O suposto bom desempenho do PIB, no I trimestre de 2024, sinaliza uma trajectória de recuperação da actividade económica, em resultado também das medidas de estímulo à Economia e Dinamização do seu Potencial, que estão a ser implementadas pelo Executivo do Presidente João Lourenço, desde Julho de 2023, ou seja, desde a nomeação do actual Ministro de Estado para a Coordenação Económica (MECE).
A Equipa Económica (EE) aproveitou a divulgação dos indicadores do PIB nacional para fazer um balanço da Agenda Económica até Junho de 2024. A agenda incorpora medidas de i) aumento da produção nacional, ii) apoio no acesso ao financiamento para o sector empresarial, iii) simplificação e alívio económico e iv) melhoria do ambiente de negócios. De acordo com o MINPLAN, com a aprovação e implementação da Agenda Económica i) o PIB trimestral tem apresentado uma tendência crescente de recuperação, ii) a inflação tem demonstrado uma tendência decrescente, iii) a entrada de turistas estrangeiros tem aumentado significativamente, estimulando o sector do turismo, e iv) os operadores do sector privado têm sido capazes de criar empregos na economia.
O mundo das maravilhas que a EE, através do MINPLAN, projecta na referida apresentação não tem aderência com a realidade que é vivida e percebida pelos angolanos no seu quotidiano. Aquela apresentação leva-nos a fantasiar sobre a longa-metragem de animação "Branca de Neve" dos estúdios Walt Disney, lançada em 1937, baseado no conto de fadas dos irmãos Grimm que eternizou a célebre frase: "mágico espelho meu, espelho meu, quem é mais bela do que eu?". A EE vê e sente uma realidade distinta do povo.

