Com a campanha eleitoral para as eleições de 05 de Novembro, onde vai enfrentar nas urnas o seu arqui-inimigo Donald Trump, e que, por exemplo, já usou para justificar a ausência da Cimeira da Paz para o conflito ucraniano de 15 e 16 deste mês, esta longa permanência na Europa está a suscitar forte curiosidade para lhe folhear a agenda secreta.

Porque não é apenas as comemorações, relevantes, mas nada extraordinárias do 80º aniversário do Dia D, quando os aliados deram início à invasão da França, a 06 de Junho de 1944, para expulsar os nazis, que justifica esta prolongada estadia.

Mesmo com uma visita de Estado pelo meio a França, que, recorde-se, é o país europeu com quem os EUA nas últimas décadas têm mais atrito diplomático, os cinco dias só se justificam plenamente com a abertura na agenda para tratar do "problema" ucraniano.

A outra possibilidade é Joe Biden ter decidido corresponder aos veementes pedidos do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para se fazer presente na Cimeira da Paz na Suíça, da qual já se desmarcou oficialmente para poder estar numa iniciativa de recolha de fundos para a sua campanha eleitoral.

É que a Presença de Biden, mesmo que seja preparada em total sigilo, é a única forma de salvar do descalabro a Cimeira de Lucerna, que, sem o Presidente dos EUA, tem vindo a somar desistências e a deteriorar a qualidade das delegações com que dezenas de países de vão fazer representar.

No entanto, a agenda oficial desta visita especial de Biden a França, mesmo sem as entradas secretas na sua agenda conhecidas, já é de grande interesse, até porque nela está um discurso de "elevado perfil", como sublinha The Guardian, a propósito do 80º aniversário do Dia D, na Normandia.

Com a guerra da Ucrânia em pano de fundo, este discurso promete emergir das folhas onde está escrito directamente para as páginas da História, onde deverão ser estabelecidos paralelos e uma natural "colagem" do papel dos EUA na libertação da Europa das botas das tropas de Hitler na II Guerra Mundial com a invasão da Rússia de Vladimir Putin no leste ucraniano.

Além disso, Joe Biden, aos 81 anos, tem no seu país a mais desgastante guerra política da sua longa vida pública, e que se aproxima rapidamente da recta final, o que, adicionado à idade avançada, permite dizer que só algo de grande relevância poderia levá-lo agora por tanto tempo à Europa.

Onde, além do programa intenso da visita de Estado a França, tem marcadas reuniões com Volodymyr Zelensky, com o seu homólogo e anfitrião Emmanuel Macron, a sós em a três, além dos normais encontros que corem com outros lideres mundiais que vão estar nestas celebrações do 80º aniversário do Dia D.

Segundo o seu conselheiro para a Segurança Nacional, Jack Sullivan, ainda no avião que o levou de Washington para Paris, disse aos jornalistas que no encontro com Macron e Zelensky, Biden vai querer desenhar uma nova e definitiva estratégia que permita repelir a invasão russa da Ucrânia.

Também, em Paris, um porta-voz do Presidente Macron disse aos jornalistas que os dois Presidentes vão discutir, na sexta-feira, 07, afincadamente a situação na frente de batalha, onde deverão, de seguida, assistir ambos a um discurso do Presidente Zelensky na Assembleia Nacional francesa.

Mesmo que nada tenha sido divulgado de forma antecipada, certo e seguro é que esta deslocação de Joe Biden à Europa está longe de ser uma simples visita a um país amigo. Pela natureza das circunstâncias em que ocorre, será, provavelmente, um momento marcante na história da guerra no leste europeu.

Até porque ocorre num momento em que as forças russas estão, claramente, a ganhar terreno nas posições ucranianas, em Kiev o regime de Zelensky mostra fragilidades sérias e desavenças precisamente resultantes das incapacidades mostradas no campo de batalha, e frustração com os aliados ocidentais pelo escasso volume de apoio miliar e restrições no seu uso dentro do território russo histórico.

E ainda quando, com Macron e a França na linha da frente desse esforço, os aliados da Ucrânia estão a procurar entendimentos sólidos para a colocação de forças militares no terreno de combate, inicialmente como formadores e instrutores, mas que será um passo que mudará totalmente a natureza deste conflito, alargando-o para um confronto entre países da NATO e a Federação Russa.

Como ficou já evidente com as respostas do Kremlin a esse recrudescer das posições de força ocidentais, tendo, pela primeira vez, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, tratado, pela primeira vez, os Estados Unidos como "um inimigo".

Ao mesmo tempo, Peskov garantiu que todos os militares ocidentais detectados pelas forças russas na Ucrânia serão alvos legítimos e aos quais não será reconhecida qualquer imunidade, sendo que o Kremlin já disse estar certo de que a França já decidiu o envio de instrutores para a Ucrânia.

Isso mesmo foi dito pelo próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que sublinhou existirem "factos numerosos" a indicar que os instrutores franceses já estão a trabalhar na Ucrânia, tal como foi dito também por Vladimir Putin.

Alias, como se pode ler aqui, em Moscovo começa a ser visto com incredulidade a ideia de que os EUA e os seus aliados europeus não estarem a levar a sério as suas advertências para o risco de uma escalada neste conflito que leve ao ior dos pesadelos, um conflito nuclear, porque a reacção da Rússia pode ser "assimétrica".

Durante esta visita a França vai Biden acompanhar Macronno envio de instrutores para a Ucrânia? Vai autorizar o uso dos seus misseis para atacar a Rússia em profundidade?

Ou está o Presidente norte-americano a protagonizar este tremendo esforço físico e político para, pelo contrário, procurar dissuadir Macron de dar um passo que pode ser trágico para a Humanidade? E a procurar abrir caminho para uma solução negociada para esta guerra?

Seja qual for o desfecho desta visita, saber-se-á no decorrer dos próximos dias.