A mentalidade ocidental sobre o casamento afirma-se cada vez como o "nosso" modelo de sociedade, juntando, como no passado, dois grandes aliados contra os usos e costumes tradicionais africanos: O Estado e a Igreja.

Muitas das senhoras que dobram os joelhos a pedir por casamento, na verdade, sempre foram vistas junto da sua família, da sua comunidade e dos seus costumes como respeitadas mulheres casadas. Também elas sempre se viram como tal, até um pastor ou padre ou até mesmo um jovem conservador desconsiderar o seu estado civil. Diz a Lei que quem não tenha um casamento civil ou religioso é solteiro ou, se registar a relação, vive em união de facto.

O casamento civil é um fenómeno urbano. A grande maioria das famílias originárias de zonas não-urbanas pratica o casamento tradicional. Não vivem maritalmente nem em união de facto, como se diz no discurso oficial. São casados segundo os seus hábitos e costumes.

Apesar dessa imposição cultural, o Censo de 2014 constatou que os solteiros, 46%, e as uniões de facto, 34%, são dominantes na nossa sociedade. Os casamentos representam apenas 14% da população.

Permitimos que um modelo de matriz marcadamente ocidental se apresente, sob a capa da modernidade, como único e indiscutível.

Os números desmentem. Existe, isso sim, uma filosofia que preside à actuação de políticos que fazem leis a solicitar que as pessoas se casem ou declarem a união de facto; ou das igrejas quando, apesar da omnipresença de Deus, só abençoam os casamentos sob seu tecto, ou ainda quando a administração pública não admite sequer outras formas senão a regulada pelo Código Civil.

O casamento tradicional tem como raiz filosófica a junção de duas famílias, e não a construção de uma terceira. Cada casal passa a ser novos filhos de uma mesma família. Trata-se de uma inversão filosófica fundamental que permite compreender o alembamento como uma cerimónia de união de famílias que, a partir desse matrimónio, se passam a relacionar em todas as ocasiões como familiares próximos.

Também por essa razão, participam na resolução dos conflitos e a dar conselhos para assegurar a estabilidade do casal. Trata-se também de uma cerimónia de reconhecimento do papel educativo da família, de que resulta o simbolismo das ofertas de agradecimento, as chamadas listas.

Mais do que um dote, as ofertas simbolizam a gratidão pelo trabalho tido com a noiva na sua educação escolar e preparação como mulher.

Decorre daí também a especial atenção aos pais (o fato do pai e os panos da mãe) e às tias, a quem, em muitas culturas, compete preparar as sobrinhas para o futuro relacionamento sexual com o marido, para os afazeres caseiros e os modos de relacionamento com a nova família.

Os excessos de que todos ouvimos falar nada têm que ver com a matriz original. Fazem parte de uma lógica urbana de aproveitamento e falta de escrúpulos que, felizmente, ainda não contagiou as zonas semi-urbanas e rurais.

O alembamento chega a ter nas comunidades etnolinguísticas mais efeitos jurídicos do que outras relações na medida em que, sem ele, nenhuma mulher é considerada esposa de seu marido, nenhuma das famílias se sente unida a outra e a paternidade dos filhos não é reconhecida pela família materna. A relação é considerada uma desvalorização da honra feminina.

Tanto o ordenamento jurídico como a maior parte das declarações públicas sobre o alembamento, são ofensivas ou de um deliberado rebaixamento do alembamento para um simples pedido da mão da noiva.

Mais fácil seria promover-se a formalização do casamento tradicional e acabar com a figura de união de facto, já que, isso sim, não é um casamento. Caberia ao Governo desencadear um processo de negociação para a institucionalização das regras de cada uma das comunidades, salvaguardando a não violação da Constituição da República de Angola e o respeito por direitos como a idade adulta dos nubentes, a herança, direitos dos cônjuges e o direito ao divórcio.

A união de facto e a imposição do casamento civil têm apenas agravado ainda mais a condição frágil da relação conjugal, já que transforma em solteiros a maior parte dos casamentos e não protege os verdadeiros problemas existentes.

Pelo contrário, deixa sempre em aberto a possibilidade de viver maritalmente sem registar a relação. Não defendemos qualquer reconstituição do casamento secular nas comunidades rurais, mas apenas a aceitação da pluralidade jurídica, fazendo combinar normas do direito consuetudinário e do direito formal.