No espaço mediático, criam-se as confrarias de opinião, cujos protagonistas são sempre aqueles previamente seleccionados para a foto que vai ficar no álbum de família. Aqui os heróis da foto são tão "fotogénicos" que lhes é dada a possibilidade de maior tempo de antena e uma abordagem temática bastante diversificada. Há também protagonistas únicos para aparecer na foto, em que são a parte principal e os outros apenas o acessório. No combate à Covid-19, os políticos são os grandes protagonistas, os técnicos e especialistas ficam sempre numa situação de "baixa visibilidade".
Não se sente a presença, posição e afirmação da Ordem dos Médicos, que devia ter voz activa. Não se sente a voz de epidemiologistas, infecciologistas, entre outros. Faz falta a presença e parecer de especialista e da classe académica. Faz-nos falta, muitas vezes, uma abordagem muito mais técnica e académica do que política, e ele dificilmente aparece. Sou da opinião que há um excesso de protagonismo na figura do Presidente da República no combate à corrupção. É importante que o Estado forneça meios para que o sistema de justiça funcione de forma eficaz, independente e que tenha poder efectivo. Como disse na semana passada no Espaço NJ na LAC, é preciso que os procuradores e juízes sejam os grandes protagonistas, sejam os "heróis" desta foto de combate à corrupção. Sem desvalorizar o papel do Poder Executivo, que deve fazer parte deste importante processo de moralização e responsabilização social, é preciso ver como escreve nesta edição Luzia Moniz, como foi feito e está a ser feito o combate à corrupção noutras paragens e quem são os grandes protagonistas.
Há uma necessidade de afirmar uns e "anular" outros que até na solidariedade, na filantropia, que devia haver inclusão nós excluímos. Criam-se projectos solidários que deviam "abraçar" jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social, que devia ser um espaço, uma oportunidade para criar união da classe através da solidariedade, mas até aí os órgãos privados são excluídos da foto de família e as honras são apenas para aqueles órgãos que têm maior proximidade e "alinhamento" ao poder. O poder divide e determina: os "vilões" dos media não são dignos de presença altruísta, eles não cabem e nem ficam bem na foto. A foto tem outras medidas e outros protagonistas. Há outros heróis para a foto que será emoldurada e ficará no quadro de honra da solidariedade jornalística.
O recente Acórdão 688/2021 do Tribunal Constitucional sobre a fiscalização preventiva da Lei de Revisão Constitucional, em que o juiz-conselheiro-presidente Manuel da Costa Aragão vota contra e apresenta uma declaração em que explica o seu sentido de voto, obriga-nos a fazer uma leitura bastante objectiva e permanente (e não é a primeira vez que o faz), sendo também matéria do Especial Informação desta edição do Novo Jornal. Há também uma declaração de voto do juiz-conselheiro Carlos Teixeira e votação "com reserva" de duas juízas-conselheiras, Josefa Neto e Maria da Conceição Sango, ou seja, há quatro juízes que, apesar de o Acórdão ter saído assim, não concordam em todo ou em parte com a sua fundamentação. E há um núcleo duro de seis juízes-conselheiros que nunca se contrariam, agem em bloco e estão bem alinhados, nunca travam o avanço/progressão de uma decisão. Assinam sempre sem reversa e declaração de votos.
É Manuel da Costa Aragão que vai sendo sempre vencido nos seus argumentos, que não consegue criar consenso, que começa a ficar cada vez com menos espaço na foto de família do Tribunal Constitucional. Basta fazer uma leitura política e pragmática para perceber que há muito que está em curso uma estratégia para afastá-lo do cargo de juiz-conselheiro do TC. Não se conseguiu com a narrativa da jubilação aos 70 anos e não acredito que quem o quer "apeado" do cargo, mesmo sabendo que ele é inamovível, irá esperar que cumpra o mandato de sete anos (que já vai ao meio).
Sendo um homem atento e experiente, Manuel da Costa Aragão já percebeu que quem não o quer por lá já vai dando sinais e apertando o cerco. Ou sai pelo próprio pé ou será combatido até à exaustão. Ele já não cabe na foto e já há um outro "herói " para a sua foto. Como costuma dizer o juiz aos seus pares no TC: Não se pode servir a dois Deuses! Somos todos filhos, dependentes e devemos obediência ao Deus Maior.
"Heróis da foto/Eles fingem que foi pelos outros/Mas nos comem a carne e ainda nos roem os ossos/ Ficam com a "esquebra", com o troco e com o corpo/Eles não morrem com balas como nós, os loucos"- Paulo Flores, in "Heróis da foto".