Na sexta-feira, 09, os amigos de Kiev voltam a reunir em Ramstein, base aérea dos EUA na Alemanha, construída após a II Guerra Mundial, com a agenda dedicada a evitar a humilhação ucraniana e da NATO e antecipar a chegada de Trump à Casa Branca a 20 de Janeiro.

Ao ler os grandes media ocidentais, é cada vez mais evidente que já ninguém acredita que a Ucrânia possa sair bem deste conflito, mas é igualmente claro que os seus aliados europeus e norte-americanos estão empenhados em não permitir aos russos uma flamejante vitória.

E num olhar geral sobre este conflto, o major general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, sublinha que, apesar do investimento feito por Kiev para gerar efeito mediático, seja com novas e arriscadas ofensivas, seja com novos misseis, a questão é que "do ponto de vista estratégico, os ucranianos não têm ideia nenhuma sobre como vencer esta guerra".

A grande ameaça que pende sobre a cabeça de Volodymyr Zelensky e a sua entourage, que dificilmente sobreviverão politicamente a uma derrota militar consumada, é a chegada ao poder nos EUA de Donald Trump, em pouco mais de duas semanas.

E a razão é simples: com a Rússia em vantagem no terreno, a ganhar quilómetros de território dia após dia, o Presidente-eleito dos EUA só vai conseguir cumprir a sua promessa de acabar com a guerra rapidamente tirando o apoio militar e financeiro a Kiev.

A outra forma seria entrando directamente no conflito, mas tal não parece que possa vir a ser uma opção, porque, como todos os analistas acreditam, a prioridade de Washington com Trump não vai ser a Ucrânia mas sim o Indo-Pacífico e a contenção do crescente poder chinês.

Trump, o trunfo de ucranianos e russos

A Zelensky resta, como alias tem feito, tentar que Donald Trump não o abandone de uma vez e que possa, com a sua influência, convencer Vladimir Putin a alinhar num plano de saída para a guerra que não consubstancie a sua total humilhação.

Para isso, o Presidente ucraniano conta ainda com os seus aliados europeus, que, não possuindo a capacidade militar e financeira dos EUA, podem, ainda assim, garantir que os ucranianos consigam resistir por mais algum tempo até que surja uma solução diplomática.

E é isso mesmo que Zelensky vai tentar em Ramstein, na próxima sexta-feira, 09, quando ali, naquela que é a maior base norte-americana na Europa, criada para ser o símbolo do poder norte-americano no mundo, se reunirem mais de três dezenas de aliados ocidentais.

A reunião será liderada pelo secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, naquela que será, provavelmente, a sua última deslocação oficial à Europa, e onde terá o ingrato papel de analisar com os aliados a melhor saída possível deste imbróglio para Kiev e para a NATO.

NATO que, apesar de não estar directamente envolvida na guerra, se, como tudo indica, acabar com uma vitória russa, faltando ainda definir se total ou parcial, o que dependerá de negociações directas entre Washington e Moscovo, será a maior derrotada porque foram as suas armas e a sua planificação que acabaram soterradas pelos russos nas trincheiras do leste europeu.

Kursk, a batalha lateral

Todavia, para ajudar os seus aliados, o Presidente Zelensky, aproveitando o recebimento dos últimos 9 mil milhões USD de ajuda militar americana que ainda restavam do pacote de 61 mil milhões USD aprovada em 2024, lançou este fim-de-semana uma ofensiva em Kursk.

Kursk é a região russa, na fronteira norte com a Ucrânia, que os ucranianos invadiram em Agosto, ocupando cerca de mil kms2, mas que estão a perder de forma consistente nos últimos meses, e que agora volta a servir de palco para Kiev mostrar que ainda possui capacidades.

Zelensky diz que esta nova ofensiva foi um sucesso, reganhando alguns kms2, enquanto em Moscovo o Ministério da Defesa russo garante que os ucranianos foram rechaçados e aniquilados, faltando provas cabais a um e ao outro lado que o demonstrem.

