A resposta é simples: Kiev quer negociar se Moscovo ceder em toda a linha, porque dessa cedência depende a sobrevivência política do regime de Volodymyr Zelensky, enquanto o Kremlin quer negociar depois de os ucranianos aceitarem todas as suas condições...
... porque o Presidente Vladimir Putin, que tem repetido estar disponível para negociar uma saída pacífica para o conflito, sabe que, no campo de batalha, a Rússia já não tem oposição e as forças ucranianas estão à beira da ruptura, avançando rapidamente para as margens do Rio Dniepre, que é a linha mágica que lhe permitirá gritar vitória.
Alguns analistas, como o britânico Alexander Mercouris, um dos mais ouvidos e bem informados especialistas em política internacional nos canais do YouTube, embora sendo tendencialmente pró-russo, ou o norte-americano John Mearsheimer, respeitado professor da Universidade de Chicago, entendem que aos russos não interessa acabar com o conflito neste momento.
E isso porque não apenas Moscovo ganha dia após dia mais território nas quatro regiões que anexou em 2022 e ainda não tem sobre elas todo o poder - Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk -, face à escassa resistência ucraniana, mas também porque aproveita para destruir o que resta do armamento ocidental na posse dos ucranianos e desvitaliza a sua capacidade humana de resistir.
Apesar desta abordagem estar a ganhar tracção entre os analistas melhor informados, incluindo alguns ocidentais pró-ucranianos, há quem pense diferente, como o major-general Isidro Pereira, que na CNN Portugal tem defendido que os EUA forneceram quantidades substantivas de armamento a Kiev nas últimas semanas, o que vai permitir reorganizar as suas linhas de defesa e resistir aos avanços da Rússia.
O analista militar da CNN Portugal refere-se aos cerca de 9 mil milhões USD que o Presidente Joe Biden ainda tem para entregar a Kiev no âmbito do pacote de 61 mil milhões USD aprovado no Verão de 2024 e que está, em ritmo acelerado, a chegar à Ucrânia antes que o Presidente-eleito, Donald Trump, assuma o poder, a 20 de Janeiro.
Porém, com baixas muito superiores aos russos, devido à abissal diferença em homens e armamento disponível, os ucranianos enfrentam agora outro problema, como o britânico The Guardian, um dos jornais mais empenhados na defesa da perspectiva ucraniana neste conflito, vem confirmar, que é a crescente deserção na frente de batalha.
Segundo o jornal com sede em Londres, Kiev abriu mesmo um processo judicial contra os comandantes da 155º Brigada Mecanizada, uma das que integram as suas forças de elite, que foi treinada pelos franceses, depois de largas centenas de militares desta unidade terem desertado da frente de combate.
Esta notícia, que é a primeira trazida à estampa por um grande jornal ocidental pró-ucraniano, não é, todavia, uma novidade, porque nalguns canais geridos por bloggers de guerra, incluindo ucranianos, têm sido divulgadas notícias e vídeos de crescente deserção e oposição grave a ordens dos comandantes que recusam retirar face a iminentes e desastrosas derrotas.
Além disso, alguns media ocidentais igualmente pró-Kiev têm noticiado, com crescente insistência, que a Ucrânia não está a conseguir recrutar em número suficiente para repor as perdas em combate, com as suas unidades especiais de detenção de refractários a serem confrontadas por populares.
O que deixa a Ucrânia numa posição muito difícil para conseguir convencer o novo Presidente norte-americano a apoiar Kiev na busca de uma posição de força para negociar em vantagem sobre Moscovo o fim deste conflito, como o próprio tem dito que pretende conseguir.
A derradeira jogada de Zelensky é, claramente, procurar conduzir Donald Trump para decidir como estratégia forçar Putin a aceitar negociar reforçando a capacidade militar ucraniana, aproveitando o compromisso do Presidente-eleito em acabar com o conflito rapidamente após assumir o cargo e a ideia que sobre ele existe de que gosta de decidir tudo pela força.
