Da literatura económica tem-se, de modo sintético, como factores determinantes plausíveis do crescimento económico sustentado, condição indispensável para o desenvolvimento e para a prosperidade, os elementos seguintes:
1. Factores políticos e institucionais, nomeadamente: a) a estabilidade política; b) a existência de instituições políticas e económicas inclusivas, consubstanciada em: (i) o primado da lei; (ii) a separação de poderes e o funcionamento de mecanismos de "freios e contrapesos" entre os mesmos; (iii) a garantia dos direitos políticos e civis; (iv) a garantia dos direitos de propriedade; (v) a existência de uma imprensa livre; (vi) a liberdade Económica; e (vii) uma administração pública eficiente, eficaz e não corrupta;
2. Factores estruturais, de política económica e económicos", designadamente: a) o capital humano; b) as infra-estruturas; c) a estabilidade macroeconómica; d) políticas económicas adequadas; e e) o investimento privado. E pode entender-se a existência dos "factores políticos e institucionais" como conditio sine qua non para a presença dos "factores estruturais, de política económica e económicos".
Percebe-se assim que o País estava longe de reunir, no final de 2020, os factores determinantes plausíveis do crescimento económico sustentado, do desenvolvimento e da prosperidade, importando, por isso, uma avaliação dos desenvolvimentos de 2021.
No domínio político e institucional, releva-se a conclusão de uma revisão constitucional. É de notar que pelas normas constitucionais e das leis ordinárias, um partido político que detenha maioria qualificada de 2/3 na Assembleia Nacional acaba por deter o controlo do Tribunal Constitucional, da CNE e da ERCA, além de influência significativa sobre o Tribunal Supremo, comprometendo a separação de poderes e os mecanismos de freios e contrapesos. Deste modo, a revisão constitucional não teve impacto sobre a inclusividade das instituições do Estado.
De resto, no processo de tal revisão constitucional, o juiz conselheiro presidente do Tribunal votou vencido e renunciou o cargo por entender que a aprovação da revisão constitucional nos termos propostos constituiria um "suicídio do Estado Democrático e de Direito". E na sequência, o Presidente da República nomeou para tal função uma advogada que, na data, era membro do Bureau Político do partido no poder - o MPLA. Embora tenha sido um acto legal, colocaram-se questões de ética política do mesmo.
E foi sob a presidência da nova juíza presidente que o Tribunal Constitucional anulou o XIII Congresso da UNITA, realizado em Novembro de 2019, dando provimento a uma acção movida por alguns militantes de tal partido, facto que fez emergir críticas sobre uma eventual instrumentalização daquele órgão de soberania.
Por outro lado, a Assembleia Nacional aprovou uma lei eleitoral que estabeleceu o apuramento dos votos apenas a nível nacional, eliminando-se o apuramento municipal e provincial que a anterior lei previa, mas que nunca foi praticado, facto que foi qualificado pelos partidos na oposição como "legalização da fraude".
Não obstante o facto de o Presidente da República não ter promulgada, na ocasião, a referida lei, retornando-a à Assembleia Nacional, na versão que veio depois a ser promulgada manteve-se aquela disposição. A UNITA promovera, entretanto, em Setembro de 2021, uma manifestação para protestar contra a referida lei e exigir eleições livres e justas. Durante a manifestação, repórteres dos órgãos públicos de comunicação social viram-se constrangidos no desenvolvimento do seu trabalho e agredidos verbalmente por alguns dos manifestantes, pelo que a TPA e TV Zimbo se decidiram a não dar cobertura às actividades da UNITA até que os dirigentes desse se desculpassem publicamente. Isso foi tomado como contrário ao princípio constitucional de liberdade de imprensa e pluralidade de informação, o que ficou depois ultrapassado da sequência de um diálogo sugerido pelo Presidente da República entre as direcções do MINTTICS e dos órgãos de comunicação social públicos com a direcção da UNITA.
No domínio da política económica e da economia, ao longo do ano 2021, a economia angolana continuou a experimentar dificuldades, com impacto negativo nas condições de vida das populações, traduzido na degradação do poder de compra com a aceleração da inflação, com a taxa homóloga a passar de 24,34%, em Outubro de 2020 (25,1%, em Dezembro de 2020), para 26,87%, em Outubro de 2021 - com uma maior contribuição dos preços dos alimentos -, assim como no aumento da taxa de desemprego de 30,6%, em Dezembro de 2020, para 34,0%, em Setembro de 2021.
O PIB angolano teve crescimento modesto de 0,2% no I trimestre de 2021 em comparação ao IV trimestre de 2020, com registo, depois, de uma queda de 2,4% no II trimestre de 2021 comparativamente ao I trimestre. Entretanto, em termos homólogos, no final do I trimestre, a taxa de crescimento foi de -3,4%, enquanto no II trimestre, de 1,2%. Os sectores da Agricultura, Pecuária, Silvicultura e Pescas mostraram alguma vitalidade, enquanto os da Indústria Transformadora e dos Serviços, de um modo geral, apresentaram desempenhos desanimadores. Pior foi o desempenho do sector petrolífero, com variações homólogas negativas de 18,6% e 12,3% no I e II trimestre de 2021, respectivamente, o que era previsível face à tendência que se desenhou desde o ano de 2008, como consequência do fraco investimento em prospecção ocorrido nos anos anteriores.
