Antony Blinken vem agora avisar as partes para as graves consequências que arriscam se minarem as conversações para um cessar-fogo em Gaza, que hoje são retomadas, em Doha, no Qatar.
O secretário de Estado norte-americano, ao avisar ambas as partes, mesmo depois de Israel ter abalroado as negociações matando, a 31 de Julho, na capital iraniana, Ismail Henayieh, coloca o Hamas e Israel no mesmo patamar de responsabilidade.
Mas esta jogada de Washington para colocar o conta-quilómetros da responsabilidade de Israel, o seu mais robusto aliado no Médio Oriente, a zero, não está a ser bem-vista entre as partes interessadas nas negociações.
O "esquecimento" de Blinken não passa desapercebido porque seria impossível ignorar o que se passou em Teerão, a 31 de Julho, considerando que o assassinato do então líder do Hamas não arruinou apenas as negociações de paz.
Também encostou a Administração norte-americana à parede, por colocar em causa a "autoridade" de Washington enquanto negociador, especialmente por ser já evidente que o que o Presidente Joe Biden diz a Benjamin Netanyhau, entra-lhe por um ouvido e sai-lhe pelo outro.
Além disso, o míssil israelita não atingiu apenas Henayieh, acertou também na retórica oficial de BIden, fazendo tábua rasa dos pedidos que este tem feito há meses ao primeiro-ministro israelita para assinar acordo de cessar-fogo em Gaza.
Como se isso fosse pouco, ao mesmo tempo, ao matar Henayieh, o mais moderado dos chefes do Hamas, Israel abria a porta a um conflito ainda mais perigoso israelo-iraniano, a quem nem em Telavive nem em Washington poderia escapar como consequência lógica de tal ousadia.
Embora, note-se, o Irão tenha, para já, surpreendido tanto israelitas como americanos com uma contenção estratégica no lugar dos esperados misseis a explodir sobre os céus de Israel. (ver links em baixo)
Como seria de esperar, o Hamas, que agora é liderado por Yahya Sinwar, elemento da linha dura e até aqui chefe do braço armado deste movimento, as Bragadas Al-Qassan, que coordenou o assalto a Israel a 07 de Outubro do ano passado, não vai estar presente em Doha.
Apesar da ausência do Hamas, do esquecimento estratégico de Blinken, e do facto de Israel continuar a matar centenas de pessoas diariamente, esta é uma oportunidade para que o processo de paz não morra de vez.
Até porque, provavelmente para exercer pressão sobre o Governo de Telavive, e não sobre Benjamin Netanyhau, que tem um evidente interesse pessoal na expansão da guerra no Médio Oriente, arrastando os EUA para um conflito directo com o Irão, (ver links em baixo), os jornais norte-americanos têm estado a evidenciar uma ligação directa entre um cessar-fogo em Gaza e o facto de o Irão ainda não ter lançado o seu ataque retaliatório contra Israel pelo assassinato de Ismail Henayieh.
Isto, num momento em que a tensão gerada pela contenção estratégica do Irão está a dar frutos, criando brechas no Governo de Telavive, com disputas rudes em público entre ministros importantes para o curso da guerra.
Netanyhau está em rota de colisão com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, agora um moderado, que quer uma solução negociada, e com o da Segurança Interna, Bem Gvir, o mais radical, que quer aumentar a densidade da guerra com o Hamas e é contra um cessar-fogo sejam quais forem as condições.
Entretanto, segundo a Axios, um site de notícias norte-americano que se tem destacado na obtenção de informação relevante sobre este conflito, o antigo Presidente e candidato republicano às eleições de Novembro, Donald Trump, telefonou a Netanyhau para o pressionar a fazer cedências para um cessar-fogo.
Isto, quando o actual Presidente Biden também tem publicamente pugnado por um cessar-fogo, mas com crescentes evidências de que, na sua Administração, há uma facção de "falcões" que procura obstaculizar esse entendimento.
Pelo contrário, é hoje claro que Israel depende tanto do apoio militar e financeiro de Washington que um cessar-fogo já teria sido assinado se o amigo americano assim o quisesse.
Face a este cenário, é já irreversível a desconfiança das partes envolvidas nas negociações, do Hamas e dos mediadores, Qatar e Egipto, de que os EUA possam acumular o papel de mediador e de fornecedor de armamento a Telavive.
Isso mesmo fica em evidência quando um alto responsável palestiniano, citado pela Associated Press, Osama Hamdan, vem dizer publicamente que os EUA já não estão em condições de garantir qualquer eficácia enquanto mediador por serem parte substantiva no conflito.
O Hamas só aceita voltar à mesa de negociações se nela estiver como ponto de partida a proposta feita pelo Presidente Joe Biden, em Maio, sobre as condições para um cessar-fogo, com mecanismos de controlo e prazos definidos para a saída das forças israelitas de Gaza assim como a libertação de reféns, entre outros pontos.
A esta proposta, Israel respondeu e responde ainda com o aumento da agressividade das suas acções militares, onde as principais vítimas são civis, especialmente crianças, que são a grade maioria, mais de 20 mil, entre os 40 mil mortos desde 07 de Outubro.
Dez meses de guerra brutal onde o Exército israelita, com uma superioridade sem comparação, mais de 350 mil soldados, não conseguiu ainda nenhum dos seus objectivos e muito menos aniquilar o Hamas, 70 mil combatentes, como objectivava então Netanyhau.
Entretanto, depois de ter acusado Netanyhau de ser "um genocida", o que é corroborado pelos tribunais internacionais, TPI e TIJ, e de afirmar que a Turquia poderia invadir Israel para acabar com a Guerra, o Presidente Recep Erdogan veio agora reforçar o apoio de Ancara à causa palestiniana.
Erdogan, que recebeu na capital turca o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, acusou ainda, citado pela Reuters, "alguns países ocidentais" de manterem um comprometido silêncio e de apoiarem mesmo Israel abertamente.
O chefe de Estado turco diz que sem uma pressão internacional clara e reforçada, Israel não vai travar a escalada da guerra, apontando especial responsabilidade aos países do universo islâmico, que devem manter um fluxo ininterrupto de ajuda humanitária a Gaza.