Ora, esta jogada de Zelensky tende a esbarrar duramente na realidade, visto que, sobre ele Donald Trump já disse tudo o que se pode dizer de alguém de quem não se gosta sem romper totalmente as relações formais, como quando acusou o Presidente ucraniano de ser "o melhor caixeiro-viajante de sempre".
Mas contra esta movimentação das peças no xadrez diplomático por Zelensky estão ainda as mais recentes declarações de Marco Rubio, o nomeado de Trump para secretário de Estado, que afirmou, em distintas ocasiões, que este conflito vai "acabar em negociações" e que os EUA não devem estar a gastar biliões numa guerra que Kiev não pode vencer.
Apesar de Donald Trump ser uma das forças motrizes que impulsionam, nesta fase, as partes para a mesa das negociações, que é fundamental para abrir o seu mandato em grande, como ele gosta tanto, gerando um ruído nunca antes visto nas chancelarias europeias, falta saber se em Moscovo Vladimir Putin vai aceitar jogar esta partida de xadrez diplomático.
É que, como notava ainda Alexander Mercouris, em The Duran, à Rússia não interessa terminar o conflito sem ver os seus objectivos totalmente conseguidos porque a guerra segue a seu favor e porque sabe que a popularidade de Zelensky e do seu regime nunca foi tão baixa, como o demonstram as sondagens (ver aqui e aqui).
Apesar disso, segundo The Guardian, mesmo deixando saber que Zelensky já não acredita totalmente que Trump lhe seja favorável, avança esta sexta-feira, 03, que o Presidente ucraniano ainda espera que "de forma inesperada" o próximo Presidente dos EUA o ajude na guerra com os russos.
"Ele é muito forte e imprevisível e eu gostaria de ver o Presidente Trump, de forma imprevisível, a impor à Rússia as condições justas para acabar com a guerra", disse Zelensky citado pelo jornal britânico a partir de uma entrevista à TV ucraniana.
Alguns analistas notam que Zelensky optou por este caminho em total desespero, porque está a lidar com Trump como se este fosse não apenas influenciável pelos elogios de "homem forte" como "esquece" que o pr+oximo inquilino da Casa Branca sabe que ele apoiou os democratas Joe Biden e Kamala Harris durante a campanha para as Presidenciais de 05 de Novembro.
Ainda assim, nesta entrevista à TV ucraniana, Zelensky refere que Trump vai ser decisivo para ajudar Kiev a chegar mais forte às negociações com os russos, afirmando que "ele vai ser capaz de travar Putin ou, pelo menos, ajudar a Ucrânia a travar Putin" de forma a que nas negociações possa ser possível "uma paz justa para Kiev".
Entre as condições para conseguir essa "paz justa" para Kiev, Zelensky coloca a entrada na União Europeia e um convite formal para aderir à NATO, além de manter como condição sine qua non a recuperação de todos os territórios anexados pela Rússia, julgar os líderes russos em tribunais internacionais e obrigar Moscovo a pagar a reconstrução da Ucrânia.
Mais uma vez, como sublinham vários analistas, Zelensky demonstra estar a ignorar a realidade porque pretende que quem está notoriamente a vencer a guerra ceda como se tivesse sido derrotado sem apelo nem agravo no campo de batalha como, recorde-se, queriam os seus aliados ocidentais e foi verbalizado repetidamente pelo Presidente norte-americano, Joe Biden, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
No entanto, Volodymyr Zelensky deixou transparecer estra consciente de que a sua posição, além de insustentável, está longe de ter qualquer conexão com a realidade, porque, ainda nesta entrevista, admitiu que haverá eleições na Ucrânia muito em breve.
Assim é porque o Presidente ucraniano, que se mantém no cargo graças à lei marcial que vigora no país há três anos, devia ter realizado eleições em Maio de 2024, quando terminou o prazo normal do seu mandato, sabe que as sondagens sobre a sua popularidade o deixam fora de qualquer possibilidade de reeleição.