Ora vejamos,
Primeiro, a taxa de crescimento real do PIB do I trimestre de 2024, reportada pelo MINPLAN de 4,6% (variação homóloga), é de facto assinalável e projecta uma aparente pujança da economia nacional. Entretanto, ao fazermos a decomposição sectorial do PIB encontramos uma realidade menos favorável. Na realidade, este aparente forte crescimento está influenciado sobremaneira pelo sector petrolífero que observou uma expansão de 6,9% que, por sua vez, reflecte a recuperação dos níveis de actividade face ao I trimestre de 2023 quando foram verificadas paralisações em algumas plataformas de produção de petróleo bruto devido a dificuldades técnicas e a necessidade de manutenção. Assim, não estamos perante um crescimento sustentado da produção de petróleo bruto, mas sim de uma reposição dos níveis anteriores que, portanto, se traduzem num evento episódico (one-off event), pouco provável de voltar a ser observado.
Em nosso entender, a EE, através do MINPLAN, na sua nota de imprensa, deveria ser mais rigorosa na divulgação dos indicadores económicos e não deixar transparecer a ideia de que pretende induzir em erro a opinião pública. Como se pode verificar nos números das contas nacionais, as dificuldades verificadas na produção de petróleo bruto no I trimestre 2023 foram sendo recuperadas ainda naquele ano. De facto, o crescimento real do sector petrolífero entre o IV trimestre de 2023 e o I trimestre de 2024 foi praticamente zero (INE, 2024). Pasme-se!
Por outro lado, de acordo com o MINPLAN, o crescimento real do sector não-petrolífero foi de 3,9%, impulsionado principalmente pelo comportamento positivo dos sectores dos transportes, da energia e água, do comércio e da agricultura e pescas. Ora, é muito difícil reconciliar estes indicadores com o sentimento e percepção generalizada do cidadão nacional. As famílias e as empresas continuam a expressar uma forte preocupação e descontentamento que não encontram respaldo nos números reportados pela EE. Será que o crescimento real nestes sectores foram conseguidos sem ser necessário recorrer à contratação de mais mão-de-obra? É pouco plausível!
Em segundo lugar, o relatório da missão do Artigo IV do Fundo Monetário Internacional (FMI) avança um conjunto de avaliações, considerações e projecções que dão sustentação a nossa relutância em aceitar como fiável o optimismo da EE. De acordo com o FMI, o seu cenário de base estima que a produção de petróleo bruto será mantida em 1,08 milhões de barris por dia em 2024. A conjugação deste desempenho do sector petrolífero com a diminuição das restrições à oferta cambial vai apoiar a actividade económica não-petrolífera, estreitando gradualmente o cenário negativo (FMI, 2024).
No entanto, no mesmo relatório, uma vez mais, o FMI volta a assinalar que o crescimento real do sector não-petrolífero a médio prazo depende em grande medida da implementação das reformas estruturais. Medidas essas que o Executivo não tem sido capaz de as conceber e implementar de forma sustentável e consistente entre os vários instrumentos de política. Na acção de coordenação económica reina a confusão e os objectivos conflituantes de políticas económicas. Por exemplo, o Banco Nacional de Angola (BNA), no âmbito do seu mandato de autoridade monetária e supervisão bancária, tem vindo a implementar um conjunto de medidas de política monetária restritivas para controlar a expansão dos agregados monetários e a inflação, mas em paralelo o MECE anuncia que o mesmo BNA vai autorizar os bancos comerciais a concederem créditos à economia real com recurso a reservas obrigatórias. Não se compreende meus Camaradas!
As projecções do FMI estimam um crescimento real do PIB de cerca de 2,4% para 2024, bem distante da visão optimista da qual a EE do Executivo pretende sacar peito. Aliás, um exercício de programação macroeconómica que estime o crescimento real do PIB com a produção do petróleo bruto mantida nos níveis actuais e que incorpore as projecções da própria EE para o sector não-petrolífero, levam-nos a uma expansão em 2024 abaixo da metade dos 4,6% verificados no I trimestre de 2024. Assim, não parece existirem ainda razões para grandes celebrações.
Finalmente, em terceiro lugar, deve-se revelar que o crescimento real do sector não-petrolífero de 3,9% é, ainda que verdadeiro, manifestamente insuficiente para sustentar o desenvolvimento económico de Angola. É imperativo que o sector não-petrolífero cresça em termos reais acima da taxa de crescimento demográfico para garantir a criação de empregos e melhorar os rendimentos das famílias. De acordo com o Banco Mundial (WB), a economia angolana não está a gerar empregos suficientes para acompanhar o crescimento da população em idade activa. Entre o final de 2022 e o final de 2023, mais de 550.000 novos trabalhadores entraram na população activa, mas apenas 10.000 postos de trabalho foram criados. O desemprego urbano e juvenil subiu para 42 e 58% no final de 2023, respectivamente, em comparação com 39 e 53% no ano anterior (WB, 2024).
É nossa dedução de que Angola caminha para um empobrecimento crónico. Desde 2017 que o desempenho económico está francamente abaixo do PIB potencial - nem os factores exógenos como, por exemplo, a crise da pandemia COVID-19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, são capazes de explicar o empobrecimento do povo. A EE do Executivo do Presidente João Lourenço falta engenho, arrojo e audácia para implementar um conjunto de medidas e reformas estruturais e disruptivas capazes de mobilizar o capital humano e físico nacional para uma trajectória de crescimento virtuoso e sustentável.
Como disse o Professor Peter Blair Henry, economista que foi o nono reitor da Leonard N. Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque e William R. Berkley professor de Economia e Negócios "Uma boa política económica exige não tanto bravata para implementar mudanças drásticas, mas sim força e sabedoria para fazer compromissos razoáveis ao longo dos muitos anos necessários para transformar o nível de vida de um país".n

*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
*Business and Economic School - ISG

Bibliografia
Folha de informação rápida: Contas Nacionais Trimestrais. I Trimestre de 2024. Instituto Nacional de Estatística.
IMF (2024) Angola Article IV Staff Report. IMF Country Report 24/224. Washington, D.C: The African Department - International Monetary Fund.
Angola aspectos gerais https://www.worldbank.org/pt/country/angola/overview