O MPLA continuará por certo a hastear a bandeira da mudança, mas a experiência dos três primeiros anos de governação de João Lourenço desafia-o a provar que não proclamou a mudança para tudo ficar como dantes.
Mas, desafia-o também a ser humilde no plano eleitoral e, por isso, a reconhecer que não é por ter o Comité Central mais numeroso do mundo democrático que se forma uma elite, nem por encher o estádio 11 de Novembro, que "a vitória já está"!
E desafia-o ainda a dar uma urgente guinada no volante da viatura para endireitar o curso da viagem e para alcançar o rumo desejado pelos cidadãos, que tarda em chegar.
É isso que os governados, com ou sem eleições à porta, continuarão a exigir aos governantes, quer sejam os actuais quer sejam os que vierem a seguir.
É perante esse desafio que o MPLA - se quiser continuar a deter a hegemonia governamental em Angola - terá de vencer, mas para aí chegar, como diz Rafael Marques, terá, em primeiro lugar, de ser capaz de "ultrapassar a falta de visão e as incapacidades das lideranças actuais" em dar uma resposta à altura das necessidades e das aspirações dos cidadãos.
O regresso ao Secretariado do Bureau Político do MPLA de Jú Martins - uma das peças chaves da sua avassaladora dinâmica no passado - que empresta, no momento certo, um novo fôlego à sua estratégia eleitoral, abre espaço à reconquista de um terreno que começava a estar seriamente ameaçado pela oposição.
Com este regresso e com a chamada de outros quadros como Idalina Valente e Ângela Bragança, João Lourenço faz a jogada que se impunha para municiar o MPLA de um novo arsenal de trunfos que lhe vai permitir olear e afinar algumas estruturas, e, com massa crítica experimentada, introduzir um aroma político diferente e uma acutilância discursiva renovada na mensagem eleitoral.
Depois de ter voltado a dar o voto de confiança ao líder que veio da nova geração - Adalberto da Costa Júnior - a UNITA, por sua vez, há-de querer sair à rua para investir contra a arrogância do MPLA e, sobretudo, contra a ineficácia governativa nalguns domínios, a subversão do poder judicial, a captura e a partidarização dos organismos públicos e a nova escalada de corrupção, garantindo aos eleitores que fará melhor do que o MPLA e que lhes oferecerá o céu e a terra.
Com estes argumentos, a UNITA prepara-se para os convencer a darem-lhe mais uma oportunidade para também ser Governo.
Vimos como esta película rolou pela primeira vez em 1992. Assistimos à sua segunda projecção em 2008. Voltamos a ver o mesmo filme em 2012. E, em 2017, o enredo eleitoral montado no palco por ambos os partidos não foi diferente daquele a que, até então, nos haviam habituado.
Hoje o desgaste de quem governa de forma ininterrupta há quase meio século é enorme. Mas, a esperança depositada em quem há décadas aspira teimosamente em ser Governo, não deixa de ser potencialmente também enorme.
Atento à eventual plantação de novas "minas e armadilhas" no caminho, a UNITA delineou um plano B que, ao passar pela alteração dos seus estatutos, abre espaço para que o seu líder não seja necessariamente o candidato à Presidência da República.
Neste cenário não é difícil, mesmo à vista desarmada, vislumbrar quem, no âmbito da coligação - Frente Patriótica Unida - possa vir a imergir como potencial adversário de João Lourenço.
Depois de ter alimentado no início grandes esperanças em torno da nova aurora governativa, Abel Chivukuvuku lentamente se foi divorciando do projecto posto em marcha por João Lourenço e, ao ter sido empurrado pelo MPLA para os braços da UNITA, pode finalmente vir a concretizar um velho sonho apoiado pelo eleitorado do seu antigo partido.
Com este trunfo à espreita, e empolgado pelo banho de multidões que tem acompanhado os seus comícios, o que a UNITA, no entanto, tem feito até agora, não passa da apresentação do catálogo de erros da governação de João Lourenço.
Nada que os cidadãos não tenham capacidade para fazer e nada que a população não esteja a descarnar no seu dia a dia. O que a UNITA enquanto partido que quer ser poder ainda não conseguiu demonstrar é o que vai fazer para "mudar o que está mal e melhorar o que está bem".
O que é manifestamente muito pouco para quem quer ser Governo. O que pode deixar pairar a ideia de que, com a UNITA no poder, também muita coisa pode vir a mudar para tudo ficar na mesma....
Apesar de centralizarem e dominarem o nosso espaço político, MPLA e UNITA, por mais que se desunhem, não são, no entanto, o princípio e o fim de Angola.
Como diria aquele que terá sido porventura o mais britânico dos Presidentes da democracia portuguesa, Jorge Sampaio, em Angola também "há mais vida" para além do MPLA e da UNITA.
Assobiando para o lado desta realidade, os aparelhos destes dois partidos - os únicos que a curto e médio prazos podem ser poder em Angola - parecem ter sido sequestrados por uma das mais terríveis pragas do nosso tempo.
Quem está na oposição ensaia agora algumas "mutações genéticas" e tenta a todo o custo demonstrar que já se libertou de uma marca identitária altamente nociva para a saúde da Nação, mas, o vírus continua lá muito bem alojado no cérebro da sua gerontocracia.
Quem é Governo tenta igualmente fazer de conta que o seu efeito é residual, mas, por lá, o vírus continua também a não deixar de fazer das suas.
Ao nível do Governo, assusta-me, por isso, a crescente hostilização de que - a excepção de Luanda - têm sido alvo os governadores e executivos que não nasceram ou não são originários das províncias para as quais são nomeados.
O fenómeno mukwakwuiza, jargão chokwe que discrimina os que vêm de fora, promete perturbações que vão para lá da "nação chokwe".
Se é verdade que é preciso atender às questões étnico-regionais, não menos verdade é que ninguém deve ser ostracizado por ser de outra província. Isso seria talvez menos dramático se as autarquias estivessem em funções.
Não sendo este o caso, parece que nos estamos a esquecer de que o tribalismo é um veneno tão letal que pode pôr em causa a estabilidade e a integridade de uma nação. Para quem tenha dúvidas, basta olhar o que se passou no Ruanda.
E por arrasto, o racismo, irmão gémeo do tribalismo e outro refúgio dos incompetentes e incapazes, também tem montada tenda nas fortalezas dos nossos dois maiores partidos políticos.
Isso serve para todos. A UNITA, a respeito de quem se dizia que a eleição inicial de Adalberto da Costa Júnior era uma demonstração de que já estava no pós-racismo, depois do seu último congresso, mostrou-nos que, afinal, não está.
E o que vazou, não sendo apenas o pensamento de alguém ressabiado, revelou que muita gente por ali não está sozinha.
Ao não se terem precavido, de forma aberta ou velada, demonstraram que o racismo continua bem alojado lá atrás.
No entanto, quanto menos os agentes do racismo esperam, a história encarrega-se de lhes dar lições e bofetadas sem mão. A última dessas lições veio agora de Portugal onde uma angolana - de naturalidade e vivência - preta retinta - graças ao seu pedigree, passa a acumular as funções de Ministra da Justiça com a pasta da Administração Interna.
Mas, por ironia da história, as lições não ficam por aqui. Estendem-se a outras latitudes e geografias. Boris Johnson, o Primeiro-Ministro britânico, nasceu em Nova Iorque, o Ministro da Economia do Reino Unido é negro e o Presidente da Câmara de Londres é originário da Índia.
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