Seja como for, esta iniciativa ucraniana não foi mais que um empurrão aos seus aliados que na próxima sexta-feira se vão encontrar na Alemanha para definir estratégias de forma a lidar com esta fase da guerra em que existe o risco efectivo do colapso das forças de Kiev.

Isto, quando a ideia de negociações, pressionadas pela chegada de Donald Trump ao poder em Washington, é a mais analisada e abordada na imprensa ocidental, sendo já evidente que qualquer que seja a saída encontrada para acabar com a guerra, será desenhada por russos e norte-americanos.

O papel irrisório de Bruxelas

O papel secundário da União Europeia é cada vez mais evidente e isso mesmo é percepcionado pelo Presidente ucraniano que, citado pelo britânico The Guardian, veio já dizer que qualquer garantias de segurança para a Ucrânia num pós-conflito só podem ser oferecidas pelos EUA:

Segundo o jornal de Londres, Volodymyr Zelensky disse que as garantias de segurança que os ucranianos pretendem para acabar com a guerra com a Federação Russa só serão efectivas "se forem providenciadas pelos Estados Unidos" sob a conduta de Donald Trump.

Com quem se quer encontrar imediatamente após a sua tomada de posse a 20 de Janeiro, "porque os ucranianos contam com Trump para forçar Moscovo a acabar com a guerra", voltando, no entanto, à retórica pueril de que se assim não for, "os russos vão alargar a guerra ao resto da Europa ocidental" se os EUA deixarem definhar a NATO.

Claramente pressionado pelas actuais circunstâncias de iminente derrota militar, Zelensky tem a clara noção de que o seu futuro político está pendente de um acordo com os russos que possa "vender" como uma vitória.

Isto, porque o próprio já disse que assim que a guerra terminar haverá eleições na Ucrânia para escolher o Presidente e o Parlamento, às quais está obrigado a concorrer para dar coerência à sua liderança, embora a sua popularidade seja já notoriamente negativa.

As percepções de Blinken

Apesar disso, de Washington acaba de chegar uma ajuda nessa estratégia, que é a das percepções, baseada na propaganda - que tem servido a um e outro lado -, com uma entrevista longa do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, a The New York Times.

Nesta, o chefe da diplomacia em Washington veio defender que os russos já perderam esta guerra porque tinham como objectivo conquistar Kiev, e com isso dominar de novo a Ucrânia, mas tal foi travado pela resistência heróica liderada por Zelensky.

E Binken defendeu ainda que as posições conquistadas dentro do território russo de Kursk vão ser importantes no futuro para as negociações que deverão surgir nos próximos meses.

Com o actual cenário na frente de batalha, onde os russos mostram ter cada vez manos oposição aos seus avanços no leste ucraniano, embora em Kursk os ucranianos estejam a tentar reverter a ideia de uma derrota iminente, é cada vez mais evidente que tudo vai depender da forma como Donald Trump gerir o papel dos EUA neste conflito.

Mas as apostas já são esmagadoramente maioritárias em como o conflito vai acabar pouco depois, não nas 24 horas como prometeu, mas nas semanas ou meses seguintes, de Donald Trump regressar à Casa Branca, através de conversações prévias com os russos e, por fim, entre Moscovo e Kiev.

É igualmente visto como seguro que Trump vai tentar garantir que o seu "amigo" Vladimir Putin não tem uma vitória esmagadora e humilhante para Kiev e para os seus aliados ocidentais.

Isso, porque uma saída em grande dos russos desta guerra fragilizaria os EUA e o Ocidente naquele que é o confronto definitivo que se espera para os próximos anos com a China, que tem na Rússia o maior e estratégico aliado.

Como vai Trump conseguir esse ambicioso objectivo, ver-se-á nas próximas semanas, mas a sua imprevisibilidade não permite ir muito além das especulações, que é o que se tem visto nos media, tanto nos ocidentais pró-Ucrânia como nos pró-russos.

E em Moscovo olha-se para o calendário porque só depois de assumir o poder se verá o que vai Trump, o imprevisível, efectivamente, fazer.