Acordo aos primeiros raios solares que, sem pedirem licença, penetram pelas frestas da porta e janelas do quarto da Guest house onde me alojo. Por esta altura do ano, na Namíbia, o sol levanta-se cedo e põe-se tarde, o que me traz à memória os verões quentes da Europa. Ao meio das manhãs, as temperaturas são altas e sufocantes e os dias mais longos do que as noites.

Salto da cama, enfio-me dentro de uns calções, de uma t-shirt e de umas sapatilhas e caminho solto por uma estrada asfaltada rodeada de árvores de pequeno e médio porte e capim seco, que há muito clama por chuvas, a fim de devolver a esperança aos habitantes desta cidade de aproximadamente 50 mil almas.

Sinto o ar puro do campo, o cheiro penetrante de excrementos de bovinos deixados pelo gado que os pastores levaram na véspera a apascentar.

À distância, escuto o chilrear dos pássaros e observo as aves que, em voos rasantes, riscam o céu e descrevem figuras geométricas no firmamento.

Horas depois, deixo o ambiente semi-rural da periferia de Oshakati e penetro na modernidade do Etango Mall, um shopping amplo e funcional, que é diariamente frequentado por milhares de visitantes, dentre os quais muitos angolanos.

Ao contrário do seu congénere angolano Belas Shopping, o Etango Mall oferece mais serviços em matéria de lojas de vestuário e calçado, a preços mais acessíveis para quase todos os bolsos. O shopping namibiano perde, se confrontado com angolano, quanto à alta de preços que se praticam no nosso País, assim como em serviços de restauração e cinema de que não dispõe.

O Etango Mall, um edifício térreo que se estende por um vasto quarteirão, tem lições a dar a Angola de como é possível criar lojas, espaços comerciais com preços acessíveis para quase todos os bolsos.

Esse centro comercial é, provavelmente, o espaço mais cosmopolita de Oshakati, onde se cruzam diariamente distintos povos e culturas, algo de que qualquer visitante se apercebe a partir do sincretismo linguístico. Aqui, o português é uma das línguas mais faladas, sobretudo nos estabelecimentos comerciais, assim como nas clínicas de saúde e nos hospitais onde os nossos compatriotas procuram os cuidados médicos, que, segundo eles, para além da sua excelente qualidade, chegam a ser mais baratos neste lado da fronteira entre os dois países.

No entanto, a invasão de angolanos que promovem o chamado «turismo de compras e saúde», se, por um lado, tem ajudado no crescimento da economia namibiana, por outro, tem estado a criar uma certa animosidade no seio dos habitantes locais que não vêem os nossos compatriotas com bons olhos.

Daniel, que exerce a actividade de taxista há vários anos, um ovambo que arranha o português, pergunta-me sobre o desfecho das eleições em Angola. Reage com algum azedume quando lhe digo que o MPLA saiu vencedor.

Segreda-me, sem que lho perguntasse, que a UNITA tem muitos apoiantes angolanos em Oshakati e outras localidades da Namíbia, porque, segundo ele, o MPLA, que governa há muitos anos, tem sido incapaz de travar a migração dos angolanos que para este lado da fronteira vêm em busca de alimentos, emprego e tratamento médico nos hospitais locais.

Para ele e os seus compatriotas, os angolanos não se oferecem apenas como mão-de-obra barata nos campos agrícolas, como também vêm a abarrotar os atendimentos nas unidades de saúde estatais.

Ao cair da noite, nos bairros de Oshakati alguns bares construídos de chapas de zinco, mas feitas com gosto, vendem cervejas e pinchos, e preenchem o espaço com música alta.

Aqui, ao contrário de Windhoek, os estabelecimentos comerciais, incluindo as estações de serviços, podem vender bebidas alcoólicas depois das 18 horas, sem restrições. Será devido à proximidade desta localidade com Angola que a que cerveja corre a rodos noite adentro?

Se os namibianos se queixam da excessiva presença de angolanos nesta localidade, os nossos compatriotas, por sua vez, dizem que os namibianos têm estado a «roubar-lhes» os combustíveis dos postos de abastecimento.

À saída do Cunene, a escassos «metros» do posto fronteiriço de Santa Clara, assim como na localidade de Xangongo, dei com enormes filas de viaturas com matrículas namibianas que esperavam, à vez, para serem abastecidas.

Acontece que o combustível é mais barato do lado angolano do que namibiano, onde o litro da gasolina custa cerca de 6 dólares enquanto em Angola fica por metade desse preço. O mesmo passa-se com o gasóleo, que custa 50 dólares namibianos (um dólar norte-americano custa cerca de 16 da Namíbia).n Jornalista