E a Cimeira da Paz de 15 e 16 de Junho, na Suíça, pode ser a "prateleira" para mostrar a Kiev o cansaço global de um conflito que é um desastre para a economia mundial e pode ser o alçapão para o fim do mundo, como o ex-Presidente russo Dmitri Medvedev voltou a avisar. (ver links em baixo)

No artigo da Reuters que está a ser visto como um teste à vontade de Moscovo lançar âncora no porto de uma paz necessariamente rápida, desde logo a começar por um cessar-fogo, é dito que algumas fontes russas referem a existência de um ambiente propício para isso.

E que Vladimir Putin pode estar aberto a uma saída para o conflito no leste europeu que passe por "congelar" as posições dos dois lados no terreno, numa já antes falada solução "coreana" para a guerra ucraniana.

Segundo as fontes da agência britânica, seria possível obter de Moscovo um compromisso que passaria por reproduzir na Ucrânia o que é ainda hoje, mais de 70 anos depois, a paz na Península coreana, entre as duas Coreias, do Norte e do Sul, que terminou com um armistício em 1953.

Apesar de não ter existido um acordo de paz, os dois lados congelaram posições, permitindo a situação que se vive hoje, tensa mas sem hostilidade física, o que, se fosse feito o mesmo na Ucrânia, russos e ucranianos poderiam definir uma linha de separação dando tempo a uma solução definitiva no futuro.

Ora, esta peça da Reuters tem vários indicadores de que pode ser uma tentativa de reconhecimento de alguma abertura russa para essa solução negociada, mas que, na realidade é apenas "fumo" porque, como notou o analista britânico Alexander Mercouris, não é preciso recorrer a fontes anónimas em Moscovo para saber aquilo que o próprio Presidente Putin tem repetido ao longo dos últimos dois anos, que está disponível para negociar.

O que, esmiuçando o conteúdo da peça da Reuters, permite colocar como possibilidade que o ocidente está a testar, usando para isso a agência de notícias britânica, o terreno em Moscovo para acabar com uma guerra que é nefasta para todos, corre o risco de se perpetuar no tempo e se não houver cuidado, desaguar no fim da Humanidade através de uma catástrofe nuclear.

Alguns sinais são possíveis de encontrar no universo mediático dos últimos dias que corroboram essa possibilidade.

Em destaque está, claro, a questão atómica, com a Rússia a realizar exercícios de preparação para emprego dos seus sistemas de armas nucleares tácticas, como refere o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, depois de o Reino Unido e os EUA lançaram sinais para o ar de que podem autorizar Kiev a usar os seus misseis de longo alcance para atacar em profundidade o território russo.

A este escalar britânico e norte-americano junta-se ainda a ameaça francesa, do próprio Presidente Emmanuel Macron, de enviar tropas para a guerra de forma a impedir uma vitória russa, o que foi apoiado pelos países Bálticos e por vários congressistas dos EUA.

Os exercícios ordenados pelo Kremlin com ogivas nucleares de acção diminuída, devastadoras no campo de batalha mas com acção limitada geograficamente, embora, ainda assim, com potência semelhante às usadas pelos EUA em Hiroshima e Nagasaki, em 1945, parecem ter acordado alguns líderes ocidentais para a possibilidade de não se tratar de um "bluff" de Putin.

De imediato, a Alemanha, via chanceler Olaf Scholz, avisou que não haveria nem tropa alemã nem misseis alemães, os famosos Tauros, com alcance de 600 kms, sublinhando que não quer ver nada que possa levar a uma confrontação entre a NATO ou países da NATO e a Federação Russa.

E a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, não recusou apenas o envio de tropa para a UCrânia, como acusou alguns lideres ocidentais de estarem irresponsavelmente a lançar lenha para a fogueira, especialmente o líder da NATO, Jens Stoltenberg, que defendeu que Kiev deve ser autorizado pelos aliados a usar as suas armas para atacar a Rússia em profundidade.

Também a Polónia, um férreo aliado de Kiev, declarou que não enviará militares para este conflito e, ainda mais relevante, porque se trata, a par da alemã que preside à Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dos maiores falcões de guerra ocidentais, o secretário-geral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg, veio igualmente dar garantias de que não haveria soldados da NATO a combater na Ucrânia.

