Existem muitos mitos sobre a transição energética e posições extremadas. De um lado aqueles que acreditam que a energia fóssil é irrelevante e está condenada ao declínio nas próximas décadas no contexto da emergência climática e das medidas adotadas para a mitigação. De outro lado estão os que desvalorizaram o crescimento exponencial das energias renováveis na matriz energética global e a sua contribuição para um mundo que garanta um planeta seguro para as gerações futuras. Como em tudo, estas posições extremadas não representam a realidade e verdade está no meio, como se atribui ao grande filósofo da Idade Média, Maimonedes.
É importante clarificar que as políticas energéticas são complexas e não se reduzem a um binómio de "renováveis vs. fósseis", numa perspetiva simplista, como muitas vezes aparece na esfera pública. A matriz energética global é uma mistura de várias fontes de energia e a transição energética é um fenómeno complexo e multifacetado que deve considerar vários factores.
Posto isto, convém frisar que as políticas energéticas são um compromisso entre objetivos que por vezes são incompatíveis, a sustentabilidade ambiental, a segurança energética e o custo da energia e isso é conhecido como o "Trilema Energético", designação dada pelo World Energy Council.
Aqui vemos que um dos problemas no debate sobre a transição energética é a incompreensão sobre as realidades globais e os fundamentais da procura e oferta global por energia. Os fósseis ainda dominam a matriz energética global e vão continuar a dominar nas próximas décadas, mesmo em cenários expansivos de um aumento das energias renováveis. De acordo com a Agência de Emergia Internacional os fósseis (carvão, gás natural e petróleo) representam mais de 80% do consumo primário energético global.
A contribuição das energias renováveis na matriz energética global tem sido muito sobrevalorizada por muitos ativistas que rodeados de boas intenções, muitas vezes não compreendem a escala maciça e a complexidade dos desafios da descarbonização numa escala global.
Apesar do crescimento global da oferta de energias renováveis nos últimos anos e o apoio massivo por parte dos Estados, através de subsídios (nas tarifas feed-in por exemplo) e outras medidas para a descarbonização, a contribuição das energias renováveis (em especial a energia solar e eólica) não ultrapassa os 5% do consumo primário energético global, e mesmo incluindo a energia hidroelétrica (muito importante para países com bacias hídricas ) não ultrapassa os 10%, sendo a restante matriz composta pela energia nuclear, biomassa, entre outras.
No caso do petróleo que representa cerca de 30% do consumo primário energético global muitos analistas apontaram para o colapso da procura global do petróleo em 2020 devido ao Covid-19 como um colapso estrutural na procura mundial por fósseis. Não foi esse o caso, o ano passado houve um colapso conjuntural da economia global devido a paralisação das atividades económicas o que fez com o que consumo de energia baixasse significativamente e no caso do crude este colapso retirou um terço (1/3 ) da procura global que se situava nos 100 milhões de barris de petróleo por dia em 2019, mas com a vacinação em massa já assistimos a uma recuperação da procura global por crude que vai atingir o valor de 2019 dentro de alguns meses.
Para além disso temos assistido na segunda metade deste ano a uma escalada dos preços de energia (eletricidade, gás natural, carvão e petróleo os principais) devido a uma recuperação económica mais rápida do que se esperava e um aumento da procura agregada que se seguiu ao colapso das atividades económicas em 2020 por causa do Covid. É importante dizer que contrariamente a outras crises, esta crise energética não se reduz ao crude e é por isso mais significativa.
Outro fator relevante que explica os preços altos de energia, em especial, o preço da eletricidade é o fato de muita da capacidade elétrica ser resultante de energia solar e eólica e uma das características das energias renováveis é a sua intermitência, não há sempre vento ou sol para garantir a produção contínua de eletricidade. As energias renováveis também têm outra desvantagem, que é uma capacidade limitada de armazenamento , o que significa que se não for consumida imediatamente, a rede elétrica precisa de energia de base ("Baseload Energy") e tipicamente é de centrais a gás natural ou de carvão (que tem sido desmantelado pelos elevados custos ambientais um pouco por todo o mundo) ou em países como a França onde a energia nuclear representa cerca de 70% da produção elétrica.
