A forma como a comunicação social é tratada por quem está no poder diz muito sobre o nível de liberdade, independência e respeito pelo jornalismo no País. João Lourenço parece estar a alinhar na mesma estratégia dos homólogos Donald Trump e Sissoco Embaló, que olham para o jornalismo livre, isento e independente como um contra-poder e um alvo a abater.

Perguntar não ofende, mas incomoda. A postura de um estadista diante de perguntas de jornalistas deve ser serena, objectiva e estratégica, evitando polémicas desnecessárias. O Presidente João Lourenço pode, se necessário, redireccionar a sua resposta para dar ênfase ou realce aos pontos-chave da sua visão, da sua gestão ou estratégia. Não pode querer colocar-se no lugar dos jornalistas ou colocar os jornalistas no seu lugar. Não! Cada um deve estar no seu lugar, fazer o seu trabalho e respeitar o trabalho do outro. Percebo que João Lourenço e muitos dos seus auxiliares acabam por cair na tentação de avaliar, escrutinar e até mesmo ridicularizar jornalistas, o que não é bom. É que muitas vezes faz parte de uma estratégia para intimidar, para condicionar esses profissionais e limitar o exercício dessa actividade.

O Presidente da República, em termos constitucionais, é um órgão de soberania, sendo merecedor de todo o respeito e consideração por parte dos cidadãos. João Lourenço é o presidente de todos os angolanos, é o "primeiro entre iguais", por isso também tem responsabilidades e deve ser um promotor do respeito pela liberdade de expressão e de opinião, deve ser um defensor do exercício da actividade dos jornalistas. Mas, se entender que não deve falar aos jornalistas, é livre de o fazer. Deixa de fazer conferências de imprensa e passa a fazer apenas declarações aos jornalistas, sempre evita perguntas inconvenientes e não tem de se dar ao trabalho de os responder. Também não pode cair na tentação de fazer das conferências de imprensa um espaço de "stand up comedy".

Os jornalistas merecem mais respeito e consideração da parte de quem governa. É que temos algumas más memórias destas e outras situações. O Presidente José Eduardo dos Santos chegou a classificar de "pasquins" os jornais privados que existiam em Angola, isso durante uma viagem que fez aos Estados Unidos da América, uma verdadeira falta de respeito, humilhação e desrespeito pelos jornalistas e pelo jornalismo angolano. Aconteceu, na altura, alguns dos seus auxiliares acharam-lhe muita graça, tivemos até colegas a usar estas declarações para atacar outros colegas. Somos uma classe estranha, não é? Quando somos humilhados, destratados e ridicularizados pelo poder, reagimos timidamente e há alguns dos nossos colegas que procuram arranjar argumentos para "legitimar" a humilhação. Dizia que José Eduardo dos Santos os chamou de "pasquins", João Lourenço literalmente disse que mandava para a guerra uma jornalista que faz muitas perguntas. É claro que o problema não está só com o Presidente da República, está também com quem está ao lado dele, quem trabalha com ele e que não lhe consegue dizer que este não é o caminho.

Em Setembro de 2019, houve uma reportagem no Telejornal da Televisão Pública de Angola que foi bastante caricata e, na altura, partilhei nas redes sociais e retracto aqui. A correspondente da TPA nos EUA, a jornalista Hariana Verás, tinha entrevistado o Presidente da Namíbia, Hage Geingob (já falecido), depois chamou o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que foi bastante simpático e educado com ela, segurou-lhe na mão que carregava o microfone, com carinho e ternura, bem ao seu estilo. E então veio a comitiva do Presidente da República, João Lourenço, que apesar da insistência da repórter em pedir uma "palavrinha", caminhava como se não lhe estivesse a ouvir. A jovem repórter insistiu e foi o próprio Presidente da República a dizer num tom a "despachar": "Falamos amanhã, falamos amanhã.", havia um sorriso sarcástico em alguns membros da comitiva perante o "atrevimento" da jornalista da TPA. Ainda recordo que, em estúdio, a partir de Luanda (e antes da reportagem), o jornalista Ernesto Bartolomeu fez questão de realçar que a TPA era a "única televisão angolana" que cobria a tal Assembleia-Geral da ONU e que a sua colega tinha falado com vários líderes mundiais. Só não disse (ou não sabia) que a repórter tinha levado uma "tampa" do Presidente do seu País, até o "arrogante e mal-educado" Presidente Donald Trump conseguiu ser simpático e foi entrevistado pela jornalista angolana.

Este é só um exemplo de como as coisas são e como é muitas vezes a nossa relação com o poder. Temos de "normalizar" o facto de o Presidente da República receber uma entidade na Cidade Alta e não falar aos jornalistas presentes, sendo apenas o visitante a falar e o anfitrião nem aparece, ou termos o nosso Presidente a falar para órgãos estrangeiros antes de qualquer visita oficial ou de Estado e os órgãos nacionais limitarem-se apenas a reproduzir tais entrevistas como verdadeiras caixas de ressonâncias, colocando-nos numa posição de subalternização. Perguntar não ofende, perguntar sempre!