É útil que se canalizem ajudas alimentares para acudir a situação de quem sofre com a fome, mas é importante que sejamos conscientes de que não se pode garantir a segurança alimentar das famílias vulneráveis sem que seja dada mais atenção às estratégias de sobrevivência, por vezes também chamadas estratégias de adaptação que estas famílias adoptam como mecanismos para travar o aparecimento de catástrofes e fomes como as que temos vindo a assistir, em Angola, nos últimos tempos.

Isto pode ser facilmente conseguido através da realização de estudos empíricos, análises e reflexões profundas sobre a fome, como as que já fazem diversas organizações não-governamentais ou centros de pesquisas das universidades, em diferentes partes e contextos do País. Porque, ao contrário da prática convencional, estes estudos, reflexões e análises contribuiriam para demonstrar que, na maior parte dos casos, a prioridade das pessoas afectadas pela fome não é geralmente manter o seu nível de consumo alimentar, mas, sim, preservar os seus recursos produtivos, de modo a poder garantir as suas actividades económicas e os seus rendimentos, uma vez que a crise se atenue. Quiçá por ignorar-se este importante dado a resposta às crises provocadas pela fome tende a concentra-se no fornecimento de bens alimentares e outras acções de cariz meramente assistencialista.

Pode parecer pouco evidente, mas, em muitos casos, famílias há que, se necessário, estão dispostas a sofrer um certo nível de privações, ou seja, a reduzir o seu consumo alimentar como forma de poupar, procurando, desta forma, conciliar a sobrevivência imediata com a sobrevivência futura, e garantir a satisfação das necessidades básicas presentes com a manutenção da base dos seus recursos produtivos. Se estas pudessem escolher livremente o tipo de ajuda que necessitam não me seria surpreendente que pediriam itens muito diferentes daqueles que recebem através de algumas das iniciativas de solidariedade a eles destinadas conforme vemos na midia.

É bem verdade que as iniciativas para enfrentar a crise provocada pela fome podem variar muito em função das características, do ambiente e do sistema de subsistência: o habitat rural ou urbano, o ambiente agro-ecológico, as actividades económicas realizadas e as capacidades da família (material, técnico, social, psicológico, etc.). Mas, sinto que no caso de Angola a maioria delas, ou pelo menos as mais mediáticas, tem-se concentrado em medidas de caracter assistencialista, com foco no apoio emergencial, ignorando se os contextos são agrícolas ou pastoris face a crises alimentares.

Ou seja, existem estratégias que são implementadas pelas famílias vulneráveis em anos normais como forma de minimizar possíveis riscos futuros; estratégias que são implementadas quando surge uma crise para se adaptar a ela, com base na poupança para preservar os recursos produtivos da família; e, finalmente, quando a crise é grave, estratégias que procuram acima de tudo garantir a subsistência dos indivíduos e que passam pela alienação progressiva dos bens produtivos da família, com a consequente hipoteca para o futuro do seu sistema de subsistência.

Em meu entender, as políticas públicas deveriam privilegiar o reforço das acções de minimização do risco a longo prazo, que são medidas fáceis de implementar para garantir o nível de rendimento em caso de crise, através do apoio para que as famílias vulneráveis possam fazer mais investimento e acumulação de reservas (dinheiro, animais, equipamento, reservas alimentares), que podem ser utilizadas ou vendidos em caso de crise; estabelecimento e reforço das redes sociais informais ou tradicionais, que em caso de necessidade fornecem empréstimos, apoio à migração e outras formas de solidariedade ou mesmo a diversificação do risco: combinação de diferentes fontes de rendimento (agricultura com gado, mão-de-obra), dispersão espacial dos campos, utilização de diferentes variedades de sementes e animais, etc.

Tudo isto é possível, economicamente custa bem menos do que lidar de forma atabalhoada com as ajudas de emergência que sempre serão insuficientes, irregulares e resolvem o problema de forma muito pontual...