Numa entrevista à revista Newsweek, o chefe da diplomacia russa, aproveitando o esvaziamento da altamente mediatizada, no ocidente, visita do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky aos EUA, para contra-atacar acusando Kiev de não querer paz.

Isto, quando a tal visita de Zelensky aos Estados Unidos tinha por objectivo principal ir mostrar ao Presidente Joe Biden o seu "Plano para a Vitória", foi rechaçado como inexequível por representar, a ser aplicado, uma saída directa para a III Guerra Mundial.

Esta derrota diplomática de Zelensky coincide com o mais difícil momento para a Ucrânia no campo de batalha, onde perde em toda a linha para a Rússia, o que permite a Lavrov tirar proveito da situação, habilmente, indo dizer a um media ocidental que a guerra não acaba porque Kiev e Washington não querem.

Os princípios para a paz de Moscovo são conhecidos há largos meses, quando em Junho o Presidente Putin os redesenhou, exigindo a saída das tropas ucranianas das quatro regiões anexadas em 2022, a neutralidade ucraniana sob garantias sólidas e uma mudança de regime, que é o mesmo que dizer, a "desnazificação do poder" no país.

Tudo condições que Zelensky recusa sequer aceitar analisar, mantendo que a paz só será possível quando os russos deixarem o seu país tal como ele existia em 1991, aquando da sua independência da então URSS, os russos sejam julgados em tribunais internacionais e Moscovo pague as contas da reconstrução.

Face a este impasse, que o Kremlin já disse que é resultado da vontade do ocidente e não dos ucranianos, Lavrov explicou à Newesweek que Moscovo está pronto para uma solução diplomática que resolva os problemas pela raiz mas não encontrando a resposta adequada do ocidente.

Mas Lavrov aproveitou o momento, no que parece ser a razão principal para esta entrevista, para dizer que a nova estratégia ocidental, que é forçar a ideia de uma guerra prolongada para depois mostrar abertura para um congelamento temporário do conflito, não terá acolhimento na Rússia.

Ou seja, das palavras de Zelensky e dos seus conselheiros mais próximos, alguns analistas notam uma predisposição para conversar com Moscovo se ali encontrarem menos resistência a cedências ao que é pedido por Kiev.

E isso seria, por exemplo, não definir nada agora, congelando a guerra, a exemplo do que sucedeu na Península Coreana em 1953, quando o Norte e o Sul assinaram um armistício mas não um acordo de paz definitivo, mantendo até hoje uma situação de guerra em latência.

Ora, é precisamente isso que Moscovo não quer e não aceita, como Lavrov insiste em afirmar nesta entrevista, porque, recorde-se, antes de Fevereiro de 2022, também havia os denominados Acordos de Minsk I e II, que mantiveram uma paz podre durante anos e que Kiev, como o confirmaram os então lideres alemão, Anela Merkel, e francês, François Hollande, serviram apenas para os países da NATO reorganizarem as forças armadas ucranianas para uma guerra com a Rússia.

Para que as razões de Lavrov vinguem, o ocidente "tem de parar de armar Kiev" e os ucranianos pararem as hostilidades, voltando ao "status" de neutralidade e não-beligerância constitucional, protegendo a cultura e língua russas na Ucrânia.

Nesta entrevista, Sergei Lavrov admite ainda, no que é uma novidade nas posições recentes de Moscovo, que os acordos alinhavados de Istambul em 2022, pouco depois da invasão russa, podem servir de base para retomar as conversações.

O que deixa em aberto um novo campo para plantar a paz, porque nessa altura, Moscovo não exigia tomar territórios ucranianos e isso agora é uma evidência.

O que permite perceber que estas declarações de Lavrov, um velho "lobo" da diplomacia planetária, chegam com um truque imbutido, que é, como as regiões de Lugansk e Donetsk, que perfazem o Donbass, e Kheron e Zaporizhia, foram anexadas em 2022, e a Crimeia tinha-o sido em 2014, então estas são já parte da Federação, o que permite ao Kremlin argumentar que não pretende, como em Istambul, reivindicar territórios ucranianos...

E deixa um aviso a Kiev e a Washington: Sem uma resposta positiva do ocidente, a Rússia vai manter a sua "operação militar especial" até que sejam "conseguidos todos os objectivos".

