o Irão mantiver o dedo longe do gatilho, depois de os EUA terem passado meses a pugnar oficialmente, pelo menos, por um cessar-fogo em Gaza, na qualidade de aliado maior de Israel, a morte de Hanyieh emergirá como uma facada nas costas de Netanyhau a Biden.
E é esse cimento que uma escalada na guerra fortificará que Moscovo quer ver desfazer-se, o que só é possível se Teerão alinhar nessa estratégia, e que, efectivamente, também é do interesse de longo termo do Irão, um dos países mais vergastados pelas sanções ocidentais geridas pelos EUA e União Europeia...
Curiosamente, depois de o Novo Jornal ter abordado esta possibilidade de um adiamento estratégico da retaliação iraniana (ver links em baixo), a TASS, a agência de notícias oficial russa, publica uma notícia, nesta quinta-feira, 08, onde afirma que "o Irão pode estar a repensar" a sua estratégia.
Citando uma outra notícia do Politico, um dos media norte-americanos mais focados nas decisões das Casa Branca, a TASS avança que Teerão está a "recalibrar a resposta a dar a Israel" depois do assassinato de Ismail Hanyieh.
As fontes citadas pelo Politico a partir de dentro da Administração Biden apontam agora para um novo plano iraniano que passa por protelar a resposta a ponto de Washington já não ver que isso esteja iminente como acontecia até agora.
Porém, igualmente curioso, o Politico nota que esta aiar da resposta iraniana é resultado do trabalho diplomático de Washington através de canais alternativos, visto que oficialmente não existem ligações oficiais a Teerão, o que serve apenas para tentar diluir a relevância do resultado da visita de Sergei Shoigu ao Irão nos últimos dias.
Além de poder gerar brechas no cimento que une Telavive e Washington, onde o lobby judeu tem manietado o Congresso e grande parte dos media norte-americanos, como é afirmado por vários analistas e é há décadas considerado um facto sem resistência, este retemperar da estratégia iraniana vai ainda, sem dúvida, infligir um forte revés no plano de Netanyhau.
O novelo de prolemas que envolve Netanyhau
Como tem crescentemente apontado o jornal israelita Haaretz, a guerra em Gaza e a crescente insegurança no Médio Oriente se deve apenas à necessidade do poder para a sobrevivência política de Benjamin Netanyhau com forte impacto na sua vida pessoal, onde tem problemas graves na justiça e tem muitas explicações a dar no âmbito das clamorosas e estranhas falhas de segurança no 07 de Outubro.
Só sobrevivendo politicamente é que o primeiro-ministro de Israel consegue manter-se longe dos tribunais, onde está acusado de corrupção agravada e a guerra lhe proporcionou um salvífico "intervalo", mantendo ainda, embora cada vez menos evidente, um controlo sobre as manifestações populares diárias contra a sua governação.
Mas, nestes dez meses de guerra em Gaza e constante pré-guerra com o Irão e os seus braços armados na região, o Hezbollah, no sul do Líbano, os Houthis, no Iémen, e as milícias xiitas na Síria e no Iraque, a quem os analistas passaram a chamar "eixo da resistência", Netanyhau, o "Bibi" dos americanos, arranjou ainda mais lenha para a fogueira em que, provavelmente, irá arder...
Isto, porque, além dos seus problemas na justiça que vinham de antes, as manifestações populares que lhe mordiam as canelas, e a fragilidade da coligação do seu Governo, o mais nacionalista radical, religiosamente e ideologicamente, desde a fundação do Estado de Israel em 1948, o 07 de Outubro abriu uma janela para aquilo que quase de certeza é hoje a principal razão pela qual o chefe do Governo israelita quer e tem de se manter no poder para sua própria protecção.
Como o Novo Jornal também noticiou, há já largos meses que em Israel crescem as dúvidas sobre o desempenho das forças de segurança, as secretas e o Exército de Israel no 07 de Outubro, com todo o processo de organização e preparação para o ataque envolvendo três mil combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica, com captura de reféns, a passar desapercebido ao Shin Bet (a secreta interna), a Mossad (externa) e a AMAN (secreta militar), tidas como entre as mais eficazes do mundo.
Algumas vozes mais corajosas, como é o caso do Haaretz e dos seus jornalistas, o jornal israelita mais activo na denúncia dos esquemas de Netanyhau, dizem que assim que o contexto de instabilidade militar terminar, o primeiro-ministro e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, além dos líderes destas organizações, vão ter muitas explicações a dar para as inexplicáveis falhas de segurança naquela que é a fronteira mais vigiada do mundo, tanto por pessoal como por meios tecnológicos 2.0.
O falhanço que "Bibi" quer apagar
Com Gaza a ser já o palco mais visível do falhanço quase total das Forças de Defesa de Israel (IDF) para conseguir os três objectivos anunciados por "Bibi" a 08 de Outubro, todos por cumprir ao fim de 10 meses de guerra, 40 mil civis mortos e destruição sem paralelo, que eram aniquilar o Hamas, libertar todos os reféns e fazer deste território uma zona de risco zero para Israel, só lhe dar mais um passo para a derradeira catástrofe, que será uma guerra aberta com o Irão. E é o que muitos analistas admitem já que pode ser inevitável.
Isto, porque, num tremendo desafio à paciência estratégica de Teerão, depois de a 01 de Abril terem matado dois lideres de todo da Guarda Revolucionária no consulado iraniano de Damasco, na Síria, agora um míssil teleguiado israelita levou ao regime do aiatola Ali KHamenei a humilhação suprema: matar um convidado de honra à sua guarda, o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, quando este estava na capital iraniana para assistir à tomada de posse do Presidente Masoud Pezeshkian.
A tudo isto, e depois de ter elegido um Presidente moderado que, na campanha eleitoral anunciou, com rara coragem, a tal ponto de só ser possível depois de passar pelo crivo do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, que era sua intenção retomar as relações amigáveis com os Estados Unidos e com a Europa Ocidental, o Irão está num dilema gigantesco, que é não poder voltar atrás na promessa de punir Israel e saber que se o fizer estará a ajudar Benjamin Netanyhau no seu plano de incendiar o Médio Oriente para seu único benefício pessoal.
O mais experiente, longevo e rude primeiro-ministro israelita de sempre está de tal modo empenhado em levar esse plano avante que, para isso, dispôs-se a arrastar o aliado americano para um conflito que, aparentemente, só um punhado de "falcões" em Washington e Telavive desejam, contra a vontade do Presidente Biden e da sua vice-, Kamala Harris, que é agora igualmente a candidata democrata à Casa Branca nas eleições de 05 de Novembro.
Com o "lobby" judeu na "América" a trabalhar a todo o vapor para garantir que a máquina de guerra dos EUA está disponível para cobrir a sua aposta arriscada, Netanyhau não parece vacilar perante nada, mesmo depois de o "amigo" Joe Biden ter, segundo o site Axios, vindo deixar saber que está pelos cabelos das artimanhas do seu "Bibi", e mantém os seus guerreiros a matar civis em Gaza como se estivéssemos no "day after" do 07 de Outubro.