No caso Europeu o preço por Megawatt de eletricidade não para de aumentar e não estamos ainda em pleno Inverno, onde o consumo é sempre maior. Nos países emergentes a procura por eletricidade é tão elevada que no caso da Índia e da China o preço do carvão atingiu máximos históricos (200 dólares por tonelada) e nem há carvão suficiente para a procura por eletricidade, de recordar que na Índia o carvão representa cerca de 70% do consumo de eletricidade e já se registam apagões. Na China, o racionamento de energia e medidas de poupança de eletricidade já estão em curso tendo em conta o aumento dos preços.
Inevitavelmente as emissões de carbono vão aumentar e em parte o processo de substituição de centrais de carvão por gás natural vai ser adiado, considerando o aumento do exponencial dos preços do gás natural (mais de 7 vezes, na Europa e Ásia) , agora que o carvão se torna mais competitivo.
As consequências deste aumento da energia podem levar a um abrandar da economia global, o aumento da inflação generalizada e já há alguns economistas como Mohamed El-Erian, que alertam para o perigo de um período de "Stagflation", um período que ocorreu nos anos 70 com preços altos de crude, inflação alta e fraco crescimento económico limitado, isto num contexto do aumento exponencial da massa monetária pelos Bancos Centrais.
As consequências políticas também serão graves, por exemplo o aumento dos combustíveis em França gerou o movimento dos "Coletes Amarelos" "(Gilets Jaunes") em 2018 e podemos ter algo semelhante um pouco por todo o mundo, tanto nos países desenvolvidos e nos países emergentes.
Em resposta a este aumento de preços, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen veio esta semana informar que o aumento dos preços não se deve à aposta nas energias renováveis e prometeu um aumento de apoio para o "Green Deal" da Europa, mesmo sabendo que estas são incapazes de fornecer energia de base que a Europa precisa. Importa também dizer que ao contrário dos anos 70 e da crise petrolífera de 1973, este aumento generalizado de preços de energia não se reduz ao crude, todas as "Commodities" estão em alta e todas as fontes de energia em geral, sendo que a maioria dos analistas prevê um aumento de preços em 2022.
O recente relatório da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o "World Oil Outlook" de 2021, publicado em Setembro revela que apesar de todos os investimentos em energias alternativas os fósseis ainda vão representar mais de 70% do consumo primário energético em 2040. Nesse relatório a OPEP prevê uma descida do carvão e um aumento das renováveis e do gás natural na matriz global.
O que significa que atingir a neutralidade de carbono (o "Net Zero") em 2050, é quase impossível. Até a Agência de Energia Internacional que faz parte da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico) e representa os países ocidentais e mais industrializados do mundo e tem promovido ativamente a transição energética e energias renováveis já reconheceu aos enormes desafios desse processo e apelou a Rússia para aumentar a sua produção de gás natural, face ao aumento dos preços nos últimos meses.
A transição energética é inevitável e inadiável, mas não vai ser um processo rápido e sem custos elevados e vai variar de região para região e esta crise energética revela a importância dos fósseis na segurança energética (o fornecimento contínuo de energia sem disrupções).
Para os países ocidentais esse processo será mais rápido, mas terá custos elevados que serão cada vez mais evidentes, para os países emergentes o consumo por fósseis vai continuar a aumentar nas próximas décadas e entre sustentabilidade ambiental e segurança energética, estes vão escolher a última opção, apesar das promessas e compromissos ambientais no quadro do Acordo de Paris. E aqui levanta-se uma questão fundamental que é a pobreza energética (e o custo da energia é um fatores essenciais) no resto do globo e como financiar uma transição energética que se prevê que seja bastante cara e não cause uma disrupção no fornecimento de energia como está a ocorrer agora.
Foi Milton Friedman que disse que não há almoços grátis e em políticas energéticas, o mundo vai descobrir em breve que não se pode ter tudo ao mesmo tempo e o cumprimento das obrigações ambientais no âmbito do Acordo de Paris que visa manter o aumento das temperaturas abaixo dos 2º graus terá um custo que muitos países não estão dispostos a pagar, já que preços altos de energia (incluindo o petróleo) podem ser o novo normal.
Para Angola, os desafios são distintos, apesar de ter uma produção petrolífera em declínio, Angola vai para já beneficiar do aumento dos preços de crude que a Goldman Sachs estima em 90 dólares por barril em 2022. No nosso modelo de preços, os preços se situação entre os 70 e 100 dólares em 2022, o que é muito maior do que o previsto no Orçamento Geral de Estado, que foi elaborado numa base conservadora e podemos estar perante o novo normal, um novo superciclo para as matérias primas e para o petróleo nos próximos anos.