Por seu turno, de Abril a Outubro de 2021, o FMI reviu as suas previsões de crescimento nesse ano da economia do País de 0,4% para -0,7%, representando menos 1,1pp, quando para a África Subsahariana a revisão foi em alta de 3,4% para 3,7%.
Portanto, o cenário da economia angolana em 2021 foi fortemente marcado negativamente pela dinâmica de declínio da produção do sector petrolífero, não obstante o facto de o preço médio de exportação ter tido um desempenho melhor do que o esperado, ao aumentar de uma média de cerca de USD 42,60 por barril no ano de 2020, para uma média de cerca de USD 65,69 por barril em 2021 (entre Janeiro e Novembro de 2021).
Ajudada pelo aumento do preço médio de exportação do petróleo bruto, conforme dados reportados pelo BNA, melhorou tendencialmente a Conta Corrente da Balança de Pagamentos, com a acumulação, no final do II trimestre, de um saldo positivo de cerca de USD 3.740 milhões. As Reservas Cambiais tiveram um aumento de cerca de USD 231 milhões em relação a Dezembro de 2020. Por seu turno, a taxa de câmbio do dólar americano apreciou-se em cerca de 13,0% do final de Dezembro de 2020 para o final de Novembro de 2021, tendo, entretanto, o prémio do mercado paralelo diminuído de cerca de 19% para cerca de 8%. Contudo, o fluxo de Investimento Estrangeiro no País, no final do II trimestre de 2021, foi negativo em cerca de USD 819,7 milhões, ao qual se soma uma saída de capitais, a título de Investimento de residentes cambiais no estrangeiro, de cerca de USD 1.775,2 milhões.
No domínio das finanças públicas, destaca-se o facto de os dados da execução do OGE de 2021 do Ministério das Finanças referentes ao II trimestre do ano indicarem uma execução das receitas na ordem dos 31% do total anual previsto, enquanto a execução das despesas se situou em 20% apenas. A esse baixo nível de execução da despesa orçamentada juntam-se prioridades questionáveis, atendendo à situação económico-financeira difícil do País, como o caso da afectação de Kz 1000 milhões para a reabilitação do Estádio 11 de Novembro - o mais caro estádio construído para a questionável organização pelo País do CAN de 2010, que terá ficado orçado em cerca de USD 230 milhões -, e de USD 114 milhões à aquisição de instalações para a acomodação de serviços do Ministério dos Transportes; também a continuidade da desorçamentação e da tolerância para a realização de despesas à margem do OGE, como atesta a inscrição na proposta do OGE de 2022 de Kz 421,94 mil milhões para o pagamento de atrasados internos.
No âmbito do combate à corrupção, o Estado apreendeu activos adquiridos com fundos públicos, mas apropriados de modo privado. Ao longo do ano 2021, foi sendo noticiado o encerramento de algumas das empresas que assim haviam sido apreendidas, facto preocupante pelo impacto económico e social negativo que daí decorre. Esse desenvolvimento terá sido consequência de não se ter acautelado, à partida, no processo da assumpção da titularidade de tais empresas, a sua economia. De outro modo, ter-se-iam antecipado as medidas a tomar e o melhor destino a dar aos activos apreendidos e, com isso, mitigar-se os riscos de disrupção das suas actividades. Os riscos decorrem do facto de, na maior parte dos casos, no desenvolvimento dos referidos projectos pelas entidades privadas e, sobretudo, no caso de empresas, por falta de incentivos - dado que os recursos investidos não eram próprios e nalguns casos contariam também com recursos públicos para cobrir pelo menos uma parte dos custos de operação -, elas não se terem preocupado com os princípios do cálculo económico. Isso sem prejuízo do facto da transição da economia da "acumulação primitiva de capital" para uma economia de livre iniciativa, concorrencial e transparente, implicar, necessariamente, transformações estruturais que podem envolver encerramento de negócios que não se revelem sustentáveis no novo contexto.
Pode-se então dizer que, se no final do ano de 2020 Angola estava ainda longe da prosperidade e não terá trilhado o caminho para lá chegar nos seus 45 anos de Estado independente, o percurso de 2021 não a não favorecer uma afirmação dos factores determinantes plausíveis do crescimento económico sustentado, seja em termos da estabilidade política ou do desenvolvimento de instituições políticas e económicas inclusivas, seja em termos do desenvolvimento do capital humano, das infra-estruturas, da adequação das políticas económicas ou do investimento privado. Evidenciaram-se, antes, situações que tendem a potenciar a persistência de tensões sociais e políticas susceptíveis de gerar instabilidade política. Num contexto desse, é compreensível um cenário de procrastinação das decisões de investimento doméstico, assim como de distanciamento do País do investimento directo estrangeiro produtivo e de longo prazo. E isso torna o percurso para a prosperidade futura do país - na qual cremos - sinuoso...
*Economista