Novas evidências dessa policrise manifestaram-se desde então. Sebastião Vinte e Cinco, jurista e militante do MPLA, deu uma entrevista à rádio MFM denunciando, com argumentos, que o Presidente João Lourenço havia perdido a batalha contra a corrupção. Joaquim Jaime, outro jurista e igualmente ligado ao partido no poder, afirmou que a denúncia do Chefe da Casa Militar da Presidência da República sobre o envolvimento de figuras de topo do regime no contrabando de combustível representou um murro no estômago do combate à corrupção. Ambas declarações são inéditas no figuro tradicional do MPLA e correspondem às percepções na sociedade sobre o aumento crescente dos níveis de corrupção e de impunidade.

Considerando que o contrabando tem sido denunciado desde há muito, que o consumo per capita de combustível na província do Zaire é o mais alto do País e que cálculos apontam para um prejuízo anual para Angola superior a 600 milhões de dólares resultantes do tráfico, é legítimo concluir que o problema está interligado à policrise angolana. Não seria de encarar definitivamente uma solução que passasse pela equiparação do preço dos combustíveis aos dos países vizinhos no quadro de outras reformas a encarar?

Outra evidência continuada da policrise é o panorama económico e social sombrio que não melhorou, antes pelo contrário. A taxa de inflação atingiu em Agosto 30% e a moeda desvalorizou 10% e 11% face ao dólar e ao euro, respectivamente, desde o início do ano, sem que se vislumbre uma saída para a situação, minando ainda mais a já pouca confiança dos cidadãos e dos investidores. As contas do Sector Empresarial do Estado - que por razões fora do alcance da razão apresenta maior número de empresas do que antes das privatizações - revelam que sem a Sonangol esse conjunto de empresas teve no exercício de 2023 um prejuízo de 21,3 mil milhões de kwanzas (aproximadamente 25 milhões de dólares) e que 15% delas nem sequer apresentam contas, um dos deveres elementares de boa governação, ao mesmo tempo que são useiras em alinhar-se com o despesismo que caracteriza a gestão do País. Num só dia já do mês de Setembro, o Titular do Poder Executivo aprovou financiamentos no valor aproximado de cinco mil milhões de dólares, o equivalente à amortização da dívida para com a China nos últimos três anos, quase tudo através de ajustes directos, para o metro de superfície, um novo satélite e a manutenção do novo aeroporto internacional, tudo importante e necessário, mas seguramente, uma vez mais, tudo não prioritário. Podemos continuar a endividarmo-nos deste modo?

Do ponto de vista social, assume foros de dramatismo a chegada anual de um milhão de jovens ao mercado de trabalho, sem que se vislumbrem ofertas de colocação, dado o insignificante número de postos de trabalho criados por uma economia que se diversifica a passo de camaleão. O mercado informal de emprego encontra-se saturado, a emigração não é solução por falta de competências e a agricultura não é atractiva pelo atraso tecnológico e pelos baixíssimos níveis de produtividade. Não resta senão a aventura do garimpo de ouro, quartzo e terras raras, a juntar-se aos tradicionais diamantes, uma actividade de grande risco e precariedade. Perante este cenário, as autoridades deveriam estar mais atentas ao chamariz que representa a delinquência. Demonstrando uma vez mais que a preocupação com a manutenção do poder é mais importante do que a justiça social ou a ordem pública, aposta-se numa esdrúxula lei sobre a vandalização de bens públicos que, como de hábito, visa sobretudo as consequências e não as causas desse enorme mal social, deixando de fora os bens e equipamentos privados, como se estes não fossem desesperadamente necessários para o crescimento da economia. E que dizer da existência de cinco milhões de crianças fora do sistema de ensino? E da saída de 78 mil jovens na condição de emigrantes em 2023 para países europeus, americanos e asiáticos, seguramente com competências necessárias ao desenvolvimento de Angola?

O problema central do País, tenho dito e escrito, reside nas instituições e na governação, tudo o resto deriva da sua disfuncionalidade. Neste aspecto, a situação agrava-se à medida que o tempo passa. Tratarei deste assunto com maior profundidade em próxima conversa. Por agora limito-me a chamar a atenção para a reforma do Estado pretendida em 2020, que no Ministério da Agricultura e Florestas se limitou à extinção do Gabinete de Segurança Alimentar, que na maioria dos países em situação similar à nossa está na dependência de um Primeiro-Ministro ou mesmo do Gabinete do Presidente da República, tendo sido criado em seu lugar um departamento da Direcção Nacional de Agricultura. Isto é, baixou de nível. Agora, na sequência de uma reunião do Conselho da República, foi proposta a criação de um observatório, mais um mimetismo com que se imagina atacar uma questão tão séria como a segurança alimentar do País.

A insegurança alimentar - traduzida no nosso caso pela insuficiência da produção nacional que obriga ao recurso desmesurado à importação, que por sua vez satisfaz os interesses de lóbis poderosos -, como muitos outros desafios igualmente prioritários não se resolve com a criação de estruturas, comissões ou observatórios, mas sim com a definição de boas políticas agrícolas e agro-industriais, com bons incentivos aos agricultores e empresários do agro e da agro-indústria e do alinhamento dessas medidas com outras que envolvam os sectores que concorram para o aumento da produção e da produtividade.

Ainda que considere não fazer muito sentido que o Conselho da República seja convidado a pronunciar-se sobre um assunto que deve ser do âmbito do Conselho de Ministros e da auscultação de actores com experiência nos sectores, a reunião do passado mês de Agosto mostra que o aumento do peso político da agricultura é um facto. Finalmente, o Executivo compreendeu a importância de tomar decisões sobre a campanha agrícola com alguma antecedência. Mas os passos dados são manifestamente insuficientes, pois o planeamento é uma ciência e como tal deve ser tratado. Além disso, o Executivo não pode continuar a tratar dos assuntos na perspectiva de ajudas ou ofertas, mas sim com base na definição de políticas públicas. Por exemplo, entregar tractores às cooperativas sem uma política de mecanização e de criação de um mercado correspondente é apenas lançar dinheiro para cima dos problemas.
Ver líderes religiosos participar em discussões sobre alimentos sem manifestarem solidariedade, já não digo amor ao próximo, com os milhões de angolanos que passam fome, dói!