Com o mundo mediático focado no Médio Oriente devido ao crescente risco de um alastramento catastrófico do conflito israelo-palestiniano, e com a guerra na Ucrânia caa vez mais fora dos radares, é de esperar que, a haver, só nos próximos dias se conhecerá uma respostas a estas palavras de Lavrov, que são, sem dúvida, uma clara prosta para mudar o curso dos acontecimentos.

As palavras surpreendentes de Kamala

Naquela que é, provavelmente, a sua mais surpreendente declaração sobre o conflito na Ucrânia, Kamala Harris, actual vice-Presidente dos Estados Unidos da América, veio dizer numa entrevista que admite falar com o Presidente russo sobre conversações de paz.

A igualmente candidata democrata à Casa Branca nas eleições de 05 de Novembro, onde defrontará Donald Trump, que também já disse que vai falar com Putin para acabar com o conflito, sugere que essa conversa com o chefe do Kremlin teria de contar com a presença ucraniana.

"Falaria com o Presidente russo se a Ucrânia estiver presente, porque Kiev tem de ter uma palavra no seu futuro", disse Kamala Harris numa entrevista à CBS, depois de questionada se falaria com o Presidente da Federação Russa para encontrar uma solução negociada para a guerra.

Mais, Harris foi mesmo ao ponto, naquilo que pode ser visto como um gesto de aproximação a Putin, de não responder directamente à pergunta sobre a entrada da Ucrânia na NATO, que é, como igualmente se sabe há anos, uma das linhas vermelhas mais carregadas impostas pelos russos.

Sublinhou, todavia, que disso falaria quando chegar o momento e que entende ser mais relevante por agora apoiar KIev na defesa contra a agressão russa.

Esta nova postura da Casa Branca, porque é o que sendo Harris ainda a vice-Presidente dos EUA, não veio com explicações ao detalhe na entrevista, mas pode querer expor não apenas um novo olhar sobre o conflito, que é, efectivamente, mas também uma resposta a Trump.

Isto, porque a democrata disse que o antigo Presidente e candidato republicano fez sobre o tema foi "uma clara rendição" de Kiev, o que é inadmissível, porque, como é sabido, DOnald Trump diz há meses que assim que for eleito acaba com o conflito em 24 horas.

O que tem sido visto pelos analistas como sendo apenas possível se isso contiver uma imposição de aceitação a Kiev dos termos russos para acabar com as hostilidades.

Mas, se estas declarações de Kamala Harris podem ser vistas como uma reacção de campanha a uma das posições mais fortes de Trump para a política externa, que tem sempre peso na escolha dos eleitores norte-americanos, é igualmente possível que sejam indício de uma nova forma de encarar o conflito no leste europeu.

Isto, porque, até agora, apesar de todo o apoio, ilimitado em armas e dinheiro, como prometido desde o início pelo Presidente Biden, a Ucrânia está objectivamente a perder a guerra, as consequências para as economias ocidentais estão a ser desastrosas e não parece haver outra saída que não seja negociar com Moscovo a melhor solução possível.

Quando Kamala Harris diz que essa eventual conversa com Putin, após ser eleita, teria de contra com a presença ucraniana, sem falar especificamente de Volodymyr Zelehsky, é porque, mesmo que apenas como possibilidade, uma das condições do Kremlin para acabar com o conflito é uma mudança de regime apresentada sob a forma de "desnazificação".

Para se perceber a dimensão destas palavras de Harris, ter-se-á que esperar pela próxima reunião dos países da NATO; na Alemanha, em Ramstein, a 12 deste mês, na qual estará o Presidente Biden, que rumará depois, como se sabe, a Luanda.

Nas reuniões mensais de Ramstein, a base aérea dos EUA na Alemanha, uma imposição pela derrota alemã na II Guerra Mundial, tem-se notado de forma clara um fade out da disponibilidade ilimitada dos aliados de Kiev para alimentar o seu esforço de guerra ate, como diziam os líderes europeus e norte-americanos, "à derrota total dos russos no campo de batalha".

Alias, esta postura de Harris, provavelmente deveria ser menos surpreendente do que está a ser vista como, porque vem no seguimento de palavras similares do chanceler alemão, OLaf Scholz, que já disse que quer falar com Putin, ou ainda do Presidente checo, Petr Pavel, que propõe mesmo negociações oficiais com o Kremlin e a cedência de territórios ucranianos.

Também o francês Emmanuel Macron, depois de querer enviar tropas da NATO para combater os russos, mudou agora de posição e já fala de novo em voltar à mesa das negociações directas com Vladimir Putin.