O episódio ocorreu quando o presidente da Federação Angolana de Futebol (FAF), interpelado pela imprensa acerca do valor salarial do seleccionador, recusou-se a fornecer essa informação, invocando a existência de uma cláusula de confidencialidade no contrato que o impedia de revelar tal informação.
Este facto suscitou reacções imediatas de crítica pública e mediática, trazendo à superfície a tensão entre dois princípios fundamentais: de um lado, o direito à confidencialidade contratual, reconhecido e amplamente utilizado nas relações contratuais de diversa natureza, não apenas nas desportivas e, de outro, a exigência de transparência, particularmente relevante quando se trata de instituições que gerem recursos de interesse colectivo. A cláusula de confidencialidade é instrumento jurídico legítimo, utilizado em múltiplos ordenamentos, com o objectivo de resguardar informações estratégicas, prevenir especulações de mercado e proteger a privacidade de atletas, treinadores e entidades empregadoras.
Em países como Espanha, Brasil, Portugal ou França, só para citar estes exemplos e porque fiz questão de pesquisar sobre as respectivas realidades, a divulgação oficial dos salários dos seleccionadores nacionais não é actualmente e nunca foi uma prática institucional. Normalmente, isto quando acontece, a divulgação desta informação chega ao domínio público apenas por via de investigações jornalísticas ou relatórios paralelos.
Foram reiteradas vezes colocada a questão se há ou não, no contexto angolano, uma obrigação legal por parte da Federação de divulgar publicamente a informação em causa, considerando, sobretudo, o facto de ser uma instituição financiada em grande medida por recursos públicos provenientes do Orçamento Geral do Estado.
Sobre isto e como ponto de partida, é fundamental esclarecer que efectivamente as Federações Nacionais em Angola são instituições privadas, pertencentes aos seus sócios, nomeadamente, as Associações Provinciais e Clubes Desportivos.
Mas uma apreciação mais cuidada revela-nos que as Federações Nacionais, não obstante no plano formal serem instituições privadas, são, entretanto, dotadas do estatuto de entes de utilidade pública desportiva, dotando-as de poderes especiais e típicos de verdadeiras autoridades públicas, como a capacidade para exercer poderes disciplinares e normativos, a responsabilidade exclusiva para organizar provas oficiais de âmbito nacional, poderes de representação, em nome do País, em instituições internacionais (como a FIBA, COI, FIFA, etc).
Resumindo e concluindo, as Federações Nacionais em Angola têm de facto uma característica híbrida pelo exercício de funções públicas, apesar de serem instituições de natureza privada.
O outro aspecto muito relevante na análise da situação ocorrida é o elemento central que o financiamento público ocupa na estrutura orçamental das Federações Nacionais. É um facto inquestionável que o grande sponsor ou patrocinador das Federações Nacionais é o Estado, seja de forma directa (subsídios ministeriais) ou indirecta (patrocínios de empresas públicas e de capitais exclusivamente públicos) e esta circunstância gera uma espécie de paradoxo entre a autonomia e independência formal versus dependência real dos fundos públicos.
A situação acima descrita leva-me a concluir que, de um ponto de vista doutrinário, as Federações Nacionais são efectivamente entidades privadas de interesse público dependentes.
Diante do que disse e respondendo em concreto se ao escudar-se na sacramental cláusula da confidencialidade para não revelar publicamente o salário do seu treinador se a FAF terá ou não violado algum dever legal, a minha opinião é que, de um estritamente legal, não houve qualquer atropelo a qualquer Lei.
A Federação Angolana de Futebol, tal como todas as outras, é uma instituição privada que, não sendo uma Unidade Orçamentada directamente pelo Tesouro Nacional, nem um órgão, de um ponto de vista legal, orçamentalmente dependente do Ministério da Juventude e Desportos, tem, entretanto, a faculdade de fazer uma gestão privativa de recursos públicos.
Para mim é imperativo considerar o contexto institucional angolano. Ao contrário de países com sistemas de fiscalização robustos e mecanismos de accountability mais eficazes (para além do facto de suas federações Nacionais não serem tão dependentes de financiamentos públicos) a percepção pública em Angola hoje encara o silêncio como sinal de opacidade e possível ocultação de informação, logo, esta conjugação de factores e circunstâncias deve necessariamente ser levada em conta quando se comunica.*Jurista e Presidente do Clube Escola Desportiva Formigas do Cazenga