Andrey Belousov (na foto) chegou a Pequim numa altura em que a China e a Rússia desenvolvem exercícios militares navais de grande envergadura no Pacífico e as forças militares chineses dos três ramos realizam uma operação encenada de bloqueio à ilha de Taiwan.
Nos últimos anos a China e a Rússia escavaram os alicerces de uma parceria "dura como uma rocha", como a definiu o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, e que não é maleável conforme as circunstâncias, como complementou o russo Sergey Lavrov, ambos durante um encontro em 2022, que pode ser revistado aqui.
Belousov chegou a Pequim nesta segunda-feira, num momento particularmente interessante na política internacional, onde, de forma surpreendente, e que alguns analistas já admitem que pode não ser apenas coincidência, o mundo vê reacenderem-se aomesmo tempo quatro frentes escaldantes e onde os Estados Unidos são protagonistas em todas elas.
Desde logo a Ucrânia, onde os avanços russos ameaçam o colapso da capacidade ucraniana de resistir e o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky está obrigado a mostrar o seu "plano de vitória" com o qual ameaça a Rússia de uma derrota militar inesquecível porque entende que "só assim pode ser erguida uma paz duradoura e sustentável".
Ao mesmo tempo, no Médio Oriente, onde Washington é também a pedra de toque no apoio militar e financeiro a Israel, o primeiro-ministro Netanyhau repete insistentemente que está iminente um ataque "surpreendente e letal" ao Irão pelas Forças de Defesa de Israel (IDF).
Como se isso fosse pouco, de forma inesperada, na Coreia do Norte, o Presidente Kim Jong-un ordenou a destruição das estradas que ligam à Coreia do Sul, onde estão dezenas de milhares de soldados dos EUA desde 1953, como força dissuasora dos apetites territoriais de Pyongyang.
E, no mesmo enlace, o líder norte-coreano, que ainda esta semana anunciou, tal como em Moscovo, um reforço da parceria militar estratégica com a Rússia, reuniu o seu conselho de segurança nacional e anunciou uma "acção militar imediata" face às ameaças do vizinho do Sul.
Estas quatro frentes, com conflitos em curso, Urânia e Médio Oriente, ou potencialmente catastróficos, como Taiwan e a Península Coreana, obrigam a Casa Branca e o Pentagono a trabalhar em sobrecarga para lidar com palcos de guerra onde são actores principais e deles não podem fugir...
Mas podem, e daí alguns analistas admitirem já que pode haver algo além da coincidência temporal, até porque são questões antigas que volta e meia emergem da letargia, sempre em ebulição nos bastidores, apesar de tudo, procurar reduzir o empenho num ou noutro local para concentrar energias e meios nos palcos mais prioritários.
E, considerando que Washington já definiu há muito que a China é o seu grande oponente geoestratégico, isto desde que Pequim deixou de esconder que quer chegar a nº1 enquanto potência económica mundial, atendendo ainda a que na Coreia do Sul estão largos milhares de militares norte-americanos, e que Israel é o aliado mais importante em todo o mundo mas com um papel excepcional no Médio Oriente...
... restam poucas dúvidas de que, a haver necessidade de reduzir esforços, meios e empenho norte-americanos, a Ucrânia, onde, provavelmente, como notam alguns analistas, a Rússia vai ganhar a guerra, mais cedo ou mais tarde, e, além de dinheiro e armas, Washington não tem outros compromissos, como militares no terreno, será o palco onde os EUA poderão sair de cena.
Isto, porque, ainda por cima, em pano de fundo a estes braseiros geoestratégicos, está a Cimeira dos BRICS de 22 a 24 deste mês, na cidade russa de Kazan, onde vão oficialmente entrar como países-membros a Arábia Saudita, o Irão, os Emirados Árabes Unidos, o Egipto e a Etiópia.
Para os EUA, esta Cimeira é um desafio porque a organização inicialmente criada por Brasil, Rússia, Índia e Rússia, em 2009, a que dois anos depois de juntou a África do Sul, e que agora alarga as suas fronteiras geográficas e económicas de uma forma que passa a ombrear globalmente com o G7, o grupo dos sete países mais ricos do ocidente - EUA, Alemanha, Japão, França, Itália, Reino Unido e Canadá - na condição de plataforma de influência geoestratégica mais robusta.
Alias, os BRICS são o instrumento mais poderoso do eixo Moscovo-Pequim-Nova Deli para terraplanar a ordem mundial baseada nas regras ocidentais definidas pelos Estados Unidos no fim da II Guerra Mundial, substituindo-a por uma "nova ordem mundial assente na cooperação entre iguais", como a definiram os Presidentes russo e chinês, Vladimir Putin e Xi Jinping.
Senão vejamos esta realidade em construção em números compilados pelo filósofo e professor universitário português Viriato Soromenho Marques, na sua coluna de opinião no ornal português Diário de Notícias.
Comparando o peso do G7 e dos BRICS no PIB mundial (por paridade do poder de compra - PPC), Soromenho Marques concluiu que ocorreu uma mudança dramática entre 2000 e 2024, com o G7 a passar de 43,28% do PIB PPC global para 29,64%, enquanto os BRICS, no mesmo período, subiam dos 21, 37% para 35,43%, passando de forma acelerada os mais ricos ocidentais.
Alias, toda a retórica de afirmação dos BRICS é, ou quase toda, sustentada na ideia de que esta organização representa os mais pobres ou em via de desenvolvimento do "Sul Global" contra a hegemonia elitista e privilegiada do "Ocidente Alargado" que impede a ascensão do "Hemisfério desprotegido".
São demasiadas frentes para os EUA, mesmo em tratando-se na maior economia do mundo e a mais robusta força militar global no plano convencional, com uma capacidade de projecção de forças, através das suas inigualáveis Esdras de porta-aviões, aguentar sem correr riscos de começar a abrir brechas na muralha.
E, como notou o ministro da Defesa russo em Pequim, "Rússia e China têm a mesma visão do mundo, um olhar comum sobre a situação e uma compreensão comum do que é preciso fazer em conjunto".