Os confrontos entre manifestantes e polícia nas ruas de Nairobi, capital do Quénia, fizeram pelo menos cinco mortos e centenas de feridos nesta terça-feira, 25, mas nem assim os milhares de jovens admitem parar até que o Governo anule a nova tabela de impostos aprovada no Parlamento.
Como o Novo Jornal noticiou na terça-feira, o Quénia está a mostrar que existem limites para os povos suportarem os desmandos dos governantes e os milhares de jovens que há cerca de semana e meia inundam as ruas das grandes cidades do país prometem não arredar pé até verem as suas exigências correspondidas pelo Governo do Presidente William Ruto.
Na génese destes protestos está uma proposta de aumento das taxas aplicadas a uma lista alargada de bens, desde o pão e óleo alimentar aos aparelhos electrónicos, seguros automóveis e cuidados de saúde especializados... ou ainda, os produtos englobados no grupo dos que prejudicam o ambiente.
Duas das mais pesadas, o aumento do pão em 16% e 25% no óleo alimentar, foram de imediato retiradas da lista depois de uma reunião de emergência no Governo, mas nem assim a impetuosidade dos protestos populares arrefeceu.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) está igualmente na mira dos manifestantes, acusado de obrigar o Governo queniano a aceitar programas de apoio, com empréstimos criminosos, afunilando as capacidades do país para resolver a grave crise económica que atravessa.
Para os analistas quenianos, alguns citados pelos media internacionais, o facto de o Executivo ter "adocicado" a proposta da nova tabela de taxas e nem assim as ruas terem acalmado os ânimos, isso quer dizer que estes protestos visam um objectivo maior: acabar de vez com a má governação.
E uma prova disso mesmo é que, entre os manifestantes, crescem as críticas aos chorudos salários dos deputados e dos governantes, superiores aos de alguns países do G7 (grupo dos países mais ricos do Ocidente Alargado), sendo uma das palavras de ordem mais ouvidas a obrigação de a tais regalias terem de corresponder soluções políticas eficazes para os problemas do povo.
Na terça-feira, milhares de jovens invadiam mesmo o Parlamento, superando em número e força as barreiras policiais, ateando fogo a uma secção lateral do edifício, obrigando as forças policiais a enviar reforços e a usar violência inaudita para limpar aquela zona da cidade de Nairobi.
Para isso, a polícia usou canhões de água, gás lacrimogéneo, balas de borracha e, em casos registados pelas agências Reuters e Associated Press, balas de fogo real directamente contra os manifestantes, tendo pelo menos cinco deles morrido, algumas testemunhas falam em dezenas de mortos e centenas ficado feridos.
Um dos jovens ouvido pela Reuters refere que a vida no Quénia deixou de ser "uma coisa normal", porque as pessoas vão trabalhar todos os dias "mas não conseguem comprar nada com o que ganham" devido ao custo de vida que "cresce todos os dias sem que o Governo tome medidas".
Um outro jovem refere que "a maior parte dos quenianos está desempregada" e isso faz com que "a fúria popular aumente", acabando por todo esse descontentamento desaguar nestas manifestações, onde os novos impostos parecem ter apenas sido a chama que acendeu o rastilho ligado a um barril de pólvora que ainda pode explodir...
A dar profundidade e corpo a estes protestos, os media locais e internacionais focaram as suas "lentes" na irmã do antigo Presidente dos Estados Unidos da América, Rita Auma Obama, uma activista, jornalista e autora, conhecida pelas suas tomadas de posição populares.
A irmã de Barack Obama foi uma das vítimas do gás lacrimogéneo disparado pela polícia e foi com os olhos a lacrimejar que disse à CNN que estava ali porque não podia ficar longe de jovens que exigem com justiça melhores condições de vida e esperança no futuro.
Obama nas manifestações
Para desmontar a capacidade de organizar futuros protestos, algumas organizações de defesa dos Direitos Humanos no Quénia estão a acusar as forças de segurança de estarem a capturar alguns dos jovens que têm dado a cara pelos manifestantes durante a noite ou já fora dos palcos das manifestações.
A Amnistia Internacional refere que há registo de pelo menos 12 pessoas que foram apanhadas pela polícia nestas circunstâncias.
Oura medida é a restrição no acesso a diversas redes sociais com o afunilamento da internet.
Para prevenir a continuação destes protestos, o Governo anunciou já a deslocação de unidades militares para as zonas mais sensíveis de Nairobi, de forma a complementar o já gigantesco complexo policial, incluindo as unidades especiais anti-motim.
O ministro da Defesa, Aden Duale, depois de anunciar o destacamento de forças militares para conter as manifestações, disse, citado pelos media internacionais, que o Quénia vive "um momento crítico de viragem" na forma como "responder às ameaças graves à segurança nacional".
Isto, porque o Governo, assegurou, está na disposição de não deixar esta situação resvalar "custe o que custar".
Para já, as palavras dos manifestantes vão no sentido de manter os protestos porque, depois de aprovada a proposta no Parlamento com a tabela das novas taxas, o documento está agora a ser apreciado na especialidade e será enviado a seguir para ser assinado pelo Presidente Ruto.
E é neste intervalo de tempo que os manifestantes esperam encontrar uma janela de oportunidade para que William Ruto repense e devolva o processo ao Parlamento para nova revisão.