Isto, quando, se não houver uma mudança de atitude nestes próximos dias, a Cimeira da Paz na Suíça, de 15 e 16 do mês que vem, tende a revelar-se um "flop" porque, apesar de já estarem confirmadas as presenças de mais de 50 países, estes deverão enviar delegações de segunda e terceiras linhas, e muitos estão a recusar, educadamente, estar presentes, como, por exemplo, foi o caso do Presidente angolano, João Lourenço, que justificou com questões de agenda.

Além disso, embora este número ainda possa crescer substantivamente, dificilmente a Cimeira suíça terá os desejados 190 países que o Presidente da Ucrânia diz querer ver na cidade de Bürgenstock, estando Volodymyr Zelensky por estes dias a fazer repetidos pedidos de comparência.

Isto, porque Zelensky está consciente de que esta deve ser uma das mais importantes, e derradeiras, oportunidades de ver o mundo ao seu lado ou a afastar-se do problema ucraniano, sendo a chave para traduzir o resultado simples e bem visível, no número de países presentes, por um lado, mas, ainda mais importante, pelo nível de representação de cada um deles.

Alguns já se afastaram desta Cimeira em total discordância com a sua organização, porque é, no mínimo, um caso raro, ou mesmo único, em que se prepara algo deste género recusando ostensiva e rudemente a presença de uma das partes interessas directamente, que é a Rússia, e é isso mesmo que países como a China, o Brasil, a Índia, a África do Sul, entre outros, tem sublinhado.

Também o Presidente João Lourenço, como o Novo Jornal noticiou, recusando por razões de calendário estar presente, fez questão de dizer que Luanda defende uma solução negociada e pacífica, o que são duas condições que só podem ser conseguidas envolvendo os contendores directos, no caso a Rússia e a Ucrânia.

A Rússia não foi convidada, e já se referiu a este momento como "uma palhaçada" porque o debate vai decorrer na perspectiva do denominado Plano de Paz Zelensky em 10 pontos, onde se exige, entre outros, a saída incondicional dos russos de todos os territórios ucranianos, incluindo as cinco regiões anexadas, a Crimeia (2014) e Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk (2022.

O Plano Zelensky quer ainda que os dirigentes russos, com Putin à cabeça, sejam julgados por um tribunal internacional e que a reconstrução da Ucrânia seja totalmente paga por Moscovo, o que, como o Kremlin, tem dito, é muito "fôlego" enunciado por quem está a perder a guerra em toda a linha e em risco de total colapso das suas linhas de defesa.

Num vídeo com evidente estridência e sinais de desespero, Volodymyr Zelensky, lançou agora um apelo a que os líderes mundiais se façam presentes em Bürgenstock, tendo referido com especial destaque o norte-americano Joe Biden e o chinês Xi Jinping.

Para já, e apesar da evidente discordância com o mapa da paz de Zelensky, Xi Jinping ainda não deu quaisquer sinais de que poderá estar presente, ou sequer que a China o faça com uma delegação de reduzida importância, assim como em Washington Joe Biden não anunciou a deslocação à Suíça, embora seja certo que os EUA se farão representar.

E numa entrevista colectiva a media asiáticos, o Presidente Zelensky, que, apesar de o seu mandato ter terminado a 20 deste mês, se mantém no poder graças à Lei Marcial em vigor no país - o que fragiliza também a legitimidade desta Cimeira helvética -, veio sublinhar que sem o apoio internacional, a Ucrânia sucumbirá face à superioridade russa.

"Ninguém poderá sobreviver a uma guerra aberta com a Rússia sozinho", disse Volodymyr Zelensky, acrescentando que só com uma demonstração geral de que o mundo está com a Ucrânia é que Putin pode repensar os seus planos de guerra na Ucrânia, o que é, no mínimo, uma afirmação arriscada, porque se a Cimeira da Suíça for um fracasso a esse nível, a mensagem do mundo para Kiev não poderia ser mais evidente...

Até porque Zelensky tem agora outra frente de pressão sobre si que lhe pode torpedear o caminho político, que é a legitimidade no cargo.

Se a generalidade dos media ocidentais, como sempre ao lado de Kiev, nota que a Lei Marcial legitima a não realização das eleições na Ucrânia, apesar de o seu mandato ter terminado a 20 de Maio, o Kremlin está agora a pressionar a tecla da ilegitimidade do seu poder.

Isto, porque, alegadamente, a Constituição ucraniana permite adiar eleições legislativas, para escolha dos deputados, mas não refere especificamente a questão das eleições Presidenciais, o que retira legitimidade a Volodymyr Zelensky, fazendo deste um não interlocutor em eventuais conversações de paz, o que ele recusa de forma liminar.